Correio braziliense, n. 20328, 16/01/2019. Mundo, p. 12
O Brexit sem rumo
16/01/2019
UNIÃO EUROPEIA » Parlamento britânico impõe derrota histórica à premiê Theresa May e rejeita o acordo sobre a saída do país do bloco. Oposição trabalhista leva hoje a debate uma moção de censura para derrubar o governo
O futuro do Reino Unido está envolto em grandes incertezas após a Câmara dos Comuns rejeitar o acordo do Brexit por uma diferença de 230 votos, na maior derrota parlamentar de um governo britânico em 100 anos. O documento de 585 páginas, que previa a separação gradual entre o país e a União Europeia (UE), a partir de 29 de março, fruto de 17 meses de duras negociações com Bruxelas, recebeu 432 votos contrários e 202 a favor. O resultado serviu de argumento para o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, apresentar uma moção de desconfiança (que deve ser votada hoje) contra a primeira-ministra Theresa May. Em dezembro, ela sobreviveu a outra votação do gênero, no âmbito do seu partido, o conservador. A expectativa, agora, gira em torno dos próximos passos do governo, que tem prazo de três dias para decidir se deixará a UE, mesmo sem acordo, ou se convocará novo referendo sobre o Brexit.
“Esse resultado não diz nada sobre o que defendem os que são contra o acordo”, disse May, logo depois da votação. “Nem sobre como honrar o resultado do referendo, nem se ele será honrado. O povo britânico merece clareza sobre isso, o quanto antes”, acrescentou a chefe do governo. Comparada na época em que assumiu o posto à lendária líder conservadora Margaret Thatcher, que governou o país no anos 1980 e cultivou o título de “dama de ferro”, May vê seu prestígio político substancialmente reduzido.
A rejeição ao acordo uniu os deputados contrários ao divórcio aos defensores de uma separação mais radical. No Partido Conservador, 196 parlamentares votaram a favor do acordo e 118 se pronunciaram contra. Essa mesma composição foi repetida entre a multidão que se concentrou em frente ao Palácio de Westminster, sede do Legislativo britânico, para pressionar os deputados.
Na véspera da votação, em uma última tentativa de afastar a derrota, May apresentou uma carta na qual a cúpula da UE garantia ser contra a aplicação do ponto mais conflituoso do acordo, o chamado “backstop”, destinado a evitar uma fronteira dura entre Irlanda do Norte, território britânico, e a República da Irlanda, que segue pertencendo ao bloco. No discurso aos deputados, a premiê admitiu que o acordo “não é perfeito”, mas pediu aos legisladores que “voltasseem a examinar” o texto.
A perspectiva de uma derrota irreversível do governo se desenhou com o anúncio de um pequeno partido norte-irlandês, aliado-chave do qual depende a maioria parlamentar de May, de que rejeitaria o projeto, por considerar insuficientes as garantias oferecidas por Bruxelas sobre o “backstop”.
Assim que foi proclamado o resultado da votação, o Partido Trabalhista, principal força da oposição, apresentou uma moção de desconfiança contra o governo, que deve ser debatida hoje. Se for aprovada, ela abrirá um prazo de duas semanas para que as diversas bancadas tentem compor um governo de maioria. Caso contrário, o caminho deve ser a convocação de eleições legislativas antecipadas. Para prosperar, no entanto, a moção terá de contar com o voto de uma parte dos deputados rebeldes do Partido Conservador — o que não era dado ontem como certo, uma vez que isso significaria para a legenda a saída do poder.
Também não é dada por certa a vitória dos trabalhistas em uma eleição antecipada, apesar do desgaste de May. Caso saia das urnas como vencedor, o líder do partido, Jeremy Corbyn, tentará negociar com a UE um novo acordo sobre o Brexit.
Se sobreviver à moção de desconfiança, May, como já afirmou, apresentará um “plano B” ao parlamento na segunda-feira. Entre os cenários especulados nas últimas semanas está a possibilidade de os legisladores votarem várias opções, de maneira consultiva, antes de tentarem uma solução consensual.
O país também poderia negociar com a UE um acordo semelhante ao que garante atualmente à Noruega o acesso ao mercado único, sem ser membro da união aduaneira. Os líderes do bloco já afirmaram, porém, que o acordo fechado com May não pode ser modificado.
432
Total de votos contrários ao acordo fechado pela primeira-ministra com a UE. O texto teve 202 votos a favor
Frase
“Esse resultado não diz nada sobre o que defendem os que são contra o acordo. Nem sobre como honrar o resultado do referendo, nem se ele será honrado"
Theresa May, chefe de governo do Reino Unido