O globo, n. 31207, 15/01/2019. País, p. 8

 

Entrevista - Alberto Pfeifer: 'Na Itália, caso nunca foi ideológico'

Alberto Pfeifer

Dimitrius Dantas

15/01/2019

 

 

Embora sem a participação direta de autoridades brasileiras, a extradição de Cesare Battisti fortalece as relações diplomáticas entre Brasil e Itália, segundo o professor e coordenador-geral do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint/USP), Alberto Pfeifer. Para ele, enquanto o tema é tratado de forma ideológica no Brasil, na Itália haveria um consenso: tanto o atual governo, de direita, como governantes do passado, mais à esquerda, queriam que Battisti fosse extraditado para cumprir sua pena.

O que representa para o Brasil, do ponto de vista de suas relações exteriores, a prisão de Battisti?

Essa situação era um estorvo para o Brasil e um óbice para a nossa boa relação com a Itália, que é um país muito amigo. O Battisti é um tema consensual na Itália. Da direita à esquerda, todas as esferas do sistema político e social satisfeitas com a captura e o encarceramento desse condenado pela Justiça italiana.

O Brasil passa a ser visto de outra forma?

O Brasil apenas cumpriu sua obrigação. Tem coisa mais importante do que o Battisti: é reconhecer o direito de um país amigo fazer valer sua legislação. Com essa prisão, se restabelece a Justiça tanto no plano interno italiano e também se restabelece a Justiça do relacionamento bilateral.

Melhora a imagem até que ponto?

É visto como um país que respeita as normas do direito internacional conforme a boa técnica, e não porque o presidente de plantão resolve extraditar ou dar perdão a algum amigo que tenha afinidade ideológica.

Mas, de certa forma, não foi isso o que ocorreu? Mudou a orientação ideológica do presidente e mudou a postura do governo brasileiro?

Independentemente de ser de direita ou esquerda, a questão é: era um episódio que tinha impacto sobre o interesse nacional brasileiro, era uma questão de Estado, sobre nossa relação com a Itália, nossa relação com as comunidades europeias, sobre como o Brasil é percebido no cenário internacional: um país que acolhe terroristas condenados em estados aliados. O Brasil poderia ser equiparado com nações que também recebem terroristas.

Como enxerga a atuação da Bolívia nesse caso?

Esse é um ponto importante desse imbróglio, ainda mais em relação ao novo mandato de Nicolás Maduro (Venezuela). A Bolívia de fato tem um certo ideário do socialismo bolivariano. Mas a Bolívia tem tido um bom desempenho econômico, macroeconômico, uma certa calmaria social.

É um sinal do pragmatismo de Evo Morales?

Morales sinalizou ainda mais com esse gesto a mensagem: “Aceitam a minha especificidade boliviana, de ser um país com algumas características que talvez vocês repudiem ou não entendam bem”.

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PF suspeitava de Battisti na Bolívia desde dezembro

Bela Megale

Gina Marques

15/01/2019

 

 

Italiano desembarca em seu país e vai para cadeia com mafiosos

Na segunda quinzena de dezembro, quando o italiano Cesare Battisti já era considerado foragido e aparecia na lista de procurados da Interpol, a Polícia Federal (PF) brasileira teve o primeiro indicativo de que o seu paradeiro poderia ser Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Ao refazer os passos de pessoas do círculo pessoal de Battisti, os investigadores descobriram que um contato do italiano havia estado na cidade boliviana no início de dezembro.

A data da viagem estaria relacionada a uma reportagem publicada pelo GLOBO em 2 de dezembro, mostrando que o Supremo Tribunal Federal (STF) estava inclinado a autorizar extradição.

Battisti chegou ontem à Itália, expulso da Bolívia, onde cumprirá a pena de prisão perpétua junto a outros 266 detentos na penitenciária de Oristano, na ilha de Sardenha, região autônoma do país. Battisti é o único na prisão da Sardenha a cumprir pena por terrorismo. A maioria dos detentos de lá foi condenada por envolvimento com a máfia.

Battisti vivia no Brasil desde 2004 e consolidou no país uma rede de amigos, chegando a ter um filho. Todos passaram a ser monitorados pela PF. Para os investigadores, a viagem a Santa Cruz teria servido para que o italiano pudesse “preparar terreno” para sua fuga, diante da ameaça de extradição revelada pelo GLOBO.

Comemoração

Com Battisti já foragido, a informação sobre Santa Cruz foi repassada aos policiais bolivianos pela Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI), localizado no Rio de Janeiro. O órgão foi o principal responsável pela troca de dados entre os investigadores brasileiros e a polícia do país vizinho.

A prisão do italiano, no entanto, foi feita em uma operação da polícia boliviana que envolveu cem homens e contou com informações de inteligência de investigadores da Itália. A dica de que Battisti estava no país foi confirmada pela polícia italiana, que há cerca de duas semanas conseguiu uma informação certeira de que o paradeiro do foragido seria Santa Cruz de la Sierra.

Autoridades envolvidas na busca por Battisti relataram ao GLOBO que a prisão aconteceu por um acaso. Segundo elas, os investigadores sabiam que o ex-ativista estava na cidade, mas não conseguiam encontrar endereço já que ele se revesava em casas de apoiadores.

A chegada de Battisti foi acompanhada de perto por autoridades do governo italiano. O vice-premiê e ministro do Interior, Matteo Salvini, um dos homens fortes do governo, chegou a fazer uma transmissão ao vivo da chegada do italiano. “Finalmente o assassino comunista #CesareBattisti retornou à sua pátria", declarou Salvini, que esteve pessoalmente no aeroporto para a chegada do avião.

*Especial para O GLOBO

Opinião do GLOBO

Afinidades

O RESGATE, pelo governo italiano na Bolívia, de Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos cometidos por sua organização terrorista de extrema esquerda, encerra 11 anos de uma história em que valeram mais simpatias ideológicas do que a justiça.

FOI POR isso que, em 2007, o fugitivo Battisti, preso no Brasil, e com recomendação de que fosse extraditado, dada pelo Comitê Nacional de Refugiados, foi salvo por companheiros petistas: Tasso Genro, ministro da Justiça e, por fim, o presidente Lula. Tudo devido a afinidades políticas.

NUNCA FEZ sentido tratar Battisti como vítima de violência de Estado. Pois foi julgado e condenado num país democrático, na vigência indiscutível do estado de direito.