O globo, n. 31247, 24/02/2019. Mundo, p. 27

 

Deserções e violência na Venezuela

Janaína Figueiredo

Paola Carvalho

24/02/2019

 

 

Oposição tenta levar ajuda por fronteiras, mas enfrenta repressão

O dia “D” marcado pela oposição na Venezuela para uma virada no impasse que se prolonga desde que Nicolás Maduro tomou posse para o segundo mandato, em 10 de janeiro, foi marcado pela repressão do governo a manifestantes e voluntários que tentaram entrar no país pelas fronteiras da Colômbia e do Brasil levando ajuda internacional. O órgão de imigração colombiano informou que 23 militares e policiais desertaram para o país vizinho, mas o efetivo total da Força Armada, da Guarda Nacional e da Polícia Nacional bolivarianas, que são a principal base de apoio do regime, é de cerca de 360 mil tropas.

Quase 40 funcionários civis do governo venezuelano também pediram refúgio, segundo a Colômbia. Ao menos quatro pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas a tiros na cidade de Santa Elena, a 15 quilômetros da divisa com o Brasil, depois de Maduro ordenar o bloqueio militar das fronteiras contra o que considerava ser uma tentativa de intervenção estrangeira no país. Dez caminhões provenientes da cidade colombiana de Cúcuta, e dois de Pacaraima, em Roraima, chegaram a solo venezuelano, mas não passaram do controle alfandegário, bloqueado pelos militares. Ao menos dois veículos foram incendiados na fronteira colombiana, onde mais de 285 manifestantes ficaram feridos.

Na noite de ontem, a Colômbia ordenou o retorno dos caminhões que carregavam ajuda humanitária. A oposição conta com a operação iniciada ontem, articulada com Estados Unidos, Colômbia e Brasil, para pressionar os militares a abandonar Maduro e permitir a entrada de alimentos e medicamentos, em um país que enfrenta a escassez de produtos básicos. Voluntários e integrantes de ONGs envolvidas na ação liderada pelo opositor Juan Guaidó — que se proclamou presidente interino em 23 de janeiro, com apoio da Assembleia Nacional de maioria oposicionista, e foi reconhecido por 50 países — conversaram com agentes da Polícia Nacional e da Guarda Nacional, tentando convencê-los a liberar a entrada dos produtos. Voluntários e policiais chegaram a se dar as mãos, em gesto conciliador que contrastou com a subsequente reação violenta de militares perto das divisas. Os militares bloquearam a fronteira com o Brasil, em Roraima, e as quatro pontes que ligam a Colômbia à Venezuela, no estado de Táchira.

O primeiro confronto ocorreu quando as tropas lançaram gás lacrimogêneo para dispersar cer cade 200 pessoas que tentavam cruzara ponte Francisco de Paula Santander,n acidade venezuelana de Ureña, aos gritos de “queremos trabalhar”. Depois do incidente, manifestantes atacaram policiais e militares com pedras e garrafas e montaram barricadas com pneus queimados. Três ônibus foram incendiados. À tarde, os militares saíram do posto fronteiriço e avançaram pelas ruas da cidade. Três pessoas foram atingidaspor balas de borracha, uma delas no olho.

Em Santa Elena, grupos armados chavistas, os chamados coletivos, reprimiram militantes da oposição e moradores que pretendiam participar das ações para abrir o canal humanitário na fronteira com o Brasil. A prefeitura informou que entre os quatro mortos há um adolescente de 14 anos. Sete feridos foram levados para Boa Vista—só ambulâncias puderam cruzara fronteira. — Todos os feridos foram atingidos por balas, entre eles três mulheres — informou Alfredo Romero, presidente da ONG de direitos humanos

Foro Penal. Na última sexta, a 70 quilômetros da fronteira brasileira, dois indígenas haviam sido mortos ao tentar impedir que agentes da Guarda Nacional chegassem à divisa para bloquear a entrada da ajuda.

Os 23 desertores

Dos 23 militares e policiais que desertaram, 22 cruzaram para a Colômbia pela ponte Simón Bolívar. Outro, um membro da Marinha, se entregou em Arauca. O órgão de imigração da Colômbia não informou a patente dos militares. Num dos casos, quatro desertores usaram um blindado para romper contêineres dispostos na ponte para bloquear a passagem de veículos. “Venezuela: não são desertores aqueles guardas e efetivos das Forças Armadas que decidam se somar à nossa luta. Decidiram se pôr ao lado do povo e da Constituição! Bemvindos!

A chegada da liberdade e da democracia à Venezuela já não pode ser detida”, saudou Guaidó no Twitter. De madrugada, uma caravana com três ônibus de deputados da Assembleia Nacional venezuelana, ativistas e jornalistas foi atacada na Ponte La Dorada, no estado de Táchira. Os deputados opositores teriam sido espancados e chutados por um grupo paramilitar. Em entrevista coletiva em Cúcuta, antes de dar partida à tentativa de entrada de ajuda, Guaidó fez um apelo às Forças Armada spa raque permitissem a“ação pacífica ”. Ele reforçou que os militares, caso desejassem estardo lado“certo ”, receberiam anistia e garantias de que não seriam punidos.

— Essa é uma ação pacífica que busca salvar vidas. Faço um apelo ao povo para que continue assim, com calma e firmeza para garantir o avanço da ajuda humanitária — declarou, ao lado do presidente colombiano, Iván Duque, em frente ao armazém que guardava um estoque de 600 toneladas de alimentos e suprimentos enviados nas últimas semanas pelos Estados Unidos. Na entrevista, Duque afirmou que Nicolás Maduro seria o “responsável por qualquer ato de violência” que acontecesse na jornada:

—Pedimos às Forças Armadas da Venezuela que se coloquem do lado correto da História — disse o colombiano. Guaidó também pediu aos “chavistas que ajudem a acabar coma usurpação( do poder por Maduro) e ajudem a chegara nosso país a ajuda humanitária”.