Correio braziliense, n. 20342, 30/01/2019. Mundo, p. 16
Ofensiva contra Guaidó
Rodrigo Craveiro
30/01/2019
VENEZUELA » Tarek William Saab, procurador-geral, pede ao Tribunal Supremo de Justiça que proíba Juan Guaidó de abandonar o país e congele suas contas. EUA ameaçam, com "sérias consequências", quem tentar %u201Csubverter a democracia%u201D e prejudicar líder interino
Na tentativa de neutralizar as ações do presidente encarregado da Venezuela, Juan Guaidó, o procurador-geral Tarek William Saab solicitou ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ, de linha governista) que proíba o opositor de deixar o país, o impeça de realizar transações financeiras e congele suas contas bancárias. Assim que chegou ao Palácio Federal Legislativo, sede da Assembleia Nacional, Guaidó não demonstrou surpresa com a ofensiva do regime de Nicolás Maduro. “Não há ‘nada de novo sob o sol’. Infelizmente, é um regime que não dá resposta aos venezuelanos, a única resposta é a perseguição, a repressão”, declarou à imprensa. “Nós seguiremos em nossas funções. (…) Não desestimo as ameaças nem a perseguição.”
Primeiro governo a reconhecer o líder interino, os Estados Unidos subiram o tom ontem e mandaram novo recado ao Palácio de Miraflores, sede do Executivo. “Permita-me reiterar: haverá sérias consequências para aqueles que tentarem subverter a democracia e prejudicar Guaidó”, tuitou John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca.
Na segunda-feira, os EUA impuseram sanções à petroleira estatal venezuelana PDVSA, uma decisão repudiada pela Rússia, que classificou as medidas de “ilegais”, acusou o presidente Donald Trump de ingerência em Caracas e avisou que tem o interesse de defender seus interesses na Venezuela. Para Guaidó, as represálias à PDVSA visam “evitar que o regime prossiga com o saque”. “O país poderá utilizar estes recursos, uma vez cessada a usurpação”, disse o líder interino. Washington recomendou aos cidadãos que evitem visitar o país sul-americano. “Não viajem à Venezuela devido aos crimes, agitação social, infraestruturas de saúde deficientes e prisões e detenções arbitrárias de cidadãos americanos”, advertiu o Departamento de Estado dos EUA.
Em sessão ordinária, a Assembleia Nacional aprovou, em primeira discussão, a chamada “lei do estatuto que rege a transição à democracia e o restabelecimento da vigência da Constituição”. “Também repudiamos as agressões cometidas pelas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas contra o povo venezuelano. Mais de 800 pessoas foram detidas, incluindo 77 crianças e adolescentes, e dezenas assassinadas. Os funcionários do regime estão violando os direitos humanos. Por isso, invocamos distintos instrumentos de caráter supranacional para que a comunidade internacional atue na responsabilidade de proteção”, afirmou ao Correio a deputada Larissa González.
Desespero
De acordo com a parlamentar, as medidas solicitadas por Saab são “desesperadas”. “Com tudo o que estamos passando, nenhum de nós, deputados, se importaria em receber tais sanções. Nós, deputados, não recebemos salário. É óbvio que Guaidó não pretende abandonar o país”, comentou González. Ela assegura que o regime de Maduro está em “contagem regressiva”. “É uma questão de horas, dias ou semanas, mas ele não resiste mais”, admitiu, ao explicar que a Assembleia Nacional nomeará um novo procurador-geral “que responda aos interesses do povo”.
Americo De Grazia, deputado opositor do partido CausaR, criticou a postura de Saab. “É um ato soberano de ridículos. Não devemos dar-lhe transcendência”, disse à reportagem. Ele admitiu temer pela segurança do presidente encarregado. “Eles sempre podem ser capazes de ir além. Depois de ‘suicidarem’ o vereador Fernando Albán, deterem o deputado Juan Requesens e ameaçarem os filhos de Julio Borges (ex-presidente da Assembleia Nacional), podem, efetivamente, agredir Guaidó. Sabe por quê? Porque eles têm medo, estão encurralados, derrotados dentro e fora do país”, disparou.
Ao fim da sessão de ontem, o deputado Juan Pablo Guanipa usou o Twitter para denunciar agressões supostamente cometidas por chavistas. “Grupos pagos pela ditadura, com sinais de alteração por uso de drogas ou de álcool, nos agrediram fisicamente. A cada minuto que passa estamos mais próximos da liberdade! Venezuela! Deus conosco!”, escreveu.
Maduro assistiu, ontem, a manobras militares do Estado Maior Superior, na Base Aérea El Libertador, no departamento (estado) de Aragua. “A Venezuela necessita de uma Força Armada à altura, de mais alto nível, leal à pátria e ao povo, que garanta a integridade, a paz territorial, a união cívico-militar e a defesa da Constituição”, destacou, ao citar a meta de chegar a 2 milhões de milicianos antes de 13 de abril, com a criação de mais 50 mil unidades de defesa popular. Maduro tachou os rumores de que 5 mil soldados americanos se mobilizam na Colômbia de uma “guerra psicológica infantil”.
Frases
“Permita-me reiterar: haverá sérias consequências para aqueles que tentarem subverter a democracia e prejudicar Guaidó”
John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca
“Não há ‘nada de novo sob o sol’. Infelizmente, é um regime que não dá respostas aos venezuelanos, a única resposta é a perseguição, repressão”
Juan Guaidó, presidente encarregado da Venezuela
Parlamento nomeia representantes diplomáticos
Em uma medida para legitimar o governo de Juan Guaidó, a Assembleia Nacional designou “representantes diplomáticos” para uma dezena de países que o reconhecem como chefe de Estado interino. O deputado Julio Borges (E), ex-presidente do parlamento, terá a missão de representar o novo governo ante o Grupo de Lima — bloco formado por 14 países, incluindo o Brasil, dos quais 11 avalizam Guaidó. Carlos Vecchio (D), coordenador do partido Voluntad Popular, foi nomeado para atuar nos Estados Unidos. As designações também abarcam Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Equador, Honduras, Panamá e Peru.
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