Correio braziliense, n. 20291, 10/12/2018. Mundo, p. 12

 

A hora da verdade

Rodrigo Craveiro

10/12/2018

 

 

REINO UNIDO » Parlamento vota, amanhã, o acordo proposto a Bruxelas pela primeira-ministra Theresa May sobre o Brexit, a saída da União Europeia. Derrota pode agravar impasse, isolar a líder dentro do próprio partido e forçar a realização de nova consulta popular

Depois de sofrer uma série de reveses no Parlamento, a primeira-ministra britânica, Theresa May, passará por uma prova de fogo, a partir das 19h de amanhã (17h em Brasília). A Câmara dos Comuns submeterá à votação o acordo sobre o Brexit, selado com os 27 países-membros da União Europeia (UE). Dezenas de parlamentares anteciparam que se pronunciarão contra o acordo, o que agravaria o impasse no Reino Unido e colocaria em xeque o processo de divórcio em relação ao bloco. Apesar de May descartar novo referendo, em caso de derrota, especialistas consultados pelo Correio consideram a opção como uma solução plausível para a crise. O pacto firmado pela premiê com Bruxelas prevê um complexo sistema denominado backstop (ou “rede de segurança”), o qual impediria a instauração de uma fronteira dura entre a província britânica da Irlanda do Norte e a República da Irlanda. O Reino Unido tem prazo até 29 de março de 2019 para efetivar a saída da UE.

“A situação é muito fluida. Ninguém sabe o que vai ocorrer amanhã, quando o Parlamento terá de proferir seu voto principal. As possibilidades incluem a convocação de eleições gerais antecipadas, caso os parlamentares rejeitem o acordo; a nomeação de um novo primeiro-ministro; uma segunda votação na Câmara dos Comuns; um segundo referendo; e uma rejeição ao Brexit”, explicou Michael Emerson, analista do Centro para Estudos Políticos Europeus (Ceps), sediado em Bruxelas. “Se May convencer os rebeldes de seu Partido Conservador a mudarem de posição, o Brexit poderia seguir adiante, com base no pacto firmado com a UE.”

 

Ameaças

Kenneth Armstrong — professor de direito europeu na Universidade de Cambridge — reconhece que a primeira-ministra enfrenta duas ameaças. “A primeira é dentro do próprio partido, e ela poderá ter de lidar com um desafio à própria liderança. A outra diz respeito ao voto de não confiança no governo, o que poderia levar às eleições gerais.” Segundo ele, ainda que May resista a uma renúncia, não será capaz de evitar uma contestação entre os partidários. “O governo precisará explicar à Câmara dos Comuns o que fará, caso os parlamentares não concordem com o pacto negociado pela premiê. May poderia sondar a possibilidade de a UE renegociar o acordo, mas isso parece altamente improvável”, comentou Armstrong.

Também há expectativa de que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie, ainda hoje, sobre se o Reino Unido pode, ou não, recuar do Brexit. No entanto, a premiê avisou que, “em qualquer caso, o Artigo 50 não vai ser revogado” — ao se referir ao trecho do Tratado de Lisboa que rege sobre a saída de um país-membro da UE. Diretor do Instituto Brexit na Universidade da Cidade de Dublin, Federico Fabbrini aposta que, se o governo perder a votação, May deverá pedir ao Parlamento que vote novamente, assumindo a responsabilidade política.

“Uma derrota na Câmara dos Comuns não significa que May seja forçada a renunciar. Isso ocorreria se ela perdesse um voto de confiança”, explicou Fabbrini. Ele entende que o  Brexit mudou profundamente as relações entre o Parlamento e a 10 Downing Street, como é chamada a residência oficial e o escritório da primeira-ministra. “Tradicionalmente, no sistema parlamentar britânico, o governo controla todas as alavancas do poder em Westminster. No entanto, o Brexit fragmentou os partidos; como resultado, o Reino Unido se tornou mais similar a outros sistemas parlamentares, onde o governo perde votos no Parlamento, de forma recorrente”, acrescentou.

 

Referendo

Não se descarta que uma derrota na Câmara dos Comuns retire o tema Brexit das mãos de May, com o Parlamento tentando assumir o processo. “Isso pode levar a premiê a impor uma versão mais suave do Brexit ou a insistir em novo referendo. O Parlamento poderia, em tese, remover a premiê e instituir novo governo”, afirmou Andrew Blick, diretor do Departamento de História e Política do King’s College London. Tal cenário exigiria que parlamentares de diferentes partidos trabalhassem de modo concertado ou formassem um governo de coalizão.

Blick considera que um novo referendo seria algo complexo. Ele lembrou que as questões a serem elaboradas não estão totalmente claras. “Além disso, o calendário se mostraria apertado, a menos que o Reino Unido pudesse obter uma prorrogação de sua saída da UE.”

 

Pontos de vista

Por Kenneth Armstrong

Riscos políticos

“Politicamente, há mais pressão por outro referendo, mas é provável que tenhamos eleições antecipadas. O problema é que mesmo uma nova eleição não deve resolver as divisões sobre o Brexit antes de o Reino Unido deixar o bloco, em 29 de março de 2019. A União Europeia (UE) poderá ser pressionada a estender as negociações, mas também a ampliar a adesão do Reino Unido ao bloco. Isso traz riscos políticos.”

Professor de direito europeu da Universidade de Cambridge

 

Por Federico Frabbrini

Poucas opções

“As perspectivas de um novo referendo são limitadas, pois um novo ato do Parlamento seria necessário para estabelecer nova consulta popular. Isso geralmente leva seis meses para ser feito. A saída do Reino Unido, prevista para março, significa, efetivamente, que as únicas alternativas reais sobre a mesa são o pacto apresentado por May ou um ‘Brexit duro’, um divórcio da UE sem acordo.”

Diretor do Instituto Brexit na Universidade da Cidade de Dublin (Irlanda)

 

Por Andrew Blick

Nova votação

“Uma opção para a premiê, em caso de derrota na votação, será pedir à Câmara dos Comuns que pense novamente, e tenha mais  uma votação antes do prazo de 29 de março, quando o Reino Unido deixará a UE. Se isso não for considerado uma opção realista, e se ela não quiser que o Reino Unido saia sem acordo, terá de reverter sua insistência em não realizar outro referendo.”

Diretor do Departamento de História e Política do King’s College London