O globo, n. 31248, 25/02/2019. Rio, p. 9

 

'Vou até o fim nessa história'

Marcos Nunes

25/02/2019

 

 

Vítima de agressão diz que pode ter sido dopada

Dez dias depois de ser espancada por quatro horas pelo estudante de Direito Vinícius Batista Serra, de 27 anos, a paisagista Elaine Perez Caparroz, de 55, ainda tem em seu corpo as marcas da tentativa de feminicídio que sofreu em seu apartamento na Barra. Com descolamento de retina, 60 pontos na boca, um dente quebrado, manchas provocadas por mordidas nos braços e hematomas nas pernas, ela afirmou ontem acreditar que foi dopada pelo agressor.

Em entrevista ao GLOBO, na casa de uma amiga, onde está hospedada, Elaine contou que estava tomando vinho com Vinícius na sala, quando começou a se sentir tonta.

— Estava com ele na sala. Brindamos com vinho, e estava tudo ótimo. Em determinado momento da conversa, comecei a perder os sentidos. Era como se eu estivesse num plano real do nosso encontro, e esse plano real tivesse se transformado em sonho. De repente, mudou a dimensão da realidade para mim. Eu perdi a noção, era como se eu estivesse delirando — disse.

A partir desse momento, segundo ela, a situação saiu de controle. Ela contou que não se lembra de como foi levada até o quarto, onde acordou sendo esmurrada por Vinícius, que luta jiu-jítsu:

— Ainda me lembro dele já no quarto, sem camisa, com o braço aberto dizendo para eu deitar no braço dele para dormimos juntos. Eu disse “o.k.” e perdi os sentidos. Quando acordei, já no quarto, estava sendo esmurrada por ele. Acho, com 99,9% de certeza, que fui dopada por ele. Eu não tinha bebido tanto assim para acontecer isso.

Queijos e vinhos

Segundo Elaine, Vinícius fez questão de preparar a tábua de queijos e de servir o vinho. A garrafa havia sido aberta por ela mesma, pouco antes. A paisagista também comprara os queijos para serem servidos no encontro, marcado após oito meses de muitas trocas de mensagens numa rede social.

Sobre o fato de Vinícius ter dado nome falso na portaria de seu prédio, a paisagista disse que o lutador a confundiu. Ela acredita que Vinícius tenha se aproximado com alguma má intenção, embora ainda não saiba o que poderia ter motivado tanta brutalidade.

—O interfone tocou e disseram que Felipe queria subir para falar comigo. Respondi que não estava aguardando nenhum Felipe. Aí disseram que era Vinícius Felipe. Pedi para o funcionário do prédio confirmar se era o Vinícius Serra, como ele se identificava nas nossas conversas. Ele perguntou, e Vinícius disse que era, sim, o Vinícius Serra. Por isso, o deixei subir. Agora que a gente analisa as atitudes dele, dá para saber que ele tinha intenção de fazer algo ruim comigo —disse.

Para a Polícia Civil, a atitude de Vinícius ao fornecer um nome falso na portaria é um indício de que o agressor premeditou o crime. Preso por tentativa de feminicídio, ele foi transferido na última quarta-feira para hospital psiquiátrico do sistema penal, onde está fazendo exames de sanidade mental.

'Acabei caindo nessa'

A paisagista também contou que Vinícius insistiu para encontrá-la no apartamento, após saber que ela morava sozinha. Antes, eles já haviam marcado outros encontros que acabaram sendo cancelados.

— Chegamos a marcar em outros lugares e até de ir à praia juntos, mas acabamos cancelando. Ele insistiu muito para vir. Disse para ele que não recebia homem no apartamento, mas, depois de oito meses de conversa no Instagram, ele ganhou a minha confiança, e eu acabei caindo nessa. Durante as quatro horas em que fui espancada, ele só dizia para eu calar a boca, além de me xingar muito. Cheguei a perguntar por que ele estava fazendo aquilo comigo, mas ele só me agredia —contou.

A paisagista disse que os dois se beijaram durante o encontro, mas que não houve relação sexual.

O depoimento de Elaine, que ainda não fez exame de corpo de delito, está marcado para hoje na 16ª DP (Barra da Tijuca). Ela disse que pedirá à polícia para não voltar a encontrar Vinícius, porque está traumatizada. Mas afirmou que vai lutar por Justiça:

—Não quero ter que vê-lo novamente. Neste período em que fiquei internada, tive pesadelos com ele, e, por mais de uma vez, acordei gritando. Vou até o fim nessa história. Quero Justiça por mim e por todas as mulheres que sofrem agressões no mundo. Não sei por que ele fez isso comigo.

Elaine é mãe do lutador de jiu-jítsu Rayron Gracie, fruto de um relacionamento com Rayan Gracie. Apesar de nunca ter aprendido artes marciais, ela disse que conseguiu resistir por tanto tempo ao espancamento porque lutou com o agressor.

—Não cheguei a aprender jiu-jítsu, mas observei algumas lutas. Acho que isso me ajudou a resistir tanto tempo. Além disso, uma vizinha que é enfermeira foi uma das primeiras pessoas que me deram ajuda. Ela entrou no apartamento, após o Vinícius ser preso, e me colocou sentada, o que evitou que eu me sufocasse com o meu próprio sangue. Ela ajudou a salvar a minha vida junto com os médicos que me atenderam — disse Elaine, que deixou o hospital na última sexta-feira.

A paisagista calcula que precisará de quatro meses para retomar sua vida profissional. E afirmou que, a partir de agora, traumatizada, terá mais cuidado ao se relacionar nas redes sociais:

— Jamais me encontrarei com uma pessoa com quem me relaciono numa rede social sem que ela tenha sido apresentada por alguém.