O globo, n. 31249, 26/02/2019. País, p. 6
O ‘milagre’ dos 18 milhões de santinhos no PRB
Igor Mello
Juliana Castro
26/02/2019
Escolhidas pelo partido para disputar como deputadas estaduais e federais, dez candidatas se destacaram pelo grande volume de recursos em campanhas que tiveram de 161 a 3.158 votos
Em meio a investigações sobre possíveis candidaturas laranjas em pelo menos 13 estados, um levantamento do GLOBO mostra que dez candidatas do PRB — que tiveram entre 161 e 3.158 votos — foram alvo da generosidade do partido. Juntas, elas receberam mais de R$ 4,5 milhões em recursos dos diretórios estaduais e nacional da legenda.
Com os recursos, elas imprimiram pelo menos 18,6 milhões de santinhos e outros materiais de campanha. Em diversos casos, dirigentes locais do PRB foram beneficiados pelos impressos encomendados pelas candidatas. O mesmo padrão de repasses e gastos foi registrado em candidatas do PSL no Ceará e em Pernambuco, como O GLOBO mostrou na última sexta-feira .
É o caso de Kelly Brasil, que tentou se eleger deputada estadual em Goiás. A jornalista, que atuou como assessora de imprensa do partido no estado, recebeu apenas 348 votos, mas foi agraciada com mais de R$ 348 mil do PRB. Com o dinheiro, contratou R$ 214,6 mil em pessoal para a campanha — como cabos eleitorais e coordenadores de campanha. Além disso, adquiriu mais de R$ 3,1 milhões de santinhos, colinhas e adesivos. Quase todos em “dobrada” com o deputado federal João Campos (PRB-GO), que se reelegeu.
O vínculo com o parlamentar, que teve mais de 106 mil votos e é o presidente estadual do partido, vai além: Kelly pagou R$ 9,5 mil a título de assessoria jurídica para o mesmo advogado de Campos na campanha. João Campos afirmou que o profissional atua nas campanhas do PRB há muitos anos. Já sobre os santinhos, disse que a divulgação “foi feita, quase sempre, de forma conjunta com os candidatos que integraram a coligação”.
Kelly disse ao GLOBO que era apresentadora de TV e, como candidata em 2014, teve mais de 900 votos. Afirmou que, na ocasião, não teve apoio financeiro. E que recebeu a promessa de financiamento para a eleição do ano passado. Sua votação, no entanto, foi pior na última disputa.
— Fiquei surpresa com a votação. Procurei fazer um bom trabalho e foi aquém — disse ela, afirmando ainda que só fez dobradinha com João Campos. — Já houve aprovação de contas no Tribunal Regional Eleitoral do estado — completou.
Sângela Rocha obteve modestos 252 votos em Rondônia. O insucesso eleitoral contrastou com a pujança financeira da campanha: ela levou mais de R$ 188 mil do partido, gastos principalmente com gráficas. A candidata imprimiu 1,3 milhões de santinhos e adesivos, número superior aos 1,1 milhões de eleitores aptos a votar no estado.
— Vou dar a resposta se a Justiça me chamar— afirmou ao GLOBO, dizendo que cada centavo gasto na campanha está registrado na prestação de contas.
Outra candidata de Rondônia apresenta números parecidos. Josefa Lourdes Ramos teve 163 votos e recebeu R$133,9 mil da direção nacional durante a campanha. Segundo ela, sua campanha foi feita em sinais de trânsito “das 6h ao entrar da noite”.
— Tem que perguntar para o eleitor (o motivo da votação ruim), porque voto eu pedi — disse, completando: — O dinheiro foi aplicado dentro daquilo que tinha que ser aplicado.
Ex-prefeita de Cruzeiro, no interior de São Paulo, Ana Karin Dias de Almeida Andrade transformou os R$ 353,8 mil que recebeu do PRB em apenas 1.319 votos. Os recursos foram usados para pagar R$ 80 mil a uma empresa de consultoria, enquanto R$ 208 mil pagaram o pessoal que trabalhou na campanha com remunerações generosas. Dois coordenadores de campanha levaram pagamentos de R$ 30 mil e R$ 35 mil. A ex-prefeita atribuiu o mau desempenho nas urnas ao fato de ter feito boa parte da campanha com seu registro de candidatura considerado inapto pela Justiça Eleitoral. Ela disse não ver exagero em seus gastos durante o pleito.
— O que é R$ 300 mil para uma campanha no estado inteiro? — afirmou, antes de garantir: — Tudo que nós fizemos foi dentro das orientações legais .
Maior discrepância
A maior discrepância entre gastos e desempenho eleitoral do grupo ficou por conta de Marisa Regina Duarte Teixeira. Candidata a deputada estadual no Maranhão, ela teve apenas 161 votos, embora tenha recebido R$ 585 mil do partido — um gasto de R$ 3.633 por eleitor. Todo esse dinheiro ajudou a custear R$ 540 mil em adesivos e outros materiais impressos. Os 6,4 milhões de santinhos, bottons, cartazes e afins superam em muito os 4,5 milhões de eleitores maranhenses. Ao “Jornal Nacional", da TV Globo, ela admitiu o exagero na quantidade de material de campanha.
— Se você está mensurando a quantidade do Maranhão, pode-se dizer. Mas na hora a gente não trabalha somando, é a mesma coisa do santinho — disse Marisa à TV Globo.
Em nota, a Executiva Nacional do PRB negou haver irregularidades na distribuição de recursos. Segundo a sigla, a verba foi repassada “às executivas estaduais e estas ficaram responsáveis por repassar os recursos aos candidatos, de acordo com a estratégia de cada estado”.
O partido negou que a baixa votação das candidatas citadas seja um indício de possíveis desvios: “Candidaturas com resultados inexpressivos podem simplesmente ser candidaturas fracas, não laranjas. Essa “caçada” indiscriminada não ajudará em nada na atração de mais mulheres para a política. Ao contrário: desestimulará aquelas que iniciaram (ou que querem iniciar) na política a seguir com seu projeto.”
As demais candidatas citadas não foram localizadas pela reportagem nos telefones fornecidos pelas campanhas à Justiça Eleitoral.
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Controle frágil acompanha cota de gênero
26/02/2019
Sob protestos de partidos políticos, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou, em maio do ano passado, que pelo menos 30% dos recursos de campanha deveriam ser usados para financiar candidaturas femininas, em mais uma tentativa de aumentar o espaço da mulher na política. Além do dinheiro do fundo partidário, distribuído às legendas anualmente, o pleito do ano passado foi o primeiro a contar com um fundo específico para bancar as campanhas.
À época, a decisão do unânime do TSE foi uma resposta à consulta formulada por um grupo de oito senadoras e seis deputadas federais, sob o argumento de que a parcela de financiamento e o tempo de rádio e TV deveriam seguir o mínimo de 30% previsto nas chamadas cotas de gênero. Também por lei, esse é o percentual que corresponde à proporção mínima obrigatória de candidaturas femininas por cada partido.
No TSE, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu, e foi seguido pelos demais pares, que os recursos recebidos pelas candidatas deveriam ser usados no interesse de suas próprias campanhas, ficando proibido o emprego deles, no todo ou em parte, para financiar candidaturas masculinas, quando não houver benefício para as campanhas femininas. Na ocasião, Barroso disse que o objetivo não era impedir as chamadas “dobradinhas” com candidatos homens,, mas impedir o desvirtuamento das cotas de gênero —o que tem ocorrido na prática.
Na nota enviada ontem ao GLOBO, o PRB reclamou da determinação da Corte, culpando “essa confusão toda parte de decisões do STF e do TSE”. O partido disse ainda que o assunto precisa ser rediscutido. Para o PRB, “culturalmente os homens participam mais da vida pública e das disputas eleitorais”.
“A reserva das vagas e a aplicação dos recursos em candidaturas femininas, apesar de ser uma tentativa nobre, talvez não seja o melhor caminho para o equilíbrio de gênero na política nacional. Além disso, evitaria esse tipo de dúvida levantada pela reportagem”, afirmou o partido em nota.
Uma outra mudança em vigor na eleição passada fez com que o controle sobre o compartilhamento de santinhos, nas chamadas dobradinhas, ficasse menos eficiente. Em eleições anteriores, era obrigatório registrar doações de materiais de campanha. Isso estabelecia um vínculo de como e com quem os santinhos e afins estavam sendo gastos. Agora, essa informação é opcional nas prestações de contas dos candidatos beneficiados pelas doações, o que reduz a possibilidade de flagrar distorções, como candidatas, na prática, custeando o material de campanha de homens com os recursos destinados a candidaturas femininas.