Correio braziliense, n. 20330, 18/01/2019. Mundo, p. 12

 

Brasil toma frente

Jorge Vasconcellos

18/01/2019

 

 

VENEZUELA » Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo recebem dirigentes da oposição e de governos da região, inclusive dos EUA, e assumem a liderança das articulações para afastar do poder Nicolás Maduro, acusado de chefiar um "mecanismo de crime organizado"

O governo brasileiro assumiu o protagonismo na articulação regional para isolar e tirar do poder o presidente Nicolás Maduro e restabelecer a democracia na Venezuela. Após o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo se reunirem em Brasília com opositores do chavismo e representantes do governo dos Estados Unidos, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Grupo de Lima, o Itamaraty divulgou nota (leia a íntegra) em que destaca o “papel-chave” do Brasil na “mudança do cenário venezuelano”. O comunicado classifica o “sistema chefiado por Maduro” como “um mecanismo de crime organizado”, baseado “na corrupção generalizada, no narcotráfico, no tráfico de pessoas, na lavagem de dinheiro e no terrorismo”.

Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto Miguel Ángel Martín, presidente do Tribunal Supremo de Justiça venezuelano no exílio, e Gustavo Cinosi, representante da OEA. Ambos estavam entre as 25 pessoas que se reuniram com Araújo no Itamaraty. Em vídeo divulgado pela Presidência da República, Bolsonaro se dirigiu ao povo da Venezuela, responsabilizou os governos petistas pela chegada de Maduro ao poder e reforçou seu compromisso com a derrota do chavismo.

“Sabemos como esse desgoverno chegou ao poder, inclusive, com a ajuda de presidentes que o Brasil já teve, com Lula e Dilma, e isso nos torna responsáveis pela situação em que vocês se encontram, em parte”, disse o presidente. “Tudo nós faremos para que a democracia seja restabelecida, que vocês possam viver em liberdade”, acrescentou, antes de pedir aos venezuelanos “resistência e fé”.

Na saída da “maratona de reuniões”, iniciada de manhã, o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, que vive exilado na Espanha, afirmou que os participantes chegaram a consenso sobre o reconhecimento do presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela. Também destacou a rejeição de qualquer diálogo com o governo chavista e de qualquer eleição sob “o sistema fraudulento”. De acordo com Ledeszma, a oposição venezuelana voltou a pedir sanções econômicas contra o regime de Caracas.

A reunião no Itamaraty se estendeu por seis horas. Além de Ledezma, do presidente do TSJ venezuelano e do representante da OEA, participaram Julio Borges, ex-presidente da Assembleia, Carlos Vecchio, dirigente do partido opositor Vontade Popular (VP), representantes dos países que integram o Grupo de Lima e dos EUA.

 

Ofensiva

A ofensiva contra Maduro se intensifica desde que a OEA e grande parte da comunidade internacional se negaram a reconhecer a legitimidade de seu segundo mandato presidencial, inaugurado no último dia 10. A Assembleia Nacional, controlada pela oposição, acusou o chavista de usurpar o poder e declarou ter assumido as funções governamentais. Na última quarta-feira, a Venezuela foi um dos temas centrais de Bolsonaro ao receber, em Brasília, o presidente da Argentina, Mauricio Macri.

“Do ponto de vista de uma ameaça à permanência de Maduro no poder, este realmente é o momento mais delicado”, disse ao Correio o professor Alcides Costa Vaz, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Irel/UnB).

“O que vemos agora é a construção de um processo com a expectativa de se chegar ao poder. Nunca isso foi colocado de forma tão clara. Anteriormente, víamos a oposição venezuelana dividida, mas agora há uma forte polarização, com atores claramente definidos”, disse o docente, em uma referência à queda de braço entre Maduro e Guaidó. Vaz também alertou para o risco de a manifestação do dia 23, convocada pelo presidente da Assembleia Nacional, tornar-se palco de violentos confrontos que poderão resultar “no início de uma guerra civil”. Colaborou Gabriela Vinhal

 

Frase

"Do ponto de vista de uma ameaça à permanência de Maduro no poder, este realmente é o momento mais delicado”

Alcides Costa Vaz, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB

 

Íntegra da nota do Itamaraty

O Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo realizou hoje reunião com as principais forças políticas democráticas venezuelanas. O encontro incluiu sessão que contou também com a presença de representantes de países do Grupo de Lima e dos EUA.

O Ministro reuniu-se separadamente com o Presidente do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela e outros Magistrados do mesmo Tribunal, bem como com representante do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A reunião teve por objetivo analisar a situação na Venezuela decorrente da ilegitimidade do exercício da presidência por Nicolás Maduro e da manifestação do Presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, de sua disposição de assumir a Presidência da Venezuela interinamente, seguindo a Constituição venezuelana. Teve igualmente por objetivo discutir ideias de ação concreta para restabelecer a democracia na Venezuela.

O papel-chave do Brasil, sob a liderança do Presidente Bolsonaro, na mudança do cenário venezuelano, onde pela primeira vez em muitos anos ressurge a esperança da democracia, foi reconhecido por todos os líderes venezuelanos.

De acordo com as lideranças venezuelanas, hoje na Venezuela 300.000 pessoas correm o risco de morrer de fome. Mais de 11.000 recém-nascidos perdem a vida anualmente por falta de atendimento primário pós-natal. O déficit de medicamentos é de 85%. Os líderes venezuelanos enfatizaram que se trata de um genocídio silencioso, perpetrado pela ditadura de Maduro contra seu próprio povo.

O sistema chefiado por Nicolás Maduro constitui um mecanismo de crime organizado. Está baseado na corrupção generalizada, no narcotráfico, no tráfico de pessoas, na lavagem de dinheiro e no terrorismo.

O Brasil tudo fará para ajudar o povo venezuelano a voltar a viver em liberdade e a superar a catástrofe humanitária que hoje atravessa.