Correio braziliense, n. 20343, 31/01/2019. Cidades, p. 17
Luiz Estevão torna-se réu por corromper carcereiros
Helena Mader
31/01/2019
JUSTIÇA » Senador cassado, preso desde março de 2016 no Complexo Penitenciário da Papuda, ele é acusado de oferecer vantagens indevidas a agentes para obter regalias. Caso seja condenado, a pena do empresário pode aumentar 12 anos
Condenado a 26 anos de cadeia e preso desde março de 2016, o senador cassado Luiz Estevão pode cumprir mais uma pena. Ele virou réu por corrupção de agentes penitenciários da Papuda, em uma ação penal que tramita na Vara Criminal de São Sebastião. Com a nova denúncia, existe a possibilidade de ele ficar mais 12 anos atrás das grades. O empresário é acusado de oferecer vantagens indevidas a carcereiros para conseguir regalias no sistema penitenciário. Segundo o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), que denunciou Estevão e quatro agentes penitenciários, o acusado negociou terreno, emprego e matérias jornalísticas em seu site de notícias. Em troca, recebia documentos livremente em sua cela, além de itens proibidos, que chegavam em envelopes sem conferência prévia e eram entregues longe das câmeras.
A denúncia foi ajuizada contra Estevão e os agentes penitenciários Fernando Alves da Silva, Rogério Serrano dos Santos, Diogo Ernesto de Jesus e Vítor Espíndola Sales de Souza. A investigação envolveu interceptação telefônica e o cumprimento de mandados de busca e apreensão, além de delação premiada de um dos carcereiros denunciados. De acordo com o MPDFT, em 2016, o senador cassado ofereceu vantagens indevidas aos agentes penitenciários Fernando Alves e Rogério Serrano para obter regalias na cadeia. A denúncia afirma ainda que os agentes Diogo Ernesto e Vítor Espíndola, à época diretor e vice-diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP), praticaram o crime de prevaricação, ao deixarem de tomar providências, mesmo cientes das irregularidades.
A investigação foi conduzida pela Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado, aos Crimes Contra a Administração Pública e aos Crimes Contra a Ordem Tributária (Cecor), da Polícia Civil. Após o indiciamento dos acusados, o caso chegou ao MPDFT, que apresentou a denúncia. O documento é assinado por cinco promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri). No último dia 9, o juiz Carlos Alberto Silva, da Vara Criminal e Tribunal do Júri de São Sebastião, recebeu a denúncia e abriu prazo para apresentação da defesa dos réus. A ação penal tramita em sigilo. Na semana passada, a Vara enviou ofício ao subsecretário do Sistema Penitenciário, Adval Cardoso de Matos, pedindo a citação dos acusados.
Os promotores responsáveis pelo caso relatam que o senador cassado “manteve o controle de seus negócios do interior do sistema prisional, passando a receber grandes volumes de documentos e incontáveis visitas de seus advogados, o que, conforme apurado, também ocorria fora dos horários de expediente e, em diversas oportunidades, sem as necessárias verificações de segurança, oportunizando a entrada de itens não permitidos, entregues em envelopes de correspondência ou entre documentos dirigidos ao empresário”.
Uma das provas de corrupção apontada na denúncia é a cessão de direitos de um terreno ao agente penitenciário Fernando Alves da Silva. O documento repassando a posse do lote ao carcereiro é assinado por Estevão. A denúncia traz documentos relativos ao imóvel entregue pelo empresário ao agente penitenciário. Trata-se de um lote de 18 hectares em Valparaíso (GO), de propriedade do Grupo Ok Construções e Incorporações.
Livre de conferência
Outra vantagem dada ao servidor, de acordo com os promotores do Ministério Público do DF, foi a contratação de uma irmã de Fernando Alves pelo portal Metrópoles, vinculado a Estevão, a pedido do carcereiro. A intermediação foi confirmada pela jornalista, em depoimento. Logo depois da contratação da irmã, o agente carcerário permitiu que uma advogada do empresário entrasse no presídio com um envelope livre de conferência. “Por curiosidade, abriu o envelope e viu que havia chocolates e outros itens, além de documentos”, afirma a denúncia do MP. Os carcereiros teriam colocado o material por baixo da camisa, para não serem flagrados pelas câmeras.
Mais uma vantagem indevida apontada pelo Ministério Público foi publicações de matérias no Metrópoles para beneficiar o agente Rogério Serrano. Ele teria pedido a Luiz Estevão que o site do empresário publicasse reportagens sobre suas atividades como criador de pássaros. As matérias, retiradas do ar pelo portal de Estevão, foram anexadas à denúncia apresentada à Justiça e pode servir como prova para a condenação por corrupção. Em troca da reportagem, o servidor da Papuda facilitou a entrada de envelopes destinados ao senador cassado fora do horário de expediente e livre de conferência.
Negativas
O advogado de Luiz Estevão, Marcelo Bessa, disse que o ex-senador nega, “veementemente, qualquer ato ilícito ou participação em esquemas que envolvam qualquer ilicitude”. A defesa do agente penitenciário Fernando Alves, que fez delação premiada, informou que o servidor “tem colaborado com a apuração dos fatos desde a fase inquisitorial e não mudará esse posicionamento até a efetiva resolução do caso”. A reportagem não localizou a defesa dos outros réus.
O portal Metrópoles esclareceu que não é parte na ação penal e informou que a irmã do agente penitenciário Fernando Alves é funcionária do site desde agosto de 2016 e publicou 9.069 matérias. Em relação à reportagem referente a uma competição envolvendo curiós que, segundo o MPDFT, foi negociada pelo agente Rogério Serrano, o Metrópoles informou que “publica cerca de 180 posts por dia sobre os mais variados assuntos”.
Memória
Chocolate e pen drive
O inquérito que levou à nova denúncia contra Luiz Estevão foi aberto em 2017 para apurar a atuação de uma suposta organização criminosa no interior do sistema prisional do DF. A investigação começou a partir de uma denúncia anônima encaminhada à Vara de Execuções Penais sobre regalias concedidas a presos ilustres no Complexo Penitenciário da Papuda. Em janeiro de 2017, a partir desses relatos, houve diligências no Bloco 5 do presídio, onde foram encontrados alimentos proibidos na cela do senador cassado. Foram apreendidos chocolates, salmão defumado, pacotes de frios, máquina e inúmeras cápsulas de café, além de um pacote de macarrão e de um caderno do empresário. Entre as anotações estavam informações pessoais de servidores da carceragem. Em junho do ano passado, houve mais um flagra de itens proibidos na cela de Estevão, entre eles um pen drive. Por causa desse episódio, o empresário foi transferido para a ala de segurança máxima da Papuda, onde permanece até hoje.
Evidências
Terreno
» O empresário assina a cessão de direitos de um terreno de 18 hectares, em Valparaíso (GO), ao agente penitenciário Fernando Alves. O imóvel era de propriedade do Grupo Ok Construções e Incorporações.
Emprego
» Para obter vantagens indevidas no presídio, como a entrada de envelopes sem conferência, Estevão empregou em seu portal de notícias, o Metrópoles, a irmã do agente penitenciário Fernando Alves.
Reportagens
» Em troca de regalias na Papuda, Luiz Estevão determinou a publicação de matérias de interesse do agente penitenciário Rogério Serrano, em seu site de notícias. O carcereiro é criador de aves e queria se promover no meio.