O globo, n. 31242, 19/02/2019. País, p. 4

 

Da fritura à demissão

Karla Gamba

Jussara Soares

19/02/2019

 

 

Bolsonaro exonera Bebianno e tenta encerrar a primeira crise do governo

Com a crise agravada no governo, após chamar o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência de mentiroso, o presidente Jair Bolsonaro tentou colocar um ponto final no caso ao oficializar a demissão de Gustavo Bebianno. Sua equipe de comunicação distribuiu um vídeo no qual o presidente ressalta a “seriedade” do ex-auxiliar, acrescentando que o rompimento ocorreu devido a “diferentes pontos de vista sobre questões relevantes”.

A gravação não foi publicada nas redes oficiais do governo nem do presidente. No vídeo, Bolsonaro adotou tom bem mais ameno que o da semana passada, quando Bebianno foi chamado de mentiroso pelo filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, e pelo próprio presidente em seu Twitter.

— Agradeço ao senhor Gustavo pelo esforço e empenho quando exerceu a direção nacional do PSL e continuo acreditando na sua seriedade e na qualidade do seu trabalho — afirmou o presidente no vídeo.

"Foro íntimo"

Segundo o porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros, o general Floriano Peixoto Vieira Neto, que ocupava o cargo de secretário-executivo do ministério, será o novo ministro da Secretaria-Geral. Com a nomeação dele, Onyx Lorenzoni, que ocupa a Casa Civil, será o único ministro sem patente militar a despachar do Palácio do Planalto. Floriano Peixoto será o oitavo militar no primeiro escalão do governo.

Um pouco antes, Rêgo Barros leu nota oficial na qual comunicou a decisão de Bolsonaro de demitir Bebianno. Ao responder sobre a razão da exoneração, Rêgo Barros explicou que foi uma questão de “foro íntimo” do presidente. No pronunciamento, ele não respondeu às principais perguntas sobre a crise, nem sobre a demora no anúncio. Rêgo Barros disse apenas que Bolsonaro usou o “tempo necessário” pensando na decisão.

— O presidente agradece sua dedicação à frente da pasta e deseja sucesso na nova caminhada — afirmou Rêgo Barros.

O porta-voz negou ainda que o governo tenha intenção de fazer mudanças nas atribuições da pasta:

— O general Floriano passará a ser o secretário-geral da Presidência de forma definitiva e não há a possibilidade de mudanças na estrutura da pasta.

O processo de desgaste de Bebianno começou com denúncias envolvendo supostas irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL, partido dele e de Bolsonaro, publicadas pelo jornal “Folha de S. Paulo”. Bolsonaro e os filhos, no entanto, acusam o ex-coordenador da campanha de vazar informações para a imprensa, o que ele nega.

A fritura do ministro ocorria desde a transição, quando o presidente esvaziou a Secretaria-Geral da Presidência para tirar poderes de Bebianno, que é desafeto do vereador do Rio Carlos Bolsonaro. Durante todo o período de mudança de governo, Bebianno evitou declarações à imprensa e se cercou de militares em seu gabinete como modo de se blindar no Planalto.

Embaixada em Roma

Uma saída negociada chegou a ser tentada por Bolsonaro, que ofereceu um cargo a Bebianno na usina hidrelétrica Itaipu Binacional. Ele recusou. À imprensa, disse que não precisava de “emprego” ou “dinheiro”.

Em uma última tentativa de manter Bebianno no governo, o presidente o convidou para comandar a embaixada de Roma. A proposta, segundo interlocutores do Planalto, foi levada ao exauxiliar no sábado por Onyx Lorenzoni. Bebianno também não aceitou.

Agora, fora do governo, Bebianno diz que voltará a advogar. Segundo o empresário Paulo Marinho, um dos mais próximos aliados do ex-ministro, ele não descarta seguir na política.

O episódio é visto por aliados, especialmente os militares do entorno do presidente, como um mau sinal da interferência dos filhos de Bolsonaro na gestão. Carlos chegou a compartilhar um áudio do presidente para Bebianno como forma de comprovar que não houve uma conversa entre os dois. Bebianno afirmara ao GLOBO que havia falado com Bolsonaro para mostrar que não estava desgastado com o chefe.

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A 2ª demissão mais rápida desde a redemocratização

Marlen Couto

19/02/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Bebianno ficou só 49 dias no cargo; caso só perde para saída de Jucá do governo Temer quando falou sobre ‘estancar a sangria’

Com a saída de Gustavo Bebianno da SecretariaGeral, a gestão do presidente Jair Bolsonaro tem a segunda demissão de um ministro mais rápida em um início de governo desde a redemocratização.

A queda de Bebianno, 49 dias após tomar posse, só não foi mais rápida que a de Romero Jucá, em 2016, quando o então ministro do Planejamento de Michel Temer pediu licença do cargo 11 dias após assumilo. Na época, foram divulgadas gravações em que Jucá falava de um pacto para “estancar a sangria” decorrente da Lava-Jato.

Desde o governo Sarney, a primeira demissão no alto escalão ocorreu, em média, com 178 dias de governo, ou seja, pouco mais de seis meses após o presidente tomar posse. O levantamento foi feito, a pedido do GLOBO, pelo cientista político e pesquisador Paulo Franz, do Observatório de Elites Políticas e Sociais, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Para Franz, especialmente após as manifestações de junho de 2013, a rotatividade ministerial tem sido mais intensa:

—As redes sociais, sem dúvida, têm cumprido um papel central nas decisões e recuos dos últimos governos. Da mesma forma, a tentativa de acomodar partidos nos ministérios de forma que se conquiste apoio suficiente num parlamento ultrafragmentado leva o governo a recrutar atores e legendas pouco disciplinados. É o retrato da fraqueza institucional brasileira —avalia .

A maioria das primeiras demissões ocorreu sob condições não favoráveis, marcadas por escândalos ou crises internas. A saída de Bebianno se enquadra nos dois critérios.

O ministro caiu após denúncias envolvendo supostas irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL e em meio ao seu degaste com o vereador Carlos Bolsonaro (PSCRJ), filho do presidente.