Correio braziliense, n. 20333, 21/01/2019. Política, p. 2

 

Flávio Bolsonaro sob forte pressão

Gabriela Vinhal e Lucas Valença

21/01/2019

 

 

NOVO GOVERNO » Novas revelações sobre movimentações financeiras de ex-assessor e o pagamento de um título de R$ 1 milhão aumentam a cobrança por explicações do senador eleito. Mourão afirma que o caso não tem relação com o governo

As novas denúncias contra um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), aumentam a pressão na Esplanada. Eleito com o discurso de combate à corrupção o com a promessa de uma política reinventada, o presidente precisa lidar não apenas com os escândalos envolvendo a família na Justiça, mas com as divergências entre ministros, militares e congressistas correligionários. Com 21 dias no comando da administração federal, a gestão do presidente já é marcada por recuos e declarações desencontradas de integrantes do primeiro escalão.

Mais detalhes revelados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)  sobre outros valores de movimentações financeiras na conta-corrente do ex-assessor Fabrício Queiroz, que trabalhava com Flávio, e o pagamento de um título bancário da Caixa Econômica Federal no valor de R$ 1.016.839 elevaram a temperatura em torno do caso. Um novo trecho do relatório denuncia as transações bancárias atípicas do filho do presidente; entretanto, o Coaf não conseguiu identificar o favorecido, tampouco há a data para o depósito e ou qualquer outro detalhe do pagamento. Entre junho e julho de 2017, o órgão também contabilizou 48 depósitos na conta de Flávio e todas no mesmo valor: R$ 2 mil, o limite permitido em dinheiro nos caixas automáticos da Alerj.

No total, foram R$ 96 mil em cinco datas: 9 de junho de 2017, com 10 depósitos no intervalo de cinco minutos; 15 de junho de 2017, com mais cinco depósitos, em 2 minutos; 27 de junho de 2017, com outros 10 depósitos, em três minutos; 28 de junho de 2017, com mais oito depósitos, em quatro minutos; e 13 de julho de 2017, quando foram registrados 15 depósitos, em seis minutos. Em entrevista à TV Record, na noite de ontem, Flávio afirmou que o pagamento de R$ 1 milhão é referente a um apartamento que ele comprou. Os depósitos, por sua vez, fazem parte da quitação de parcelas do imóvel a uma construtora, que depois terminou de pagar o restante da dívida diretamente com a Caixa, banco responsável pelo financiamento da obra, e também de movimentações financeiras da empresa dele. Ainda segundo o senador eleito, ele vendeu o apartamento e recebeu uma quantia da transação em dinheiro. Dessa forma, ele fez 48 depósitos, sendo cada um de R$ 2 mil — limite do banco —, para a própria conta.

 

“Surpresa”

Além disso, novos arquivos do Coaf, revelados pelo jornal O Globo, apontam outras movimentações bancárias “atípicas”. No entanto, dessa vez, no valor total de R$ 7 milhões na conta de Fabrício Queiroz, entre 2014 e 2017. De acordo com o documento, além do valor de R$ 1,2 milhão movimentado entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, revelado pelo órgão em dezembro do ano passado, o ex-assessor teve outras movimentações, em 2014 e 2015, de R$ 5,8 milhões. Entretanto, o advogado Paulo Klein, que defende Queiroz, disse ontem que desconhece os vultosos valores registrados na conta de seu cliente desde 2014.

“Eu tinha pedido na semana passada para ter acesso a essas informações e foi dito que isso não tinha sido documentado na investigação. Pedi cópia das informações do Coaf e também de eventuais testemunhas que tenham sido ouvidas. Não entregaram. Disseram: ‘Doutor, não tem nenhuma informação do Coaf depois daquela’. Para mim foi uma surpresa a imprensa ter tido essa informação sem a defesa ter tido acesso primeiro”, afirmou Klein.

Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão, que assumiu interinamente a Presidência da República (leia matéria na página 3), afirmou à agência de notícias Reuters que o caso de Flávio Bolsonaro não tem impacto no governo. “É preciso dizer que o caso Flávio Bolsonaro não tem nada a ver com o governo”, minimizou Mourão, que disse ser necessário esperar a conclusão das investigações. Apesar do posicionamento do vice-presidente, as novas denúncias têm incomodado o núcleo militar próximo de Bolsonaro. Integrantes das Forças Armadas cobram que Flávio se explique à população, de maneira convincente, sobre as suspeitas que pairam sobre ele, como estratégia para tentar blindar o novo governo das acusações.

Ao Correio, um integrante do alto escalão do Exército afirmou que, apesar do descontentamento da cúpula, o governo não chegaria ao ponto de entregar o filho do presidente para o sacrifício. “Nunca”, disse ele. Inclusive, apesar da crise, militares acreditam que o presidente ainda deve manter o filho próximo a ele. “Por exemplo, se rastrear o fluxo desse dinheiro e chegar a algum fundo eleitoral, aí, vai complicar novamente. Pode crescer para todos os lados, só tende a piorar. Cada vez mais difícil de controlar essa história”, afirmou. A ideia também é evitar que as suspeitam afetem as articulações com o Congresso.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pretende retornar à Presidência da Casa, saiu em defesa de Flávio. O alagoano já foi muito criticado pela família Bolsonaro, mas se antecipou no jogo político e criou uma situação delicada para os articuladores do Planalto. Flávio Bolsonaro deve, portanto, assumir os trabalhos em fevereiro, fragilizado. A fonte ressalta que o futuro parlamentar terá “sérias dificuldades” neste início de mandato e não deve ocupar a função que pretendia, de ser um interlocutor da Presidência. “Estamos perto de empossar os novos congressistas. A questão será o clima em que ele assume o Senado”, explicou.

 

Movimentações atípicas

Confira a cronologia das transações bancárias

 

2016 e 2017

Fabrício Queiroz, ex-assessor e ex-motorista do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), movimentou em uma conta o total de R$ 1.236.838 entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017. Durante esse período, segundo o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), Queiroz fez saques em espécie no total de R$ 324.774 e teve R$ 41.930 em cheques compensados. Na época, um dos favorecidos foi a primeira-dama, Michele Bolsonaro, que recebeu cheque no valor de R$ 24 mil.

 

Dezembro de 2018

No fim de 2018, relatório do Coaf apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O documento revelou a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz.

Queiroz foi intimado pelo Ministério Público para depor duas vezes. Entretanto, nunca compareceu ao órgão. Na primeira vez, os advogados afirmaram que “não tiveram tempo hábil para analisar os autos da investigação” e pediram cópias de documentos, além de terem justificado a ausência por conta de uma “inesperada crise de saúde”. Na segunda vez, a defesa do investigado foi à sede do MP para informar que seu cliente precisou ser internado “para realização de um procedimento invasivo com anestesia”.

 

Janeiro de 2019

No último dia 10, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro também não compareceu ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para depor sobre o caso.  Ele havia sido convidado pelos promotores.

Na quinta-feira passada, a pedido de Flávio Bolsonaro, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou suspender provisoriamente o procedimento investigatório aberto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para apurar as movimentações financeiras de Fabrício Queiroz.

 

R$ 1,2 milhão são, na verdade, R$ 7 milhões

Além dos R$ 1,2 milhão que foram movimentados entre os meses de 2016 e de 2017, passaram pela conta-corrente de Fabrício Queiroz mais R$ 5,8 milhões nos dois exercícios imediatamente anteriores. Ou seja, no total, o ex-assessor de Flávio movimentou R$ 7 milhões em três anos.

 

R$ 1 milhão em boleto sem identificação do favorecido

Um novo trecho do relatório do Coaf sobre o caso envolvendo Flávio Bolsonaro e Queiroz afirma que o senador eleito realizou um pagamento de R$ 1.016.839 de um título bancário da Caixa Econômica Federal. O Coaf diz que não conseguiu identificar o favorecido. Também não há data e nenhum outro detalhe do pagamento.

Entre junho e julho de 2017, o filho de Bolsonaro recebeu 48 depósitos. Todos no valor de R$ 2 mil, o limite permitido em dinheiro nos caixas automáticos da Alerj. No total, foram R$ 96 mil em cinco datas:

 

9 de junho de 2017:

10 depósitos, no intervalo de cinco minutos;

 

15 de junho de 2017

Mais cinco depósitos, em dois minutos;

 

27 de junho de 2017

Outros 10 depósitos, em três minutos;

 

28 de junho de 2017

Mais oito depósitos, em quatro minutos;

 

13 de julho de 2017

15 depósitos, em 6 minutos.

 

Frase

"É preciso dizer que o caso Flávio Bolsonaro não tem nada a ver com o governo”

Hamilton Mourão, vice-presidente, que assumiu ontem a Presidência da República interinamente