Correio braziliense, n. 20336, 24/01/2019. Política, p. 4
De pai para filho: se errar tem que pagar
24/01/2019
O presidente Jair Bolsonaro afirmou que, se ficar provado que o filho mais velho dele, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), cometeu algum delito, ele vai ter de “pagar o preço”. A entrevista foi concedida à TV Bloomberg, ontem, em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial. Para especialistas, a atitude do chefe do Executivo tem alinhamento com o discurso de campanha dele, de não aceitar corrupção no governo.
“Se, porventura, ele vier a errar, se for comprovado, eu lamento como pai, mas vai pagar o preço dessa ação, que nós não podemos coadunar”, disse o presidente. Em entrevista à Rede Record, mais tarde, no entanto, ele foi mais ameno. Bolsonaro disse acreditar no filho e avaliou que “há uma pressão enorme em cima” de Flávio para tentar atingi-lo, com “acusações infundadas” e “arbitrariedade”. “Todos estamos abaixo da lei, mas não é justo fazer isso com o garoto para tentar me atingir”, concluiu.
As declarações ocorrem em meio à polêmica de movimentações bancárias de Flávio Bolsonaro consideradas atípicas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O relatório do órgão foi repassado ao Ministério Público do Rio de Janeiro, que investiga transações bancárias suspeitas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do estado, e de deputados da Casa.
O grupo será investigado pela Receita Federal. O relatório do Coaf mostra que Flávio recebeu, entre junho e julho de 2017, depósitos fracionados no valor de R$ 2 mil, totalizando R$ 96 mil, além do pagamento de um título no valor de R$ 1 milhão. Os dois casos estariam relacionados à compra de imóveis. Flávio disse em entrevista que recebeu os quase R$ 100 mil em dinheiro vivo.
O presidente em exercício, general Hamilton Mourão, usou uma expressão militar para defender a apuração do caso envolvendo Flávio. “Qual é a sigla? Tu já sabe: ‘Apurundaso’. Apurar e punir, se for o caso”, declarou ele ao ser questionado pela imprensa sobre a entrevista de Bolsonaro na Suíça. Mourão negou que Jair Bolsonaro tenha demorado a se manifestar sobre o caso. “Acho que o presidente já tinha declarado isso na primeira vez que surgiu esse assunto.”
Ao apresentar as metas para os primeiros 100 dias do governo do presidente Jair Bolsonaro (leia reportagem na página 5), o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, declarou que o Planalto “não vai perder o norte” e aguardará o andamento das apurações sobre as movimentações financeiras do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Isso aqui eu aprendi com a minha avó bem pequenininho no Rio Grande do Sul”, declarou Onyx, tentando afastar o Planalto do caso. Para ele, é preciso “aguardar” o resultado das investigações. “E o governo não vai perder o norte, o que nós estamos apresentando é um rumo, é mostrar que o governo tem rumo, tem norte, sabe onde quer chegar e está com um objetivo de trabalho.” Onyx reforçou que os assuntos envolvendo a Alerj “estão circunscritas ao que está lá no Rio”.
“Cortar na carne”
Segundo Carlos Alberto Moura, analista político da HC7 Pesquisas, “o discurso do presidente Jair Bolsonaro continua alinhado com a campanha. É tolerância zero. O cara que estiver envolvido em confusões será julgado e punido. Isso retoma aquele pensamento de cortar na própria carne”, acredita.
Carlos Alberto diz, no entanto, que o problema será a oposição remontando as críticas da família Bolsonaro ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso no caso envolvendo o tríplex do Guarujá (SP). “Os filhos do presidente sempre trataram como imperfeitas as declarações de Lula de que ‘não sabia de nada’, que era um santo em meio às denúncias de corrupção em sua família… O discurso de Bolsonaro é mais forte, fala em punição em vez de alegar desconhecimento. Essencialmente, no entanto, a questão sobre o combate à corrupção foi levantada”, emenda.
Lupa do Fisco
A Receita Federal vai fechar o cerco em torno dos deputados estaduais do Rio e de servidores da Assembleia Legislativa do estado envolvidos com movimentações financeiras consideradas atípicas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), conforme noticia o jornal O Estado de S. Paulo. Entre os alvos, estão Flávio Bolsonaro (PSL) e seu ex-assessor Fabrício de Queiroz. A partir desta semana, o Fisco começa a fazer o cruzamento das informações levantados pelo Coaf com as declarações de Imposto de Renda dos citados na Operação Furna da Onça. A apuração envolve 27 deputados e 75 servidores. Desse total, ao menos 28 funcionários e ex-funcionários da Alerj têm movimentação financeira no mesmo padrão da de Queiroz — com recebimentos de outros servidores da Alerj, saque e depósitos em espécie e em dias próximos ao pagamento do salário.
Frase
“Se, porventura, ele vier a errar, se for comprovado, eu lamento como pai, mas vai pagar o preço dessa ação, que nós não podemos coadunar”
Jair Bolsonaro