Correio braziliense, n. 20342, 30/01/2019. Opinião, p. 15

 

Queda do crescimento global: um pouco ou muito?

30/01/2019

 

 

Semana passada o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou uma atualização das suas projeções econômicas, apostando em menor crescimento global. O Fundo agora vê o PIB mundial crescendo 3,5% este ano e 3,6% em 2020, respectivamente 0,2 e 0,1 ponto percentual (pp) a menos do que projetava há três meses. A principal revisão se deu nos países emergentes, em especial México, Rússia, Europa emergente e África Subsaariana. Entre os países ricos, a maior revisão foi na Área do Euro, com destaque para Alemanha e Itália. Não é só o FMI que prevê que a economia mundial vai desacelerar, depois da alta de 3,7% em 2018 — a maior da década, fora a recuperação de 2010/11, na esteira da recessão de 2009.  Estados Unidos e China devem ter maior queda de crescimento, nos dois casos de 0,4 pp, contra queda de 0,2 pp na Área do Euro. Três fatores principais explicam esse resultado.

Primeiro, depois de uma década de forte expansão da liquidez global, em 2018 o mundo entrou em um período de “aperto quantitativo”, que levou à piora das condições financeiras globais. Esse processo foi liderado pelos EUA, onde o FED (Banco Central norte-americano) está contraindo seu balanço ao ritmo de US$ 50 bilhões por mês, e pela China, onde o governo busca reduzir o mercado paralelo de crédito, com repercussões especialmente fortes sobre o setor privado. Na Europa, não há um aperto, mas o fim do afrouxamento monetário, o que é também uma mudança relevante.

Segundo, o risco político aumentou, ajudando a travar os investimentos. Isso é mais evidente na Europa: na Itália, o governo populista briga com a Comissão Europeia; na França, os coletes amarelos ocupam as ruas de Paris e colocam em dúvida as reformas de Macron; na Alemanha, o enfraquecimento de Angela Merkel reduziu a capacidade de liderança do país; no Reino Unido, ninguém sabe como o país sairá da União Europeia nem se sairá. Tudo isso pode ficar ainda mais complicado se os partidos populistas forem bem votados nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio.

O risco político também subiu em outras partes do mundo. Um exemplo é o fechamento parcial do governo americano (shutdown) por cinco semanas, levando a perdas de bilhões de dólares. Mais crises virão com o acirramento do conflito entre Trump, na Presidência, e os democratas, no controle da Câmara dos Deputados. No México, a troca de governo também elevou o risco político, assim como no Brasil, em que pese nosso risco país ter caído nos últimos meses.

O terceiro fator é a guerra comercial liderada pelos EUA. Ela começou com a briga com o México e o Canadá, que levou à revisão do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), mas depois atingiu uma nova escala no confronto com a China, onde ajudou a derrubar a confiança de empresas e consumidores. Também há notícias de empresas multinacionais procurando transferir a produção para fora da China, mas não está claro se esse será um processo bem-sucedido.

A dúvida que se coloca agora é se a desaceleração global se dará da forma suave como indicam projeções como a do FMI. De um lado, há quem tema uma queda mais pronunciada do crescimento, apontando, entre outros, para o menor impulso fiscal nos EUA, o efeito defasado do aperto monetário feito pelo Fed em 2018 e o risco de recrudescimento da guerra comercial, agora com disputas entre os EUA e a Área do Euro sobre o setor automobilístico. De outro, há quem acredite que a desaceleração, em especial nos EUA, pode ser pequena e insuficiente para conter as pressões inflacionárias, o que forçará o Fed a deixar a postura acomodatícia do último mês. Isso fortaleceria o dólar e levaria a novas saídas de capital dos emergentes, com repercussões negativas sobre o crescimento desses países.

Os dois cenários são possíveis. No primeiro semestre, a tendência é de que se observe o cenário do Fundo, com o Fed segurando os juros, e talvez desacelerando a redução do seu balanço, e a China adotando um pacote de estímulos que, sem repetir os do período pós-crise internacional, vá além do afrouxamento monetário dos últimos meses. Só no segundo semestre, porém, saberemos se isso foi suficiente e se a inflação americana permaneceu bem-comportada. Para o Brasil, o cenário do FMI é favorável. (...)

 

ARMANDO CASTELAR

Coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/URFG