O globo, n. 31251, 28/02/2019. Economia, p. 19
Aposentadoria de servidor
Geralda Doca
28/02/2019
Reforma limita incorporação de gratificações
A reforma da Previdência do presidente Jair Bolsonaro limita a incorporação de ganhos adicionais de servidores (como a gratificação em cargo de confiança) a aposentadorias e pensões. A medida atinge o funcionalismo, sobretudo em estados e municípios. Os mais afetados são servidores que ingressaram no sistema até 2003. De acordo com as regras atuais, estes funcionários públicos têm direito ase aposentar como último salário da carreira. Coma mudança, levariam o salário, mas haveria restrição nova lordas gratificações. O texto da reforma, encaminhado ao Congresso na semana passada, também mexe na fórmula de cálculo do valor do benefício para impedir iniciativas que tentam turbinar o período de contribuição em busca de uma aposentadoria de maior valor.
Segundo o secretário adjunto de Previdência, Narlon Gutierre Nogueira, a mudança terá forte impacto nas contas estaduais, além de trazer justiça contributiva. O governo federal não tem projeções de economia porque as regras são variadas entre os estados.
—A medida vai permitir que as pessoas só levem para o benefício as contribuições que fizeram de fato ao longo da vida —destacou o secretário.
Entre os grupos atingidos pelas mudanças estão professores e profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros e dentistas, que têm carga horária variada (jornada de 20 horas por semana, caso de professores, e plantões de quatro e seis horas, de médicos). Há casos de servidores que, perto da aposentadoria, aumentam o expediente só para engordar ova lordo benefício. Coma reforma, no entanto, o cálculo será feito com base na média da carga horária nos últimos dez anos anteriores à concessão do benefício. Hoje, as regras variam entre os entes federados, mas o mais comum é permitir incorporação da jornada nos últimos cinco anos. Há situações em que o período considerado é de apenas 12 meses.
Outro grupo afetado são os servidores que têm um salário fixo e uma remuneração variável, de acordo com metas de produtividade, como fiscais e auditores, por exemplo. Os ganhos adicionais decorrentes desse tipo de gratificação somente poderão ser computados no cálculo do benefício, considerando a média do indicador de desempenho nos últimos dez anos. Ou seja, se o funcionário passou a receber o benefício nos últimos cinco anos antes da aposentadoria, por exemplo, ele não será integralmente computado.
Aplicação automática
Um terceiro grupo atingido são os servidores que exercem cargo de confiança faltando pouco tempo para se aposentar e hoje incorporam estes ganhos adicionais ao valor do benefício. Isso não é permitido na União. Ma sé comum nos estados e municípios.
Só para ter ideia do impacto da medida, um servidor que tem salário de R$ 5 mil, por exemplo, e quenos últimos cinco anos de carreira recebeu um adicional de R$ 6 mil por exercer cargo de confiança, pode se aposentar hoje com o valor total recebido no fim da carreira, de R$ 11 mil por mês. Com a mudança, o benefício cairia para R$ 6 mil, segundo estimativas do governo.
A proposta prevê que a gratificação só pode ser incorporada à aposentadoria na proporção de 1/30 para cada ano do adicional recebido. Neste exemplo, como o servidor recebeu o adicional por 5 anos, o funcionário pode incorporar 5/30 multiplicados pelo valor da gratificação, de R$ 6 mil, o que daria R$ 1 mil por mês a mais na aposentadoria. Para incorporar integralmente o adicional, o funcionário precisa exercer o cargo comissionado por 30 anos.
De forma geral, todas as novas regras da reforma valerão para os servidores dos estados e dos municípios automaticamente. No caso de policiais militares e bombeiros estaduais, a proposta vai enquadrar essas categorias no regime das Forças Armadas, em projeto que o Executivo promete enviar ao Congresso até 20 de março. Ele vai permitir cobrança de contribuição de militares da reserva e de pensionistas, além de alunos em curso de formação (academia).
Além disso, a proposta obriga estados com regimes próprios deficitários a elevara alíquota de contribuição dos servidores de 11% par ao 14%, no mínimo —num prazo de 180 dias a contar da aprovação da proposta. As alterações nas alíquotas precisam ser aprovadas pelas assembleias estaduais e câmaras legislativas.
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Proposta cria trava para evitar alta de gastos da União e dos estados
Geralda Doca
Daiane Costa
Cássia Almeida
28/02/2019
Projeto inclui lei de responsabilidade previdenciária com plano para cobrir déficit
A proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso na semana passada cria travas para evitar o aumento de gastos na União e em estados e municípios. O texto prevê, por exemplo, a criação de uma lei de responsabilidade previdenciária, que será irmã da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ela vai obrigar à adoção de planos emergenciais para cobrir déficits dos regimes próprios de aposentadoria tanto dos servidores federais quanto dos governos regionais.
Combinada com outras regras previstas no texto, essa medida abre caminho para que aposentados que recebem benefícios acima do salário mínimo fiquem sem reajustes. Isso porque a reforma também retira da Constituição a obrigatoriedade de que o governo corrija esses proventos pela inflação. Hoje o reajuste é feito com base no INPC. A questão passará a ser definida por um projeto de lei, cuja aprovação é mais fácil no Congresso pois não requer quórum qualificado, de 308 votos.
A proposta de emenda à Constituição (PEC) também deixa claro que nenhum benefício poderá ser criado, estendido ou reajustado por decisão do Executivo, lei ou decisão judicial sem indicar de onde devem sair os recursos para cobrir o aumento de despesas.
Assim, quando a situação fiscal de um estado ou da própria União estiver desequilibrada, as novas regras darão respaldo ao governo para mudar a forma de correção ou mesmo não fazer nenhum reajuste nos benefícios.
Pela reforma, quem descumprir a lei de responsabilidade previdenciária não poderá receber o Certificado de Regularidade Previdenciária — necessário para obter transferências como convênios e acesso a crédito nos bancos públicos. A proposta deixa claro que a União tem poder para interferir nos estados e impedir que entes irregulares consigam obter o documento na Justiça.
Lei complementar
O governo retirou do texto da Constituição outros parâmetros de aposentadoria, como a fórmula de cálculo do valor do benefício e regras para a concessão como idade mínima e tempo de contribuição. Esses critérios poderão ser definidos em projetos de lei e atos administrativos.
O secretário adjunto de Previdência, Narlon Gutierre Nogueira, disse ao GLOBO que nenhum outro país prevê na sua Constituição critérios de reajuste de benefícios. Atualmente, uma portaria do Ministério da Economia, editada anualmente (em janeiro), atualiza os valores dos benefícios do INSS. Segundo o secretário, isso não vai mudar até que novas leis sejam aprovadas pelo Congresso.
Para a advogada especialista em Previdência Luciana Dias Prado, sócia do escritório Mattos Filho, faz sentido que os parâmetros sejam tratados em lei complementar:
— A proposta faz referência a revisões periódicas da idade conforme o aumento da expectativa de vida. Com lei complementar, o trâmite é mais fluido.
A nova lei de responsabilidade previdenciária também será criada por uma lei complementar. Ela vai estabelecer, por exemplo, quanto da receita disponível poderá ser gasto com pensões, fixar bases sobre a contribuição previdenciária dos servidores e regras para aplicação de recursos a fim de evitar desvios.
Para o advogado previdenciário Flavio Rodrigues, da Bocater Advogados, a mudança deve contribuir para reduzir o valor real de benefícios e diminuir o passivo previdenciário.
O secretário adjunto da Previdência destacou que anova lei vai ajudar os estados a cumprirem a LRF. A principal pressão nas contas estaduais vem dos gastos com aposentadorias e pensões.
— Ela será irmã ou prima da LRF —afirmou Nogueira.
Ele destacou que não há restrição automática ao reajuste de benefícios, mas admitiu que todos serão obrigados a adotar medidas adicionais para solucionar o rombo dos regimes próprios, como, por exemplo, criar alíquotas extraordinárias.
Para Poliana Guimarães Peixoto, advogada especializada em direito trabalhista do Peixoto & Cury Advogados, há risco de que alguns pontos, como retirar a correção pela inflação da Constituição, sejam questionados na Justiça.
Opinião do GLOBO
PACIFICADA A questão de que não fazia sentido apresentar uma reforma ampla e vital da Previdência sem incluir os militares, entra-se na discussão de como ela deverá ser, considerando-se as particularidades da função —sem hora extra, sem lugar fixo de residência durante algum tempo, sempre à disposição para o serviço etc.
MESMO ASSIM, deve-se refletir bem se faz sentido estender aos militares a integralidade (aposentadoria no mesmo valor do último soldo, o que poucos países praticam) e a paridade (aumentos iguais aos da ativa). Este foi um dos mecanismos, mantido para servidores que estavam no serviço público antes de 2003, que mais contribuíram para concentrar renda no funcionalismo aposentado.
ALÉM DISSO, cada militar da reserva já recebeu em 2017, diretamente do Tesouro, R$ 126 mil, a maior ajuda do Erário entre todas as profissões.