O globo, n. 31242, 19/02/2019. Rio, p. 11

 

Banho de sangue

Ana Carolina Torres

Célia Costa

Diego Amorim

Giselle Ouchana

19/02/2019

 

 

Em encontro marcado pela internet, mulher é espancada por quatro horas

Ao receber em casa Vinícius Serra, lutador de jiu-jítsu que conheceu em rede social, Elaine Caparróz foi espancada por quase quatro horas. Ela está no hospital, com fraturas no rosto e lesões pelo corpo. Ele, que já agrediu o irmão com deficiência, foi preso em flagrante graças ao porteiro. Foram sete horas em poder do inimigo. A noite, no entanto, começou como quase todo primeiro encontro, com doses de expectativa e até romantismo, depois de oito meses de conversas pelas redes sociais. Por volta das 22h30m de sábado, a empresária Elaine Peres Caparróz, de 55 anos, abriu a porta de seu apartamento na Barra para o estudante de Direito e lutador de jiu-jítsu conhecido como Vini sem saber que correria risco de morte. Por pouco, não morreu. O prontuário médico não deixa dúvidas: ela foi levada para o CTI de um hospital particular do Rio desfigurada, depois de apanhar de forma intermitente, sem trégua, da 1h até as 5h. Os socos lhe deixaram com hematomas e fraturas no rosto, que, irreconhecível, terá de passar por cirurgias de reconstrução.

O corpo de Elaine é um mapa detalhado da brutalidade à qual foi submetida: os olhos, de tão inchados, mal abrem, e braços e pernas têm tantos hematomas sobrepostos que pedaços inteiros de pele ganharam um tom púrpura uniforme. Há marcas de mordidas, profundas, principalmente nos antebraços, usados desesperadamente para se defender. Atlética e com ótimo condicionamento físico graças à paixão por trilhas, ela não foi capaz de conter o agressor.

A surra só parou quando os gritos de Elaine foram ouvidos. Ela foi achada no chão, sem roupa. Vinícius tentou fugir diante da mobilização de vizinhos, mas, graças a um porteiro, que ordenou que todas as saídas do condomínio fossem fechadas, ele acabou sendo preso em flagrante. Ontem à noite, a Justiça decretou a prisão preventiva do estudante, que vai responder por tentativa de feminicídio, que tem pena de 20 a 30 anos de prisão. Sua primeira versão para o espancamento, na delegacia, foi que não sabe o que aconteceu porque “surtou”.

Pesadelo após jantar

Elaine, mesmo com os apagões provocados pelo trauma, começou amontar o quebra-cabeça do encontro, cujo desfecho foi um banho de sangue em seu apartamento, logo após dar entrada na emergência. Num primeiro relato em vídeo, gravado por uma amiga, ela lembrou, perplexa, apenas o grau de fúria de Vinícius. Com visível dificuldade para falar, Elaine, que tinha acabado deter aparte internada boca costurada com quase 40 pontos, contou a parte do pesadelo que não lhe sai da cabeça, pelo pavor e pela incompreensão. Ela pontuou que o agressor era lacônico, só se pronunciava com golpes:

—E lenão falava, só gritava e me xingava, emedava vários murros com uma força muito absurda. Eu tentava me defender, mas sentia os murros acertando meu rosto. Cada murro que ele me dava, eu pensava que ia morrer.

Pelo apartamento, ficaram os rastros do desespero. Há sangue por todos os cômodos do pequeno imóvel por onde a empresária tentou escapar, agarrando-se em móveis, cravando as unhas nas paredes. Imagens feitas pela perícia policial ajudam a construir o cenário. No imóvel, há sangue nas paredes e no chão, e móveis quebrados.

Lidiane de Paula, que gravou o vídeo de Elaine, disse que a amiga contou que o jantar transcorreu normalmente, e Vinícius foi educado. Tudo parecia dentro do script até que ele propôs que vissem um filme. Fez questão que fosse de terror. Poderia se dizer que, neste ponto, passou a pairar uma sombra, mas nada que indicasse um desfecho violento. A contragosto, Elaine aceitou e, entre uma cena e outra, ele comentou que um amigo desejava matar uma pessoa. Sem imaginar que aquilo era o prenúncio do pavor que seria infligido a ela mesma, Elaine reagiu como se respondesse a uma frase motivada pelo enredo da TV. “Nossa, esse seu amigo é louco, não se mata ninguém. Deus é quem faz justiça”. Foi só, e pegou no sono, logo após concordar que ele dormisse em sua casa, pois já era tarde. Ela acordou por volta da 1h, com um soco.

— É muito macabro. Não teve um ponto de partida. Simplesmente acordou sendo espancada. Ela está se lembrando das coisas aos poucos. Contou que, durante o jantar, ele foi educado e a chamava de linda, muito linda — disse Lidiane, que faz planos de abrir um negócio no ramo de estética com Elaine, que já foi dona de um quiosque no Recreio. —Ela relatou que, com o início das agressões, implorou pela vida e chegou a oferecer dinheiro ao Vinícius, mas nada adiantou. Elaine não para de perguntar: “Amiga, por que ele fez isso comigo?”

Chocado, o irmão de Elaine, o programador Rogério Peres, de 45 anos, disse que não a reconheceu quando chegou ao hospital Casa de Portugal, no Rio Comprido.

— Aquela pessoa que está ali, desfigurada, não parece a minha irmã. Cada vez que chego para ver a Elaine, fico chocado. Não tem como me acostumar com a imagem que ela ficou — afirmou Rogério, emocionado.

Filho volta ao Brasil

Elaine aceitou um pedido de Vinícius para segui-la no Instagram, uma rede social de compartilhamento de fotos. Ela contou aos amigos e parentes tê-lo aceitado porque viu que o estudante era lutador de jiu-jítsu, esporte com o qual tem uma relação de vida. Ela foi casada com Ryan Gracie, da tradicional família de lutadores, que morreu, em 2007, numa delegacia em São Paulo depois de, sob efeito de drogas, ter se envolvido no roubo de um carro e uma moto.

Elaine teve um filho com Ryan, que hoje está com 17 anos, mor anos Estados Unido set ambé mé lutador de jiujítsu.Ont em, aond ade solidariedade a Elaine tomou as redes sociais echegouàp ágina do rapaz noFa cebo ok. Ele, que está vindo ao Brasil para ficar co mamãe, fez apena suma postagem em sua página, no domingo: “Te amo, mãe”. Em 12 horas, a postagem teve mais de 4,5 mil curtidas e mais de 460 comentários.