O globo, n. 31245, 22/02/2019. Artigos, p. 3

 

Planta não é droga

Nelson Motta

22/02/2019

 

 

Não é linguisticamente correto incluir uma planta medicinal que também tem componentes alucinógenos, como a cannabis, entre drogas químicas de alta toxidade, como cocaína, heroína, metanfetamina, ecstasy, crack, opiáceos tarja preta, e a infinidade de design drugs que surge no mercado. Como se fosse tudo a mesma coisa.

Ao contrário de todas as drogas químicas, do álcool e do tabaco, não há notícias de uma única morte por overdose de cannabis. No máximo, um sono profundo e uma fome imensa. E o risco de um vexame público. E de palhaçadas involuntárias. Nada grave ou invalidante.

Há plantas que anestesiam, que desinfetam, que curam dores e feridas, e viram drogas que podem matar. É muito diferente de mascar folhas de coca, que não dão nenhuma onda, só protegem dos efeitos da altitude, e cheirar a cocaína refinada com querosene e acetona, com um alto potencial aditivo e destrutivo.

Pode-se chamar a folha de coca ou o óleo medicinal de cannabis de drogas? A ayahuasca não é uma droga, é um cipó.

Para facilitar a discussão do problema, não seria mais correto separar as “plantas proibidas” das “drogas proibidas”, pela diferença entre seu uso, produção e consequências sociais?

Um grupo de marginais, enlouquecidos de cocaína, anfetaminas e álcool, torna-se feroz e excitado e parte para o crime ansioso por violência.

Outro grupo de marginais prepara um assalto, mas resolve acender unzinho antes da ação, e depois rodar mais um, e começa a fazer planos, e a falar besteiras; vão ficando sonolentos, com fome, e resolvem adiar a operação para o dia seguinte.

A cocaína em excesso provoca impotência, tira o apetite e o sono, e levava Julio Barroso a dizer: “Que droga de otário é essa que você não come, não trepa e não dorme? Logo as melhores coisas da vida! É ou pó ou pau, meu irmão.” É melhor do que qualquer campanha antidrogas.

Ao contrário de drogas químicas perigosas, feitas com não se sabe o quê nem onde, sem nenhum controle, não há cannabis falsificada. A maconha é agro. É pop.