O globo, n. 31195, 03/01/2019. País, p. 7

 

Moro defende mais facilidade para confissão de criminosos

Bela Megale

Jailton de Carvalho

03/01/2019

 

 

Não há um marco legal claro para isso; ministro também defende regra que permita operações policiais disfarçadas

O ex-juiz Sergio Moro, que assumiu ontem o comando do Ministério da Justiça, pretende enviar ao Congresso projeto para permitir a policiais realizar operações disfarçados e também para possibilitar que o Ministério Público negocie acordos de delação firmando benefícios relacionados à pena, o chamado “plea bargain”. Hoje a lei prevê o instituto da delação premiada, mas não há um marco legal claro de como os benefícios devem ser tratados. O objetivo é enfrentar pontos da legislação que dificultam o combate à corrupção e ao crime organizado.

—O brasileiro tem o direito de viver sem a sensação que está sendo roubado e enganado pelos seus representantes nas mais diferentes esferas de poder — disse Moro, que foi o responsável pela Lava-Jato em Curitiba.

Na transmissão de cargo, Moro reiterou medidas que pretende aprovar junto ao Congresso, anunciadas por ele na transição de governo. Entre elas estão a restrição da progressão de pena para integrantes de organizações criminosas e garantir na legislação a prisão após condenação em segunda instância. Quando falou sobre o tema destacou que “processo sem fim é justiça nenhuma”.

— Não se combate a corrupção somente com investigação e condenações criminais eficazes. Elas não são suficientes. São necessárias políticas mais eficazes.

O ministro não fixou uma meta, mas deixou claro que todos os esforços do ministério serão direcionados para reduzir as taxas de homicídios no Brasil.

Cooperação

Sem mencionar diretamente o italiano Cesare Battisti, que está foragido desde que o ex-presidente Michel Temer determinou sua extradição, Moro disse ainda que pretende aprofundar os trabalhos do Departamento de Cooperação de Ativos da Justiça com órgãos internacionais “para que o refúgio de criminosos no exterior seja cada vez mais arriscado”.

— O Brasil não será porto seguro para criminoso — destacou Moro.

Ao inciar seu discurso, Moro deu uma breve explicação por ter abandonado uma “confortável” carreira de juiz para assumir a pasta da Justiça.

— Um juiz de Curitiba pouco pode fazer sobre essas leis federais, mas num governo federal a história pode ser diferente.

O ex-juiz disse também que um dos compromissos imediatos que assumiu com o novo diretor-geral da Polícia federal Maurício Valeixo é fortalecer as diversas forças-tarefas encarregadas de investigar corrupção tanto na primeira instância quanto nas Cortes superiores de Brasília.

— Nos Estados Unidos, as famílias mafiosas, outrora superpoderosas, foram desmanteladas pelo FBI e pelo Departamento de Justiça a partir da década de 80. Na Itália, a aura de invencibilidade da Costa Nostra siciliana foi quebrada graças aos esforços conjuntos da polícia, do Ministério Público e de magistrados, entre eles os juízes heróis Giovanni Falcone e Paolo Borsellino —disse ele.

Em relação ao crime organizado e à dominação dos presídios por facções, Moro listou três pontos como “remédio universal”:

— Prisão dos membros, isolamento carcerário das lideranças, identificação da estrutura e confisco de seus bens.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Nos EUA, acordo equivale a sentença judicial

Henrique Gomes Batista

03/01/2019

 

 

A Justiça penal negociada, ou “plea bargain”, é hoje o principal instrumento da Justiça criminal dos Estados Unidos. Esse sistema permite que, quando um réu ou investigado se declare culpado, o acordo equivalha a uma sentença judicial. E, quanto mais cedo o acordo sair, mais benefícios podem ser concedidos, incluindo a supressão da pena de prisão.

No “plea bargain”, o Ministério Público tem uma liberdade muito grande de atuação. O mecanismo acaba auxiliando nas investigações de outros crimes e acusados, e parte do pressuposto que a cadeia não é a única solução para os criminosos.

O juiz Peter Messitte, coordenador do Programa de Estudos Brasil-EUA da Faculdade de Direito da American University, na capital americana, afirmou, em dezembro de 2017, ao participar de seminário na Fundação Fernando Henrique Cardoso, que 95% dos processos criminais americanas terminam com acordo. Em sua opinião, se todos os casos fossem levados até o fim, o Judiciário americano não teria capacidade para encerrar os processos, e nem mesmo os presídios seriam suficientes para os condenados.

Nos EUA, o mecanismo funciona também porque, em geral, as penas são muito mais altas que no Brasil e há menos chances de recursos.

—O “plea bargain” é muito mais abrangente e flexível que a delação premiada —explica o advogado brasileiro Daniel Cerqueira, que atua na americana Fundação para o Devido processo legal (DPFL, na sigla em inglês). — Este tipo de instrumento é fundamental para sistemas judiciais e carcerários falidos, como o Brasil, onde um processo se arrasta por anos, muitas vezes até prescreve.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Presidente do Coaf diz que agirá com independência

03/01/2019

 

 

O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), Roberto Leonel de Oliveira, afirmou ontem que a instituição terá toda a autonomia para fazer investigações, sem amarras de ordem política. Oliveira falou sobre o assunto momentos depois de responder perguntas sobre o caso de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

—Você viu o discurso do senhor Sergio Moro? Agiremos com independência e dentro de toda uma ótica técnica, como o Coaf sempre agiu até hoje — afirmou Oliveira, momentos depois de ser empossado no cargo pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.

Em discurso na solenidade de transmissão de cargo, Moro disse que Coaf e Polícia Federal terão, durante a gestão dele, toda liberdade para tocar investigações, conforme determina alei.

O novo presidente do Coaf não quis detalhar o caso Queiroz, mas disse que provavelmente todas as informações disponíveis no conselho foram remetidas ao Ministério Público (MP).

Relatório do Coaf informa que o ex-assessor movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, o que foi considerado atípico. Queiroz faltou aos depoimentos marcados no MP alegando problemas de saúde.