Título: À espera da mãe de todas as batalhas
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Fonte: Correio Braziliense, 27/07/2012, Mundo, p. 16

Milicianos do Exército Sírio Livre combatem soldados do regime, durante cerco a delegacia no bairro de Shaar, em Aleppo: insurgentes obtiveram avanços importantes nas últimas horas e já controlam metade da cidade

Tropas do ditador Bashar Al-Assad enviam reforços a Aleppo e planejam megaofensiva para retomar a capital econômica. Estados Unidos temem massacre iminente. Rebelde do Exército Sírio Livre afirma ao Correio que está pronto para o martírio

Os milicianos da Brigada do Deus Único começaram a chegar a Aleppo no domingo, pelo sul e pelo leste. O sétimo grupo entrou na capital econômica da Síria e liberou o bairro de Bab Al-Hadeed, a apenas 2km da Praça Sa"ad Allah Al-Gaberi, no coração da cidade, situada 355km ao norte de Damasco. O avanço, considerado simbólico, contagiou de otimismo os 5 mil guerrilheiros do Exército Sírio Livre (ESL), que agora se preparam para aquela que é considerada "a mãe de todas as batalhas". No sexto dia consecutivo de combates com as forças do ditador Bashar Al-Assad, os rebeldes interceptaram um comboio militar perto de Idlib e iniciaram o armazenamento de medicamentos e de munição.

Em desvantagem, o regime mobilizou tanques e colunas de tropas, que viajavam ontem a Aleppo a partir de Hama e dos postos de fronteira com a Turquia. Segundo a agência de notícias France-Presse (AFP), um caminhão carregado com caixas marcadas com as inscrições em árabe "máscaras de gás" foi visto em uma base do ESL, também em Aleppo. Uma fonte dos serviços de segurança revelou que a "ofensiva geral" deve ocorrer entre hoje e amanhã. No entanto, os bairros de Salaheddine — um bastião dos insurgentes — e Al-Sukari foram alvos de constantes bombardeios de canhões e de rajadas de metralhadoras de helicópteros. Por sua vez, os insurgentes atacaram postos policiais, armados com fuzis Kalashnikov, metralhadoras, coquetéis Molotov e foguetes.

Morador da região norte da cidade, Baz (ele teme ser identificado), 22 anos, contou ao Correio que o clima é de tensão, mas também de confiança nos rebeldes. "O regime tem enviado muitos reforços e, na cidade velha, vários franco-atiradores shabiha já estão de prontidão", relatou o morador. "Estamos armazenando comida e água há algum tempo. O Exército Sírio Livre parece determinado. Seus integrantes ajudam os civis a limpar as ruas e distribuem pães em tempos de escassez", acrescentou. Baz crê que muitos cidadãos de Aleppo se alistarão ao ESL. "As pessoas estão fartas do modo com que Al-Assad vem lidando com o levante e a sua base de apoio tem diminuído", concluiu. Ele admitiu que a situação na cidade é "difícil". Falta combustível e pão, e quase todas as lojas estão fechadas.

O deslocamento de tropas e de tanques para o norte da Síria tem alarmado os Estados Unidos. "Esta é a preocupação: de que veremos um massacre em Aleppo e é para isso que o regime parece estar se alinhando", declarou Victoria Nuland, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano. No entanto, ela descartou fornecer armas para os rebeldes. "Não acreditamos que jogando lenha na fogueira salvaremos vidas", disse.

O estudante de medicina Abu Mohammad Al-Halaby admite que a batalha por Aleppo será decisiva. "As pessoas estão com medo de canhões usados pelo regime, de tempos em tempos, para bombardear a cidade, e muitas já saíram de suas casas. Os alimentos começam a escassear e a inexistência de gasolina impede o movimento de carros. Todos os dias, temos blecautes que duram várias horas", descreveu ao Correio, também pela internet.

Al-Halaby disse que estará pronto para ajudar no socorro aos feridos, tão logo a guerra se intensifique. "Todos tememos as armas químicas. Eu espero que a verdadeira batalha se inicie após a chegada de suprimentos militares, mas o ESL tem sofrido ataques aéreos e bombardeios com canhões de longo alcance. Os rebeldes precisam de uma zona de exclusão aérea." Os confrontos de ontem deixaram 120 mortos em várias partes da Síria.

Distúrbios na Tunísia

A polícia tunisiana entrou em confronto com manifestantes que atacaram a sede do governo na cidade de Sidi Bouzid (centro-oeste), considerado o berço da revolta na Tunísia — que desencadeou a chamada Primavera Árabe. Moradores da cidade, que protestavam por sua situação social, jogaram um pneu em chamas dentro de uma das sedes governamentais. Os agentes de segurança responderam com disparos de advertência e com bombas de gás lacrimogêneo. "Aqui está, de novo, a polícia de Ben Ali", gritavam os manifestantes, em referência ao presidente deposto Zine el Abidine Ben Ali,

entrevista HAMEED GHAZAL

Sem medo da morte

Aos 28 anos, Hameed Ghazal não teme a morte e sonha com o dia em que seu país será libertado "dos esquadrões da morte". Com a ajuda de um intérprete, o combatente do Exército Sírio Livre (ESL) — baseado em Aleppo — concedeu uma entrevista exclusiva ao Correio, por meio da internet. Membro do Batalhão Mártir Ismail Janaudi, ele ocupava a patente de sargento no Exército de Bashar Al-Assad, oito anos atrás. Hameed Ghazal prevê que o ditador sírio terá o mesmo fim do coronel líbio Muamar Kadafi, capturado e executado pelos rebeldes. Como você vê o avanço do Exército Sírio Livre em Aleppo? Nós tivemos um excelente progresso nos últimos seis dias. Conquistamos 50% do território de Aleppo, apesar de usarmos armas leves e bastante modestas. Nos últimos dias, matei dois soldados de Bashar Al-Assad.

O que o motiva a lutar contra as tropas de Al-Assad? O fim da opressão e a liberação da Síria dos esquadrões da morte. Também a vingança pelo sangue dos mártires.

Para alcançar essas metas, você estaria preparado para morrer? Nós não viemos a Aleppo senão para liberá-la, ainda que a morte seja o preço. Estamos prontos, InchAllah ("Se Deus quiser", em árabe). Corremos risco de morrer a todo momento. Mas estamos resolutos. Nós atuamos sob a bandeira do monoteísmo e temos regras claras, além de sanções para aqueles que fracassarem.

Por que você decidiu combater? Eu escolhi o Exército Sírio Livre para defender minha honra e minha família.

Quem é Al-Assad, na sua opinião, e o que o futuro reserva a ele? Um leão assassino de crianças, um sanguinário e estuprador de mulheres. Seu fim será como o de (Muamar) Kadafi (ditador líbio), em breve.

Que mensagem você diria ao mundo? O mundo inteiro desistiu da Síria. Nós teremos nossa liberdade com nosso sangue. (RC)

Quem assiste a talk shows e a novelas na tevê estatal síria, pode não entender a dimensão da crise que devasta o país. Foram necessárias uma ofensiva contra a cúpula de segurança do regime, em 18 de julho, e a escalada da violência em diversos bairros de Damasco — nos últimos 10 dias — para que a emissora finalmente passasse a mostrar parte dos acontecimentos. Mesmo assim, a cobertura do conflito que assola o país ainda é mínima. Mais de 16 meses após o início da revolta contra o regime de Bashar Al-Assad, a emissora ainda dedica quase toda a sua programação a assuntos levianos, como os benefícios de uma dieta vegetariana, o patrimônio cultural do país e sessões de exercícios físicos.

Somente após o ataque que matou quatro autoridades da cúpula do governo — incluindo o cunhado do presidente, Assef Shawkat —, o tom se tornou um pouco mais sombrio. Pela primeira vez, imagens de corpos ensanguentados de rebeldes foram ao ar, com outras de soldados orgulhosos por declarar que haviam "limpado" alguns bairros de Damasco dos "terroristas, a pedido dos moradores". O público é constantemente bombardeado pelas ideias de que o país enfrenta uma "conspiração", de que "a Síria não vai ceder" e de que "terroristas querem semear o caos".

O ufanismo cresceu nos últimos dias, com comerciais exibindo imagens de tropas se preparando para o combate em treinamento especial. Com grande parte do país em conflito, os espectadores sírios acordam com a imagem de um jovem que explica "como desenvolver seus bíceps e tríceps". O personal trainer aparece em uma sala decorada com um cartaz que diz, em inglês: "Aproveite a vida saudável". Em seguida, um talk show é transmitido e, mais tarde, programas que falam sobre "os benefícios do pão integral"; "a criação de avestruzes na Síria"; "uma exposição de antiguidades em Aleppo", no norte; ou "cozinhando no Ramadã".

Alguns dias antes de os conflitos atingirem a capital, uma reportagem em inglês anunciava a chegada do "verão em Damasco, tão charmoso graças às árvores de jacarandá". Quando os confrontos eclodiram no distrito de Midan, o canal enviou um correspondente à capital para que os espectadores se assegurassem de que "está tudo bem". Ele entrevistou, ao vivo, inúmeras pessoas assustadas em relação a uma situação descrita como calma", quando, de repente, explosões e tiros passaram a ser escutados.