O globo, n. 31193, 01/01/2019. Economia, p. 23

 

Entrevista - Carlos Melo: 'Pode haver reversão nas expectativas'

Carlos Melo

Cássia Almeida

01/01/2019

 

 

Carlos Melo, cientista político do Insper, não vê um nome forte na articulação do novo governo para negociar com o Congresso Nacional, a fim de aprovar as reformas.

O novo governo vai conseguir aprovar as reformas necessárias no Congresso?

A área econômica tem clareza da necessidade das reformas, mas a política, nem tanto, a ponto de já ter falado em fatiar a reforma da Previdência. Acha que o governo é popular e consegue maioria, mas não é bem assim. O time político é inexperiente, é um time fraco. Onyx Lorenzoni não é um Eliseu Padilha, um José Dirceu, operadores no Congresso que sentavam e resolviam.

Basta um bom negociador?

Não. O governo precisa estar alinhado com a mesa diretora da Câmara e do Senado, que têm o controle do Congresso. E nada disso está garantido, há uma grande incerteza. O governo precisa ter um operador que consiga persuadir a maioria. Vimos no governo Dilma como pode ser ruim ter a mesa do Congresso como rival e vimos com Fernando Henrique Cardoso como é positivo ter aliados.

Governar contando com bases temáticas, como a ruralista e evangélica, vai funcionar?

Estão tentando reinventar a roda. Quem define as pessoas para as comissões e toda a discussão são os líderes dos partidos. As bancadas da bala, evangélica e ruralista fecham em questões específicas. Quem fecha as votações são os partidos, não as bancadas. É uma tentativa que, a meu ver, tem pouca possibilidade de dar certo.

Quais seriam efeitos para a economia?

Se o governo não mostrar força no Congresso, pode haver reversão forte nas expectativas, que estão positivas hoje com o novo governo. Isso pode frear investimentos, tirar valor do Brasil. Vai ser muito ruim para economia, um desastre. A futura equipe econômica tem clareza dos desafios da economia, mas os representantes políticos estão dando sinais dúbios. E, se não houver uma unidade, o governo vai ter mais dificuldade.

Há risco de a bancada evangélica só apoiar a reforma da Previdência se for aprovada a Escola sem Partido?

Não é um risco. Isso vai acontecer. É do jogo político, de trocas, de interesse. E pode ser até positivo, já que as atenções da sociedade estarão voltadas para escola sem partido, enquanto a reforma da Previdência vai avançando nas comissões sem alarde. É um governo que nunca foi testado. Dizer que será uma grande surpresa positiva seria muito arriscado, assim como dizer que será um fracasso.

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Atrelado à política

Cássia Almeida

Daiane Costa

01/01/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Crescimento dependerá das negociações

A política vai ditar o ritmo da economia este ano, dizem analistas de bancos e de instituições. Como o equilíbrio fiscal —a meta estabelecida é de um rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas — depende principalmente da reforma da Previdência, a força política do novo governo vai determinar o humor dos agentes. Na média, espera-se alta de 2,55% este ano, mais que o dobro de 2018, quando devemos ter crescido pouco acima de 1%.

—O crescimento deste ano está atrelado à questão doméstica. Se o novo governo não conseguir fazer a reforma da Previdência necessária, voltamos para o buraco. Se conseguir uma reforma mais profunda, podemos crescer 3% sem muita dificuldade —diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que prevê expansão de 2,2% do PIB.

Os analistas também condicionam o crescimento à mudança da regra atual de reajuste do salário mínimo, que estabelece inflação do ano anterior mais a alta do PIB de dois anos antes. Sem a reforma e contenção das altas do salário mínimo, a atividade deve seguir crescendo na casa do 1%, dizem economistas. A regra atual só vale até este ano. Apesar da previsibilidade que a regra permitiu, a principal preocupação de economistas é o peso do mínimo nas contas públicas, já que ele é o piso dos benefícios previdenciários.

— Essa regra tem um impacto fiscal forte, porque agrava o déficit da Previdência. Mas a mudança tem custo político muito alto, pois reduziria o reajuste real do salário mínimo. Será desafiador para o novo governo — diz Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria.

Segundo o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otávio Leal, o “Brasil está sempre no Dia da Marmota”:

—As dúvidas que temos em relação a 2019 são as mesmas que tínhamos para 2018. De novo o crescimento previsto, entre 2,5% e 3%, está condicionado a questões políticas. Temos todas as condições de crescer mais de 3%: os juros mais baixos da História, inflação sob controle e contas externas totalmente equacionadas, mas precisamos resolver a questão fiscal primeiro.

Consumo maior

Para Leal, o novo governo tem uma “leitura correta do problema e da solução”. Resta saber se conseguirá implementá-la:

— Não há dúvidas sobre a competência da equipe econômica, mas ela depende da capacidade de articulação de Bolsonaro no Congresso, e isso é uma incógnita.

Vale, da MB Associados, tem dúvidas sobre o modelo de superministério da Economia:

— Paulo Guedes vai ficar assinando papel o dia inteiro, são muitas funções centralizadas nele. Pode atrasar mais do que ajudar. É uma ilusão que isso vai ajudar.

Os motores do PIB em 2019, dizem analistas, serão o consumo das famílias e os investimentos, seguidos pela agricultura, com previsão de safra recorde de grãos, e a indústria.

— Todo mundo está com o dedo no gatilho. Ao menor sinal de melhora, os investimentos vão acelerar. Não precisa necessariamente ser a aprovação da reforma, mas a indicação de que isso será possível, com proposta e estratégia boas —diz Leal.

Luciano Sobral, economista do Santander, observa que a melhora nas condições financeiras do país, com juros mais baixos, Bolsa em alta e câmbio mais valorizado, deve se manter em 2019, ajudando a impulsionar o crescimento:

—Não tem como ter melhora ampla se não for via consumo, que corresponde a quase 70% do PIB. Isso deve ocorrer porque o mercado de trabalho está melhorando, e os bancos vão continuar ampliando as carteiras de crédito. As taxas de juros estão caindo, e os bancos privados estão com grande apetite para emprestar.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre, da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que é uma “otimista cautelosa”. Prevê alta do PIB de 2,4%. Sua preocupação também está na política:

— A viabilidade política das reformas não está clara. Se fosse pelo presidencialismo de coalizão, a reforma teria condições de ser aprovada. Mas, nesse modelo que o novo governo quer implantar, de negociar com as bancadas, não sabemos como vai ser.

Silvia afirma que uma reforma que vai cortar benefícios já é difícil de aprovar, ainda mais se pautas de costumes, como o projeto Escola sem Partido, forem a moeda de troca das bancadas temáticas para aprovar a reforma da Previdência:

—Há risco de mobilização da sociedade, greves, o que pode paralisar o Congresso.

Ela espera que a inflação fique perto de 4%, dentro da meta de 4,25% fixada para este ano, mas com juros mais altos, perto de 8%. A taxa de desemprego vai recuar, mas continuará em dois dígitos:

— Deve ficar em 11,9%, na média, com o número de ocupados subindo 1,6%.

Segundo o professor da PUC Luiz Roberto Cunha, os preços dos serviços devem subir mais, com ganho de margem de lucro, depois de quatro anos em que, com a crise, ficaram comportados.

—Mas é uma subida de preços positiva. Pode haver aumento de investimento.

Decepção em 2018

Em 2018, um cenário externo adverso para países emergentes, como o Brasil, a greve dos caminhoneiros que parou o país por cerca de dez dias e um processo eleitoral turbulento minaram a confiança e frearam o crescimento do PIB. A economia pode crescer até menos da metade (entre 1,1% e 1,5%) do esperado no início do ano. Segundo Sobral, do Santander, a greve dos caminhoneiros freou a atividade. Em vez do 1,3% de expansão estimado pelo banco, poderia ter ficado em 2,3%. No início de 2018, a previsão dele era de 3,2%.

— A incerteza eleitoral foi muito além do que tínhamos estimado, e a greve dos caminhoneiros teve efeitos mais permanentes. Impactou negativamente alguns segmentos produtivos, além da confiança. Isso acabou resultando nessa grande frustração—explica Alessandra, da Tendências, que espera expansão de 2% este ano, puxada por consumo dos famílias e investimentos, que devem crescer 2,5% e 5,5%, respectivamente.

No cenário externo, as economias emergentes enfrentarão mais dificuldades, com alta de juros e desaceleração dos Estados Unidos, o que deixa menos recursos para investimentos em países como o Brasil. A crise na Argentina, que saiu de uma expectativa de alta de 2,5% do PIB para uma recessão que deve ficar nessa mesma proporção, pode ser agravada pelas eleições presidenciais, no fim de outubro. Ruim para o Brasil, já que o país vizinho é um dos seus principais parceiros, lembra Sobral, do Santander.