O globo, n. 31249, 26/02/2019. Mundo, p. 22

 

Sem intervenção

Leticia Fernandes

26/02/2019

 

 

Grupo de Lima rejeita ação militar externa contra Maduro e aumenta pressão diplomática

Enquanto o vice-presidente americano, Mike Pence, e o autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, ainda falavam ontem que todas as opções estavam sobre a mesa—sinalizando inclusive a possibilidade de uma intervenção militar no país sul-americano — as nações integrantes do Grupo de Lima se descolaram da retórica bélica dos Estados Unidos. O Brasil foi um dos países que reforçaram essa posição.

Em um comunicado de 18 pontos divulgado ontem, os membros do grupo reiteraram que a transição para um governo democrático na Venezuela deve ser feita de forma pacífica e pelos próprios venezuelanos. Dois dias depois do chamado “Dia D” para a entrada de ajuda internacional no país, que terminou com atos de violência na fronteira venezuela------

na com Brasil e Colômbia, os membros do grupo reiteraram “sua convicção de que a transição democrática deve ser conduzida pelos próprios venezuelanos pacificamente e observando a Constituição e o direito internacional, apoiada por meios políticos e diplomáticos, sem uso da força”.

Apesar da linha divergente do que vinham defendendo os EUA, o comunicado pede o aumento de sanções diplomáticas, entre elas solicitar ao Tribunal Penal Internacional que julgue o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, por crimes contra a Humanidade.

Os países do Grupo de Lima também vão apelar ao Conselho de Segurança da ONU e ao Conselho de Direitos Humanos do organismo para aumentar a pressão sobre o presidente venezuelano, com a nomeação de uma pessoa independente ou uma comissão para investigar as “graves violações de direitos humanos”.

O documento é assinado por dez países do grupo, além da Venezuela através de Guaidó: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru. Não assinaram Costa Rica, Guiana e Santa Lúcia, além do México, que já vinha se afastando do grupo desde a eleição do presidente Andrés Manuel López Obrador, em dezembro, e tampouco assinara o último comunicado.

Apelo a aliados de Maduro

O Grupo de Lima também fez um apelo, sem citar nomes, para que países aliados, que ainda mantêm “vínculos de cooperação” como governo de Maduro, para que facilitem a busca de soluções que abram espaço a uma transição democrática através de eleições.

A declaração do Grupo de Lima reforça o que o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, dissera mais cedo. Mourão, que participou com o chanceler Ernesto Araújo da reunião em Bogotá, defendeu uma saída pacífica e afirmou que sob circunstância alguma o Brasil permitiria que os EUA usassem o território brasileiro numa operação militar contra a Venezuela e “jamais” apoiaria uma intervenção.

O vice brasileiro também defendeu a abertura de um canal de diálogo com os militares venezuelanos — hoje o principal pilar de sustentação de Maduro — e a criação de uma “válvula de escape” para o líder chavista deixar a Venezuela de modo a que o país possa retomar a normalidade democrática.

— A gente tinha que abrir um canal de diálogo com as Forças Armadas — disse Mourão. — Não tem outra solução, enquanto ele (Maduro) tiver apoio militar.

Mourão frisou considerar o regime chavista uma ameaça “à democracia, à defesa e à segurança” da região”, e chamou China e Rússia, aliadas do venezuelano, de “atores estranhos à região”

—Mais grave é a disposição do regime de Caracas em atrair atores estranhos à região, que podem aproveitar um eventual conflito interno no país para mover peças no tabuleiro de sua confrontação mundial com o Ocidente.

Guaidó, por sua vez, pedira mais cedo que o Grupo de Lima considerasse todos os cenários possíveis. O líder da oposição, reconhecido por cerca de 50 países como presidente interino da Venezuela, disse em Bogotá que voltará ao seu país esta semana, de onde partiu três dias atrás, apesar da restrição da Justiça dominada pelo chavismo.

O Grupo de Lima buscou na reunião em Bogotá a adoção de medidas concretas de pressão contra Maduro, depois que ele bloqueou no sábado a entrada de ajuda internacional no país. Guaidó, que em janeiro se autoproclamou presidente da Venezuela com o apoio da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, marcara o sábado como data para a entrada da ajuda.

Pence reforça anistia

Mas o bloqueio determinado por Maduro fez fracassar o chamado “Dia D” da oposição. A ideia de Guaidó e seus aliados internacionais era entrar na Venezuela com alimentos e suprimentos médicos, forçando os militares a abandonar a lealdade a Maduro e abrir as fronteiras, o que poderia precipitar a queda do regime.

Com o fracasso, as alternativas para a solução do impasse se estreitaram. O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, voltou a oferecer anistia aos militares que abandonarem o presidente, junto com uma ameaça de que se seguirem apoiando-o, enfrentarão a Justiça.

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Fracasso de plano reaquece via diplomática

André Duchiade

Marina Gonçalves

26/02/2019

 

 

Nos últimos dois meses, os países do Grupo de Lima ficaram dependentes da estratégia dos Estados Unidos e da oposição venezuelana, que apostava no aperto das sanções econômicas e na operação de ajuda para levar a cúpula militar a abandonar o ocupante do Palácio de Miraflores. Com o fracasso inicial da operação e sem um plano B, o Grupo de Lima foi obrigado agora a reiterar que se opõe à ação militar que vem fazendo parte do arsenal de ameaças de Washington e retomar uma via diplomática:

—Muitos atores temem que o discurso belicista atual possa levar a um resultado violento, armado e militar. Parece que a prioridade do Grupo de Lima agora é tentar conter essas soluções mais belicistas —afirmou Andrei Serbin Pont, diretor da Coordenadoria Regional de Investigações Econômicas e Sociais (Cries).

Em setembro, lembra o diretor para a América Latina e o Caribe do International Crisis Group, Ivan Briscoe, o Grupo de Lima já defendera “uma saída pacífica e negociada” para a crise na Venezuela, deixada de lado nos últimos dois meses. Os EUA, no entanto, demonstraram “não ter um plano coerente sobre como o chavismo será derrotado” e, “por razões históricas”, os países latino-americanos “jamais aceitariam a perspectiva de uma intervenção americana em seu território”:

—Ainda há muito choque com as cenas de violência do fim de semana, sem um confronto entre Forças Armadas. Todos estão preocupados com quais seriam os efeitos de uma guerra. Ninguém deixou isso tão claro como o vice-presidente do Brasil (Hamilton Mourão).

Apesar do tom agressivo do presidente Iván Duque, a Colômbia poderia ser o país mais afetado por uma intervenção militar, lembra a cientista política venezuelana Marí Puerta-Riera, professora na Universidade Valencia, na Flórida.

—Uma intervenção militar traria um risco enorme para a Colômbia, abrindo um cenário de oportunidade para grupos que ainda não estão pacificados, como o Exército de Libertação Nacional (ELN). O discurso de Duque tem mais o intuito de causar pressão do que chegar às vias de fato —explicou.

O desafio para uma solução diplomática para os países do Grupo de Lima, diz Briscoe, é partirem para o diálogo já “sem aceitar uma solução aberta”. Ao exigir como condições “a democracia, eleições e a remoção de Maduro”, o grupo oferece pouco espaço para o governo negociar, o que pode levá-lo a se fechar e endurecer ainda mais, afirma.

—Depois do fim de semana, a diplomacia exigirá um engajamento maior com o governo Maduro. Ou então continuará pelo caminho da pressão e das sanções, mas correrá o risco de o governo se fechar e recusar qualquer compromisso —afirma. —Se o governo Maduro sentir que não tem alternativa por uma via diplomática, ele vai resistir. O desafio da diplomacia será oferecer algo para a oposição de modo a ela considerar que obteve algum sucesso, sem contudo ameaçar o chavismo de aniquilação total

Para Cassio Faeddo, mestre em Direitos Fundamentais, com especialização em Direito Internacional, a resolução da crise extrapola a região.

—A conversa toda deveria envolver Rússia e China, na ONU. A crise hoje é global, se é que um dia já foi regional.