O globo, n. 31249, 26/02/2019. País, p. 4

 

Cabral confessa

26/02/2019

 

 

Pela primeira vez, ex-governador admite propina e aponta ex-secretário como coordenador de esquema

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral admitiu, pela primeira vez, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), que recebeu propina de obras e contratos firmados com empresas fornecedoras do governo do estado.

Cabral apontou o seu chefe da Casa Civil, Régis Fichtner, preso pela Lava-Jato em fevereiro, como o coordenador dos esquemas de recebimento de propina. Aos procuradores, Cabral disse estar “aliviado” ao revelar o esquema.

Segundo a GloboNews, Cabral afirmou que Fichtner sempre teve conhecimento e participação nos valores recebidos de forma lícita e ilicitamente em suas campanhas eleitorais, desde 1998. O ex governador disseque o ex-secretário ajudou a“operacionalizar” o recebimento de caixadois na campanha de 2002.

O recebimento de propina começou, de acordo com Cabral, no início de seu governo, em 2007. Ele disse que estipulava a porcentagem que queria dos contrato seque Régis fazia os acordos com as empreiteiras e fornecedores.

“Tudo comandado pelo Régis. Eu dava na mão dele. Dizia: eu quero assim, faz assim, ele ia fazendo, coordenando e tirando os próprios proveitos dele. Eu tirava os meus proveitos dos meus combinados, eu quero x% da obra, 2%, 3% da obra, e o Régis fazia um acordo, se beneficiava também dessa caixa. E se beneficiava... que não me abria isso, tudo eu vinha a descobrir depois. Ele fazia contrato na cara de pau, tava ... para a Queiroz (Galvão), para a Odebrecht, para não sei o que, para não sei o que..”, disse, acrescentando que o esquema teria começando entre janeiro e março: “Se não foi janeiro, foi fevereiro, se não foi fevereiro, foi março, quando começou a rolar a propina paga por aqueles fornecedores”, disse o ex-governador.

Segundo Cabral, que trocou de advogado recentemente, ele pagava uma mensalidade para Fichtner com o dinheiro recebido da propina em seu governo, e que o valor dessa mensalidade no início era em torno de R$ 100 a R$ 150 mil. Cabral afirmou que o ex-secretário recebia propina não só em obras, como também nas concessões feitas pelo estado.

Serviços superfaturados

Cabral, que hoje vai prestar novo depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, contou que se recorda que Regis recebeu propina do setor de transportes e que, em alguns casos, eram prestados serviços advocatícios pelo escritório do ex-chefe da Casa Civil.

Os valores eram superfaturados para pagamento de propina. Ele afirmou ainda que o núcleo duro do grupo era formado por Fichtner, o ex-secretário de governo Wilson Carlos e o ex-governador Luiz Fernando Pezão.

O secretário da Casa Civil de Cabral foi preso no dia 15 de fevereiro deste ano, em mais uma fase da operação Lava-Jato no Rio. Esta é a segunda prisão de Fichtner, que entre 2007 e 2014 foi uma dos nomes mais importantes do quadro de secretários do ex-governador.

Em novembro de 2017, Fichtner e outras quatro pessoas foram detidas durante a Operação C’est Fini (“É o fim”, em francês). O advogado passou uma semana na cadeia e foi liberado graças a um habeas corpus do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Na época, foi denunciado pelo Ministério Público Federal acusado de receber mais de R$ 1,5 milhão em propina quando comandou a Casa Civil.

Nesta operação de fevereiro em que Fichtner foi preso, o M PF afirmou que foram mapeadosR $4,7 milhões em propinas destinadas ao ex-secretário que constam tanto em documentos da Trans ex pert— empresa de transporte de valores usada pela organização de Cabral, segundo o MPF, para entrega de dinheiro vivo — quanto no sistema de controle dos doleiros delatores Vinícius Claret, o Juca Bala, e Cláudio Barboza, o Tony.

O MPF aponta ainda, com base eme-mailsen ad elação de Carlos Miranda, operador de Cabral, uma sala que pertenceria a Fichtner e que foi paga com dinheiro de propina, segundo os procuradores.

Pedido da defesa

O advogado de Sérgio Cabral, Marcio Delambert, disse, em nota, que o depoimento do ex-governador se deu por pedido da defesa em um inquérito sigiloso, com o objetivo de melhor esclarecer fatos narrados em inúmeras ações penais.

Já o escritório de advocacia de Régis Fichtner negou as acusações feitas por Cabral. Segundo a nota, as declarações do ex-governador “só podem estar servindo ao propósito de obtenção de benefícios ilegítimos de alguém que já foi condenado em inúmeros processos”. A nota diz ainda que o sigilo bancário do escritório foi quebrado pela Justiça em 2017 e nenhum dos fatos relatados foi comprovado. Régis informou que só vai se manifestar quando tiver acesso ao depoimento do ex-governador.

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Delação unilateral em busca de uma pena menor

Chico Otavio

26/02/2019

 

 

O ex-governador Sérgio Cabral, ao admitir que usou dinheiro de propina para pagar Regis Fichtner, ex-chefe da Casa Civil, tenta fazer uma delação unilateral, depois de ver frustrada a iniciativa de fazer uma colaboração negociada com a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF).

Com a iniciativa, que alavanca a investigação contra outros integrantes da organização criminosa, Cabral espera ter as penas amenizadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal.

Estratégia parecida já foi usada por pelo menos outros dois réus da Lava-Jato no Rio: o empresário Fernando Cavendish e o exoperador de Cabral Luiz Carlos Bezerra. Ao confessar que pagava propina para as obras de reforma do Complexo do Maracanã (um total de pouco mais de R$ 2 milhões), Cavendish estabeleceu uma conexão entre a Operação Saqueador, deflagrada em junho de 2016, com a Operação Calicute, de novembro do mesmo ano, reforçando assim a tese de que os dois casos teriam de ser julgados pelo mesmo juiz, Marcelo Bretas.

Já Luiz Carlos Bezerra, ex-assessor de Cabral, confirmou que a empresa dele e da esposa, Cláudia Bezerra, lavou cerca de R$ 1,2 milhão do esquema criminoso comandado pelo ex-governador. A confissão também reforçou as acusações do MPF, permitindo a condenação de outros acusados, sem que o réu tivesse firmado um acordo de colaboração premiada.

Por mais que Cabral manifeste vontade de falar, informação que circula há alguns meses no noticiário, os procuradores da República na Lava-Jato tratam da possibilidade com um pé atrás. Um dos motivos é a avaliação de que, no topo da organização criminosa, o ex-governador teria pouco a acrescentar ao que já se conhece sobre o esquema. Outro motivo para a rejeição é a de que a punição de Cabral tem uma forte conotação simbólica, demonstrando que o crime não compensa.