Título: A verdade dos anos de chumbo na UnB
Autor: Alcântara , Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 28/07/2012, Cidades, p. 36
As páginas em branco deixadas pela ditadura na história das famílias dos estudantes da Universidade de Brasília podem começar a ser preenchidas. No início de agosto, a Comissão da Verdade da UnB iniciará os trabalhos para recolher documentos e depoimentos sobre o que ocorreu na instituição no período compreendido entre 1964 e 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal. Além de contribuir com o grupo nacional, uma das intenções é identificar quem foram os colaboradores do regime dentro da universidade e quais direitos dos que resistiram ao regime foram violados. Outro ponto a ser tratado é o resgate do projeto inicial idealizado por Darcy Ribeiro ao fundar a instituição de ensino superior, criada para ser o centro de pensamento cultural livre de Brasília.
Até hoje, as informações sobre a resistência e a repressão dos militares foram coletadas a partir de testemunhos. Professores reintegrados e alunos contaram o que viveram à época. Com a recente Lei de Acesso à Informação, uma outra versão dos fatos pode ser descoberta. Os arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI) — que antes traziam com tarjas pretas sobre os nomes dos envolvidos com a repressão e atentados aos direitos humanos — agora estão liberados no Arquivo Nacional e na própria universidade.
De acordo com José Otávio Nogueira, um dos entusiastas da proposta e professor do Departamento de História, a pesquisa pode trazer revelações surpreendentes sobre os anos de chumbo. "Já começam a pipocar papéis do monitoramento do regime na UnB até a primeira eleição democrática, quando Cristovam Buarque tornou-se reitor", afirma. Além disso, o historiador espera encontrar comprovantes que expliquem a represália sofrida pelos docentes que não conseguiram progredir na carreira porque defendiam outras questões ideológicas.
Os relatos dos arapongas instalados pela ditadura devem apontar como eram tratados os desaparecidos políticos, como Honestino Guimarães, Paulo de Tarso e Ieda Delgado, ex-estudantes da UnB que posteriormente foram sequestrados e assassinados pelos militares. Documentos revelados pelo Correio, publicados em abril, mostram algumas das acusações contra o maior símbolo da resistência brasiliense. Honestino era acusado pelo governo de "promover e orientar a ação subversiva na UnB e ser o responsável por todas as crises por que tem passado a instituição. Um agitador contumaz e pernicioso ao ambiente universitário".
Iniciativa positiva Para o sobrinho do ex-presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (Feub) Mateus Guimarães, 26 anos, toda iniciativa no sentido de revelar a verdade dos fatos é positiva. "A cada pedacinho da história do meu tio que descubro, conheço um pouco mais de mim, das minhas atitudes e reações", diz. Em uma conversa recente com Cláudio Almeida, amigo e companheiro de Honestino, o jovem ouviu uma história sobre uma fuga do tio. "Eles estavam em uma van. Um estudante simulou estar passando mal e os militares abriram a porta para ver o que era. Nesse momento, Honestino saiu correndo. Os policiais atiraram contra ele, mas não o atingiram", relata. A história já era conhecida pelo rapaz, mas um pequeno detalhe completou mais uma peça do quebra-cabeça. "O Cláudio contou que o episódio foi perto do Zoológico. Isso fez toda diferença. Agora, quando eu passar por ali, vou poder lembrar e refletir", disse.
A Comissão da Verdade, em nenhum âmbito, tem força penal, ou seja, não pode punir ou exigir prisões. A intenção é mudar a relação da universidade com a história, além de revelar fatos do passado importantes para o futuro da comunidade acadêmica.
A investigação
Como funcionará a Comissão da Verdade da UnB: » Possivelmente será formada por 11 integrantes. A nomeação ainda não foi realizada. Os membros não vão parar as atividades acadêmicas e as pesquisas serão feitas em conjunto. » Os levantamentos focarão o período compreendido entre 1964 e 1988. » O colegiado atuará em duas frentes: reunir documentos relacionados aos direitos humanos e liberdades individuais feridas na ditadura no Arquivo Nacional ou no conjunto de dados da própria universidade. Além disso, colherá depoimentos de alunos, docentes e outras pessoas que vivenciaram o período. » Os trabalhos serão concluídos antes da Comissão da Verdade Nacional. A intenção é contribuir com informações consistentes para levantar o que ocorreu na UnB na ditadura e complementar o trabalho já realizado. A previsão é que a pesquisa seja concluída no início de 2014. » Haverá debate para tentar compreender como o projeto de vanguarda, revolucionário, idealizado por Darcy Ribeiro, acabou reprimido. Pretende-se ainda promover o resgate desses ideais. » O grupo deve firmar parcerias com outros órgãos para ter acesso a outros documentos e informações. » A comissão vai apurar quais foram os colaboradores do regime militar dentro da UnB.