Correio braziliense, n. 20293, 12/12/2018. Política, p. 2

 

Denúncia da J&F complica Aécio

Renato Souza

12/12/2018

 

 

JUSTIÇA » Senador, que deve assumir o mandato de deputado federal nas próximas semanas, é acusado por Joesley Batista de ter recebido R$ 109 milhões de propina. Tucano diz que tentam transformar doações eleitorais em algo ilícito

Eleito para mais um mandato, desta vez na Câmara, o senador Aécio Neves é acusado de receber propina milionária da holding J&F — que controla, entre outras empresas, a indústria de alimentos JBS. O montante, de R$ 109 milhões, de acordo com a investigação, foi usado na campanha de 2014, quando ele concorreu à Presidência da República. Para recolher os documentos que podem ajudar nas apurações, a Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Ross. Além de Aécio, foram alvos de buscas endereços ligados à irmã dele, a jornalista Andréa Neves, e ao deputado Paulinho da Força (SD-SP). A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a pedir que o passaporte do parlamentar fosse apreendido, mas a solicitação foi negada no Supremo Tribunal Federal (STF).

O assunto foi alvo de um encontro entre senadores do PSDB. A reportagem apurou que o clima está tenso no partido e a situação de Aécio deve ser discutida pela legenda nos próximos dias. As ações de busca e apreensão receberam autorização do ministro Marco Aurélio Mello. Na peça de acusação, o Ministério Público destaca que Aécio solicitou uma quantia elevada de propina na penúltima eleição, quando concorreu em segundo turno com a ex-presidente Dilma Rousseff. Em um documento de 40 páginas, Dodge afirma que o senador tinha ligações com executivos da J&F e recorreu a eles por mais de uma vez para solicitar repasses ilegais.

“A investigação, até o momento, indica com muita seriedade a existência de uma relação espúria e duradoura entre Aécio Neves e executivos de um dos maiores grupos empresariais brasileiros, que, confessadamente, praticaram múltiplos atos de corrupção em todas as escalas do poder”. A procuradora detalhou que o pedido dos recursos ilícitos ocorreu na casa do executivo da J&F. “Aécio Neves, em tese, solicitou, no início de 2014, na residência de Joesley Batista, em São Paulo, R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) para a campanha presidencial da coligação apoiadora do PSDB”, destaca parte do documento.

Dodge aponta que Aécio recebeu mais do que o solicitado e repassou dinheiro para outros partidos. “Recebeu R$ 109.344.238,00, parte em espécie, parte por depósitos bancários a pessoas físicas, parte em pagamentos de serviços simulados e lavados em notas fiscais ideologicamente falsas; parte em doações oficiais a diretórios e candidatos do PSDB, no valor de R$ 64,6 milhões; do PTB, R$ 20 milhões; do Solidariedade, R$ 15 milhões, além de outros candidatos/partidos do DEM, PTN, PSL, PTC, PSC, PSDC, PT do B, PEN e PMN, no valor de R$ 10,3 milhões, para ‘comprar’ apoio político deles para a campanha presidencial nas eleições de 2014”, completa. Ele também teria solicitado e recebido mesada mensal de R$ 54 mil, até junho do ano passado.

De acordo com as investigações da PF, em contrapartida aos repasses ilegais, ele oferecia vantagens em um eventual governo, já que na época concorria à Presidência, “além de influência junto ao governo estadual de Minas Gerais, neste caso, com o objetivo de viabilizar a restituição de créditos tributários”, diz um trecho da nota do órgão. Paulinho da Força é acusado de intermediar a propina ao Solidariedade. Além de Aécio, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), o colega de casa legislativa Benito Gama (PTB-BA) e os senadores Agripino Maia (DEM-RN) e Antonio Anastasia (PSDB-MG) também são investigados, mas não foram alvos de buscas.

 

Ataques aos delatores

Em pronunciamento à imprensa no Senado e sem responder perguntas, Aécio negou as acusações e disse que está interessado em esclarecer o assunto. “Fiz questão de vir aqui falar para dizer que as solicitações da Polícia Federal foram absolutamente desnecessárias, até porque o maior interessado em esclarecer todas essas questões sempre fui eu. A verdade é que não podemos mais aceitar que delações de criminosos confessos e suas versões se sobreponham aos fatos”. Ele disse que Joesley “falseia informações” em troca de benefícios no cumprimento da pena. “Delatores, no caso, o senhor Joesley Batista, em busca da manutenção da sua incrível imunidade penal, falseiam as informações e transforma algo lícito, legal, com aparência de crime. Não há ilicitude”, disse.

Em nota, Paulinho da Força alegou que a acusação é “absurda” e “beira o ridículo”. José Agripino disse que, “enquanto presidente nacional do Democratas buscou, seguindo a legislação eleitoral vigente, doações para o partido”, mas que o dinheiro foi repassado sem que “gerasse qualquer tipo de compromisso”. Antonio Anastasia afirmou, por meio de assessoria, que desconhece totalmente o motivo pelo qual teve seu nome envolvido. “Em toda sua trajetória, ele nunca tratou de qualquer assunto ilícito com ninguém”, informa a nota.