O globo, n. 31247, 24/02/2019. Rio, p. 13

 

Staff de ouro

Luiz Ernesto Magalhães

24/02/2019

 

 

Com despesas de pessoal (inclusive previdenciárias) que podem chegar a R$ 18,2 bilhões este ano, a prefeitura do Rio acumulou em quatro décadas cerca de 700 leis e decretos que, em vários casos, aumentam em dezenas de vezes salários de servidores e permitem até que ultrapassem o teto constitucional. Mesmo os funcionários que ingressaram no serviço público em cargos mais baixos podem ganhar remunerações bem elevadas ao incorporarem gratificações. Os benefícios se multiplicam: desde 1991, por exemplo, quem tem cargo comissionado recebe sempre em dobro.

Trata-se de uma herança do ex-prefeito Marcello Alencar, que acenou com o agrado ao suceder Saturnino Braga num cenário de contas municipais arrasadas e queixas de atrasos nos vencimentos. Na prefeitura desde 2002, o agente de administração Bruno Louro é o atual presidente do Previ-Rio, responsável pelo pagamento de mais de 80 mil aposentadorias e pensões, entre outros benefícios. Seu salário-base é de apenas R$ 1.016,51, mas, com uma série de gratificações e encargos, o vencimento (bruto) chegou a R$ 27.127,77 no mês passado. Subsecretário de Assuntos Compartilhados e também agente de administração, Paulo Albino Santos Soares, que gerencia a folha de pagamento do funcionalismo e coordena as licitações do município, é outro funcionário que que tem ganhos multiplicados.

Na prefeitura desde 1988, seu salário-base é o mesmo de Louro. Mas, em janeiro, ele recebeu R$ 45,4 mil, entre incorporações legais, gratificações pelo cargo e abono-permanência por já ter tempo para se aposentar. Paulo Albino não se sujeitou ao abate-teto da prefeitura (R$ 27,4 mil, brutos, até janeiro) porque alguns benefícios não entram nessa conta. Por meio de assessorias, os funcionários argumentaram que seus salários seguem a lei. Na prefeitura desde 1997, a secretária de Saúde, Ana Beatriz Busch Araújo, com salário-base de R$ 2.785,66, ganhou R$ 43,4 mil (bruto) em janeiro, sem abate-teto porque todos os benefícios que incidem nos vencimentos dela escapam da regra.

O mesmo aconteceu coma secretária de Educação, Talma Romero, que tem duas matrículas. Servidora desde 1986, recebeu R$ 51,1 mil, sem qualquer corte. Já a a controladora-geral do município, Márcia Andrea dos Santos, na prefeitura desde 1992, ganhou R$ 42,2 mil. Ela até passou pelo abate-teto, mas alguns penduricalhos do salário dela, por lei, também correm por fora do redutor.

Os dados sob reos vencimentos se referem a janeiro ou ao período anterior às férias do servidor, para não gerar distorções. As informações são públicas e foram consultadas no site jeap.rio.rj.gov.br/contrachequeapi/transparencia. O prefeito Marcelo Crivella diz que, ao assumir, reduziu gratificações —há, todo ano, verba de R$ 50 milhões para isso —e cortou cargos em comissão:

—Tudo é pago na legalidade. No entanto, para o coordenador dos cursos de gestão de políticas públicas do Insper, André Luiz Marques, o excesso de penduricalhos onera a máquina pública, aumentando os gastos com o funcionalismo e impactando as contas previdenciárias. Com a recente crise financeira, a prefeitura vive à beira de infringir a legislação.

Não chegou a ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (que estipula um teto de 54% para as despesas com pessoal), porém há mais de dois anos não fica abaixo do limite prudencial de gastos (48,6%). Com o reajuste de 8,17% concedido este mês ao funcionalismo, o salário máximo da prefeitura passará a R$ 29.425,12.

—A prefeitura mantém benefícios que não existem mais na União. Um deles é a incorporação de gratificações aos salários. O que ela deveria fazer é uma revisão geral dos planos de carreiras, com regras transparentes — defende Marques.

Difícil de mudar

O secretário da Casa Civil, Paulo Messina, argumenta que acha difícil aprovar qualquer lei que altere boa parte desses direitos. Para isso, o estatuto de 1979, por exemplo, exige o apoio de pelo menos 34 dos 51 vereadores:

— Qualquer iniciativa iria ter oposição. Pelas regras da Câmara, um terço dos vereadores é suficiente para apresentar uma emenda e tirar um projeto de pauta — observa o secretário.

Por decreto, Crivella fixou em R$ 24 mil o teto para assessores de confiança, que não são servidores. Porém, chefes do Executivo não precisam seguir a determinação. Sendo assim, o secretário municipal de Fazenda, Cesar Augusto Barbiero, recebeu R$ 33,7 mil sem abate-teto em janeiro. Desse total, R$ 15.187 pelo cargo e mais R$ 18.576 de gratificações.

Quem também não teve vencimentos limitados foi o subsecretário de Gestão, Fernando Meira. O assessor, que tem entre suas funções cuidar do projeto Cimento Social, ganhou, no mês passado, R$ 30 mil (R$ 17,8 mil apenas em gratificações). Outra que também escapou do teto extra-quadro foi a ex-secretária de Cultura, Nilcemar Nogueira, que deixou o cargo na semana passada. No caso dela, por uma brecha legal, o salário chegou a R$ 29,6 mil. Apenas em jetons (que não contam para o cálculo do abate-teto), recebeu R$ 9.931,16.

Desse total, R$ 6.967,20 por quatro reuniões da Comissão Carioca de Promoção Cultural, que delibera sobre a política de patrocínios com renúncia fiscal. Nesse universo de gratificações do município, há curiosidades.

Dos R$ 11.180,94 que a diretora-geral do Arquivo da Cidade, Beatriz Kushinir, recebeu em novembro de 2018, R$ 4.230,96 se referiam à participação em uma comissão que se dedica a definir nomes de praças e ruas do Rio.

Adicionais têm respaldo de leis

Estatuto do Servidor, Lei 94/79 (prefeito Marcos Tamoio):

Permitiu incorporar integralmente os valores referentes a cargos comissionados a partir de dez anos de exercício pela maior soma que recebeu durante 12 meses. A partir de quatro anos em cargo de confiança, o valor é incorporado de forma proporcional. Também instituiu os triênios, que podem elevar salários de algumas categorias em até 55% ao longo da carreira

Lei 1.680/ 1991 (prefeito Marcello Alencar):

Estabeleceu que valores de cargos comissionados devem ser pagos em dobro

> Lei 5.623/ 2013 (prefeito Eduardo Paes):

Criou o bônus-cultura (R$ 168,42) para os professores