O globo, n. 31194, 02/01/2019. País, p. 17

 

Doria faz discurso 'nacional' e critica tucanos

Silvia Amorim

02/01/2019

 

 

Afirmando não querer ‘fulanizar nem acusar ninguém’, governador de São Paulo assume prometendo uma administração diferente das realizadas pelos companheiros de partido à frente do Palácio dos Bandeirantes; lideranças do PSDB não foram à posse

Em busca de construir uma marca própria, o governador de São Paulo , João Doria, tomou posse do cargo ontem prometendo fazer uma gestão que seja exemplo para o Brasil, ao mesmo tempo em que não poupou seu próprio partido, o PSDB, de críticas na condução do estado. Os tucanos estão à frente do Palácio dos Bandeirantes há 24 anos, desde Mário Covas, passando por José Serra e Geraldo Alckmin, que deixou o posto no ano passado para disputar a eleição presidencial. Numa das falas mais contundentes, Doria disse que o jeito de governar São Paulo vai mudar.

— Não esperem aquilo que já foi feito no Palácio (dos Bandeirantes, sede do governo). Não quero fulanizar nem acusar ninguém, mas vai mudar. A partir de agora transparência, eficiência, inovação e trabalho representam o norte deste governo. O povo de São Paulo tem pressa, e o Brasil também — afirmou Doria em discurso durante a transmissão de cargo, já na sede do governo, após uma rápida cerimônia em que assinou o termo de posse na Assembleia Legislativa.

Nenhuma das principais lideranças do partido em São Paulo compareceu à posse de Doria, como os ex-governadores Geraldo Alckmin e José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que assumiu o posto depois que Doria decidiu concorrer à eleição estadual, também não foi.

O novo governador acrescentou que haverá ainda mudanças no próprio partido.

—Nada de apego ao passado. O passado é para ser respeitado, mas hoje o que vale é o presente. O PSDB vai ser exemplo disso porque vai mudar, e vai mudar para se sintonizar com a realidade da população. Se puder fazer em São Paulo, poderá fazer pelo Brasil — disse ele, deixando no ar futuras pretensões políticas.

Doria é apontado como candidato natural à Presidência da República em 2022.

Na Assembleia Legislativa, em seu primeiro discurso, Doria, que tem como vice-governador Rodrigo Garcia (DEM), defendeu um governo de “novas atitudes” e sem medo de “cara feia” de opositores.

— Prometo cumprir e fazer cumprir a Constituição federal e a do estado e observar as leis —disse o novo governador, que assumiu o posto no lugar de Márcio França, derrotado no segundo turno com 10,2 milhões de votos, apenas 700 mil a menos que ele.

Eleito com a bandeira da renovação política, Doria reafirmou o compromisso. Disse que governará para o povo com a ajuda dos políticos e partidos, e não o contrário.

— O recado das urnas foi muito claro. Não há mais espaço para governos de políticos ou partidos. Devemos fazer o governo que a população deseja com os políticos e partidos —disse.

'Vamos pensar grande'

Outra ausência notada na festa foi a do ex-ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Gilberto Kassab. Réu na Lava-Jato e alvo de uma operação da Polícia Federal no mês passado, ele foi indicado por Doria para ser o secretário da Casa Civil, mas não tomou posse com os demais colegas de secretariado para evitar constrangimentos ao governador eleito.

Kassab assinará seu termo de posse reservadamente e se licenciará do cargo em seguida por tempo indeterminado. Ele alega que precisa se dedicar a fazer a própria defesa na Lava-Jato.

Aliados dizem que o distanciamento de Kassab do governo neste início de gestão tenta reduzir o desgaste da imagem de Doria por ter um investigado entre seus auxiliares.

O novo governador afirmou ainda que seu lema será “menos governo, estatal e privilégios e mais segurança, saúde, educação, oportunidade e emprego”:

—Vamos pensar São Paulo grande. Chega de pensar pequeno. Por isso faremos governo forte, empreendedor, moderno. O caminho é diminuir o papel do estado para cuidar do que é essencial.

Doria se emocionou no discurso ao relembrar a trajetória do pai e da mãe e agradecer à família pela conquista de mais um cargo na política.

Frase

“O PSDB vai ser exemplo disso porque vai mudar, e vai mudar para se sintonizar com a realidade da população. Se puder fazer em São Paulo, poderá fazer pelo Brasil”

João Doria, governador de São Paulo

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Governo pode ser trampolim para Presidência

Letícia Sander

02/01/2019

 

 

O discurso do novo na política não colou durante a campanha de 2018, mas foi com esse figurino que João Doria (PSDB) tomou posse como governador de São Paulo.

No Palácio dos Bandeirantes, Doria demonstrou reiteradas vezes o desprezo pela forma tradicional de fazer política. Ironizou os “cafezinhos”, o tradicional beija-mão de políticos, disse que não fará um governo ideológico e afirmou que ninguém deve esperar “o que já foi feito aqui neste palácio”.

Doria, no discurso, escancarou que pretende fazer da administração estadual um laboratório para seu projeto futuro, a disputa pela Presidência da República. Ele disse que o Estado deve ser um exemplo para o país e que, “se São Paulo cresce, o Brasil cresce”.

O governador eleito prometeu uma administração sem amarras ideológicas, com menos burocracia, e deixou claro que está alinhado ao presidente Jair Bolsonaro.

Vale lembrar que o discurso é semelhante ao que ele fez quando assumiu a prefeitura de São Paulo, e o saldo de sua administração municipal é desolador. Quando deixou o cargo para disputar o governo apenas um ano e três meses após ser eleito, 47% dos paulistanos consideravam sua administração ruim ou péssima.