Correio braziliense, n. 20321, 09/01/2019. Política, p. 4

 

Brasil deixa Pacto Global de Migração

09/01/2019

 

 

País informa à ONU a saída do acordo que define formas de administrar os fluxos migratórios. Decisão preocupa a organização internacional

O governo brasileiro informou oficialmente à Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York e em Genebra, que o país está se retirando do Pacto Global de Migração, assinado em dezembro, pelo governo de Michel Temer.

A notícia foi recebida nas Nações Unidas com muita preocupação, diante do que o gesto poderia significar em termos da posição do Brasil em assuntos como migração, cooperação internacional e direitos humanos.

Negociado por quase dois anos, o Pacto era uma resposta internacional à crise que havia atingido diversos países por conta de um fluxo sem precedentes de migrantes e refugiados. O texto do acordo, porém, não suspendia a soberania de qualquer país nem exigia o recebimento de um certo volume de estrangeiros.

O anúncio do afastamento do novo governo foi antecipado, via Twitter, pelo chanceler Ernesto Araújo, no mesmo dia em que o Itamaraty aprovava o acordo, em uma reunião da ONU no Marrocos. “A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, disse Araújo, chamando o marco de “ferramenta inadequada para lidar com o problema”.

“O Brasil buscará um marco regulatório compatível com a realidade nacional e com o bem-estar de brasileiros e estrangeiros. No caso dos venezuelanos que fogem do regime Maduro, continuaremos a acolhê-los”, afirmou. O pacto foi aprovado por mais de 150 países na conferência intergovernamental da ONU, em Marrakesh.

Naquele momento, a ONU comentou a intenção brasileira. “É sempre lamentável quando um Estado se dissocia de um processo multilateral, em especial um (país) tão respeitável de especificidades nacionais”, declarou Joel Millman, porta-voz da Organização Internacional de Migrações, ao ser questionado sobre a informação relativa ao Brasil. Segundo ele, apesar da saída de alguns países, 164 governos assinaram o documento. “Esse é um quadro para cooperação”, alertou.

Para entidades, porém, a decisão do Brasil em se afastar do mecanismo terá um impacto para emigrantes nacionais espalhados pelo mundo. “Hoje, há muito mais brasileiros vivendo no exterior do que migrantes aqui no Brasil”, alertou Camila Asano, coordenadora de programas da ONG Conectas. “O Pacto Global de Migração consolida e reforça direitos das pessoas, inclusive os mais de 3 milhões de brasileiros vivendo fora, de não serem discriminadas por serem migrantes”, completou Asano.

Soberania garantida
Paal Nesse, do Conselho Norueguês de Refugiados, também lamenta a decisão de governos de deixar o esforço e indicou que não existem indicações de que o documento mine a soberania de um país. “O Pacto prevê um espaço suficiente para que cada governo possa ter sua política”, indicou o representante de uma das maiores entidades que lidam com refugiados e migrantes. “Não há nada que indique que a soberania seria abandonada ou perdida”, insistiu.

Para ele, a decisão de governos de se distanciar do Pacto “enfraquece o momento político e mina os esforços internacionais para ter a migração organizada de forma mais ordenada”. Como exemplo, cita os termos do documento que incentivam a cooperação regional. “Vimos na América do Sul, com a crise na Venezuela, como tal medida é necessária.”

Pela migração segura
A Assembleia Geral da ONU ratificou, em 19 de dezembro, o Pacto Global para a Migração. O documento foi validado com 152 votos a favor, cinco contra (Estados Unidos, Hungria, República Tcheca, Polônia e Israel) e 12 abstenções. O pacto, o primeiro em nível regional para administrar os fluxos migratórios, traça 23 objetivos para desestimular a migração ilegal, num momento em que o fluxo de migrantes aumentou para mais de 250 milhões no mundo. Várias polêmicas surgiram em torno do acordo em vários países da União Europeia, o que levou, por exemplo, ao colapso do governo de coalizão belga. Líderes populistas e de direita de vários países tomaram medidas draconianas para impedir a entrada de migrantes.

“O Pacto Global de Migração consolida e reforça direitos das pessoas, inclusive os mais de 3 milhões de brasileiros vivendo fora, de não serem discriminadas por serem migrantes”
Camila Asano, coordenadora de programas da ONG Conectas