O globo, n. 31244, 21/02/2019. País, p. 4

 

'Líderes' do governo

Amanda Almeida

Bruno Góes

Karla Gamba

21/02/2019

 

 

Maia e Alcolumbre assumem articulação, e Planalto oferece emendas e cargos

Pressionado por aliados em meio ao vácuo na articulação política, o governo decidiu ontem acelerar a liberação de emendas parlamentares e atender a indicações políticas para cargos do segundo e terceiro escalões. O recado sobre a “ansiedade de parlamentares pela participação no governo” foi levado ao presidente Jair Bolsonaro pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em almoço com a participação do ministro Onyx Lorenrozi (Casa Civil) e do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).

Os dois reforçaram que o DEM está disposto a liderar a articulação pela aprovação da reforma da Previdência, mas que o governo precisa dar condições ao partido para negociar com os deputados e senadores.

A pressão funcionou, e o DEM saiu com mais capital político. Único partido com um ministro civil no Palácio do Planalto depois da saída de Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), a sigla ganhou tinta para a caneta de Lorenzoni. O ministro e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) serão os responsáveis pela avaliação dos nomes indicados pelos parlamentares para o governo e pela triagem das emendas impositivas. O governo fala em acelerar a liberação de R$ 3 milhões para cada parlamentar. Para tentar tirar o carimbo de “toma lá, dá cá”, o discurso é que serão observados os seguintes critérios para aceitar indicações: os nomes têm de ser técnicos, sem pendência na Justiça, com aval da Controladoria-Geral da União (CGU) e com “consentimento” de cada ministro da pasta.

Duas derrotas

Maia e Alcolumbre conduzirão, no Congresso, a tramitação da reforma da Previdência, apresentada ontem. Eles já vinham sendo chamados nos corredores do Congresso de “líderes do governo” — e a tendência é que, a partir de agora, esse papel se torne efetivo. Na Câmara, o líder oficial, Major Vitor Hugo, vem sofrendo resistência até em seu próprio partido. No Senado, até ontem, quando Fernando Bezerra Coelho (MDBPE) foi anunciado líder, a articulação política do governo estava acéfala. Com esse quadro, nas últimas semanas, Alcolumbre e Maia já haviam ocupado o vácuo, recebendo parlamentares e assumindo a defesa da reforma da Previdência.

Alcolumbre e Maia chegaram ao almoço levando as duas primeiras derrotas do governo nas duas Casas, consideradas exemplares da desarticulação política do governo. Na terça-feira, apesar de forte atuação contrária do PSL, os senadores aprovaram convite para Bebianno prestar depoimento à Casa. Na Câmara, a derrota veio à noite, com a ajuda do DEM. Os deputados aprovaram, por 367 a 57 votos, um projeto que susta os

efeitos de um decreto do governo que alterou regras de transparência ampliando a lista de servidores com poder para classificar documentos como sigilosos.

No dia seguinte às derrotas, o governo fez um esforço ontem para tentar tornar realidade o discurso de que a crise política é “página virada”. Além do almoço com o DEM, à tarde o presidente tentou organizar a “própria casa” em reunião com a bancada do PSL, que já mostrou o desalinho nas primeiras votações na Câmara.

O tamanho do trabalho político que o Planalto tem pela frente para aprovar a reforma, com três quintos dos votos nas duas Casas, foi desenhado pelo novo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, ontem, que admitiu não saber qual a base governista:

— Nós não sabemos ainda (o tamanho da base governista). É uma renovação muito grande, tanto na Câmara quanto no Senado.

Flávio Bolsonaro (PSLRJ), um dos filhos do presidente, foi outro a assumir a dificuldade, ao cumprimentar Bezerra em plenário:

—Não tenho dúvida de que (Bezerra) vai fazer um grande trabalho para melhorar essa interlocução que precisa, sim e muito, ser aprimorada desta Casa com o governo federal, assim como na Câmara.

Um triunfo

O governo teve ontem sua primeira vitória no Senado, atribuída nos corredores muito mais ao ministro Sergio Moro (Justiça) do que ao Planalto. O plenário aprovou projeto que trata do congelamento de bens de alvos ligados a organizações terroristas. Era uma exigência do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), sob pena de o país sofrer sanções internacionais. O texto segue para sanção ou veto do presidente.

Opinião do Globo

Mérito

A REJEIÇÃO, pela Câmara, do decreto presidencial que ampliava o número de pessoas capacitadas a classificar documentos como sigilosos, a primeira derrota de Bolsonaro na Casa, é interpretada como recado dos parlamentares ao governo, alerta para as dificuldades que o presidente terá na tramitação de projetos, caso não trate bem os políticos.

PODE SER, mas deve-se considerar que o decreto significava um retrocesso na busca pela transparência dos atos oficiais diante da sociedade. Pode ter sido mesmo um recado, mas com mérito.

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Fernando Bezerra já foi alvo de delação na Lava-Jato

Aguirre Talento

21/02/2019

 

 

Odebrecht e Galvão Engenharia envolveram o líder do governo no Senado no recebimento de propinas; senador nega

O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), escolhido como líder do governo Bolsonaro, já foi delatado na Lava-Jato pelas empreiteiras Odebrecht e Galvão Engenharia sob acusação de receber propina de obras contra a seca, referente ao período em que foi ministro da Integração do governo Dilma Rousseff.

Por causa desses fatos, o senador é investigado em um inquérito iniciado no Supremo Tribunal Federal (STF) e remetido à primeira instância. Em sua delação premiada, João Pacífico, ex-executivo da Odebrecht, afirmou que se reuniu pessoalmente com Bezerra no ministério da Integração em 2013 para saber se havia disponibilidade orçamentária do governo federal para concluir as obras do Canal do Sertão em Alagoas, tocadas pela Odebrecht. Na conversa, ele teria lhe pedido doações para a campanha.

Segundo Pacífico, a Odebrecht repassou, então, R$ 1 milhão em dinheiro vivo para um interlocutor de Bezerra. Em outra delação, do ex-diretor da Galvão Engenharia Jorge Henrique Marques Valença, Bezerra também foi acusado de receber um percentual de propina referente a contratos do Departamento Nacional de Obras contra a Seca.

Procurada, a defesa de Bezerra, feita por André Callegari, disse acreditar “que essas investigações serão refutadas na integralidade tendo em vista que estão alicerçadas única e exclusivamente na palavra dos colaboradores, sem qualquer outro elemento de prova”.