O globo, n. 31247, 24/02/2019. Artigos, p. 3
A educação desmorona na Venezuela
Andrea Ramal
24/02/2019
Além da situação de miséria extrema, que faz com que milhões de venezuelanos deixem o país até mesmo a pé, enfrentando as piores condições migratórias, a Venezuela padece de mais um mal: o de ter seu sistema educacional desmoronando.
O relato de professores venezuelanos é dramático: diariamente, 70% dos estudantes não comparecem à escola. A falta de luz e de água, a falta de merenda e de transporte deixam milhares de salas de aula vazias. Em torno de 50% dos professores também são obrigados a faltar ao trabalho todos os dias, porque não têm dinheiro para o transporte ou porque faltam alimentos em suas casas. Muitas crianças já abandonaram os estudos. “Quem pode aprender passando fome?”, desabafa um professor venezuelano no site do jornal “El Nacional” —veículo cuja versão impressa deixou de circular no fim de 2018 devido à pressão do governo. No entanto, Nicolás Maduro mantém o discurso de que, na Venezuela, a educação é prioridade. Ele comemora ter praticamente zerado o analfabetismo e aumentado a escolaridade. Reafirma que a educação venezuelana está entre as melhores do mundo.
Seria possível checar estas afirmações analisando o desempenho dos estudantes venezuelanos no Pisa —o exame internacional de medição de competências dos estudantes. No entanto, a Venezuela é um dos poucos da América Latina que não participam deste programa da OCDE.
O governo de Maduro segue uma linha de pensadores que considera o Pisa uma invenção do neoliberalismo e que defende não ser possível comparar estudantes de países diferentes com provas de Matemática, Ciências e Linguagem.
Todos concordamos que a educação é muito mais do que isso e que os sistemas educativos devem ser avaliados também a partir de vários outros critérios, que envolvem desde a formação cidadã até o contexto histórico-social em que o ensino acontece. Mas a prova Pisa é um indicador relevante, porque mede as competências mais básicas, para ajudar a identificar lacunas e fornecer elementos para políticas educacionais. A aplicação de avaliações de qualidade, seja o Pisa ou outro exame análogo, deveria ser entendida como direito de todo estudante.
A Colômbia, por exemplo, bem ao lado da Venezuela, fez uma ampla reforma baseada justamente em avaliações da qualidade, que derivaram num programa de investimento na melhoria do ensino e no direcionamento específico para a correção de problemas nas escolas com desempenho insatisfatório. O resultado é notável: a Colômbia já aumentou a pontuação no Pisa, ficando inclusive acima do Brasil. As provas na educação são como os exames na medicina: fornecem dados fundamentais para prevenir, agir e curar. Porém, para isso, é preciso se expor - o que nem todos têm vontade de fazer.