Correio braziliense, n. 20285, 04/12/2018. Política, p. 4

 

Base sem alma do "toma lá dá cá"

Rodolfo Costa 

04/12/2018

 

 

A temporada para o diálogo com os partidos políticos está aberta. Quase um mês após o início dos trabalhos no governo de transição, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), vai receber pessoalmente hoje e amanhã as bancadas do MDB, PR, PRB e PSDB na Câmara. Interlocutores do pesselista e líderes das siglas admitem que é o início das negociações para a formação da base governista. Dessa forma, a coordenação política de transição deixa de lado conversas apenas com frentes temáticas e inicia uma nova fase de articulação, com as legendas. Abre-se, assim, o espaço para debates sobre o apoio a reformas, sugestões para indicações de cargos para o segundo e terceiro escalões e até sobre a Presidência da Câmara.

A estratégia do presidente eleito em dialogar com frentes parlamentares — e não com bancadas partidárias — era evitar qualquer indício da política de troca de cargos por apoio no Congresso, o “toma lá da cá”. Com essa tática, ele indicou o deputado Osmar Terra (MDB-RS) para o Ministério da Cidadania, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) para o Ministério da Saúde, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) para o Ministério da Agricultura.

O modelo, no entanto, se esgotou. O diálogo dos partidos com o presidente eleito era um pedido reiterado dos parlamentares para a coordenação política de Bolsonaro. O líder do PR, deputado José Rocha (BA), se encontrou em três ocasiões com o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM). “Com o Bolsonaro, será a primeira vez”, afirmou.

A reunião com deputados do MDB e PRB ocorre hoje. Amanhã, Bolsonaro se encontra com a bancada do PR, e também receberá o PSDB, do deputado e senador eleito Izalci Lucas (DF). O parlamentar nega, no entanto, que as reuniões com as bancadas sejam uma mudança do discurso, mas, sim, a coerência pela governabilidade. “Ele não voltou atrás. Apenas sabe que quem escolhe os representantes nas comissões são os líderes. Não há como ter governabilidade e costurar o espaço político nas comissões da Câmara sem os partidos”, explicou.

São os líderes das legendas que indicam os membros de uma comissão. Ou seja, como o governo tem a pretensão de aprovar projetos da agenda econômica e conservadora, será necessário ter o apoio dos partidos para o encaminhamento do processo de votação no Parlamento. Sobretudo para aprovar matérias mais difíceis, como a reforma da Previdência, ressalta o deputado Celso Russomanno (PRB-SP), líder do partido na Câmara.

A aprovação de qualquer reforma que altere regras para aposentadoria de servidores públicos deve ser feita por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que exige 308 votos de deputados e 49 senadores. “O PRB é o partido que mais cresceu depois do PSL. Estamos alinhados e vamos discutir essa questão para sairmos da crise”, sustentou Russomanno. O líder do PRB nega qualquer intenção de condicionar o apoio a Bolsonaro em troca do suporte do PSL à candidatura do deputado João Campos (PRB-GO) à Presidência da Câmara. Admite, no entanto, que é um tema que pode ser conversado. “Pode ocorrer de o assunto ser debatido. Não existe a intenção de abandonarmos a candidatura, e, sim, fortificá-la”, garantiu.

 

Indicações

Embora os líderes desconversem sobre indicações para os segundo e terceiro escalões na equipe do governo, a participação de ex-parlamentares no futuro governo ou de deputados que não conseguiram a reeleição é uma realidade. O deputado Leonardo Quintão (MDB-MG) não conseguiu a reeleição e vai compor uma das secretarias que será responsável por auxiliar Lorenzoni na articulação política, admite o deputado Darcísio Perondi (MDB-RS). “Leonardo me disse que iria cooperar. Tem ótima capacidade para o desempenho dessa função”, ponderou.

Outro político que se uniu ao governo é o deputado Marcos Montes (PSD-MG), confirmado para a secretaria executiva do Ministério da Agricultura. Outro nome ventilado para comandar uma secretaria na pasta é o deputado Valdir Colatto (MDB-SC), também é estudado para ocupar a Secretaria de Agricultura na gestão do governador eleito de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL).

A escolha dos segundo e terceiro escalões deve seguir os mesmos princípios do primeiro escalão, em que políticos e técnicos se dividem na composição da equipe ministerial, admitiu, ontem, Lorenzoni. “Vamos buscar pessoas com capacitação. Nada impede que a bancada indique alguém, mas não com espírito operativo (com intuito de praticar o toma lá da cá)”, declarou. Com o apoio das bancadas, o futuro ministro calcula ter 330 votos na Câmara — podendo chegar a 350 — e cerca de 40 no Senado. “Mas, claro, que ainda tem muita conversa pela frente”, declarou.

O novo modelo de negociações de Bolsonaro era previsto pelo analista político Antônio Augusto, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Para ele, o cenário daqui pra frente aponta para um governo com muitos ex-parlamentares acomodados nos segundo e terceiro escalões. “Primeiro, buscou demonstrar coerência com o discurso apresentado nas eleições e conversou com frentes para evitar a caracterização de loteamento político. Agora, não apenas vai negociar, como recrutar deputados com alguma afinidade em algum setor para se eximir de uma suposta incoerência”, analisou.