O globo, n. 31243, 20/02/2019. País, p. 8
Câmara impõe primeira derrota ao governo
Eduardo Bresciani
20/02/2019
Deputados votaram contra mudança nas regras de transparência de documentos públicos. Revés acontece na véspera de Bolsonaro levar à Casa sua proposta para a Previdência e expõe problemas na articulação política
Na véspera do presidente Jair Bolsonaro ir ao Congresso protocolar sua proposta de reforma da Previdência e um dia após a exoneração de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência, o governo sofreu ontem a sua primeira derrota no Congresso. A Câmara aprovou uma proposta para derrubar o decreto presidencial que ampliou alista de servidores com poder para classificar documentos públicos como sigilosos. O líder do governo, Major Vitor Hugo (PSL-GO), pediu na reunião de líderes que o tema não entrasse na pauta, mas foi ignorado. Apenas o PSL, partido de Bolsonaro, votou pela manutenção do decreto.
A derrota do governo ficou escancarada já na primeira votação, quando se analisou regime de urgência para a matéria. Foram 367 votos a favor e apenas 57 contrários. O presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), foi um dos que votou contra o governo, mas depois disse ter se enganado. Dos 57 votos contra a urgência, 50 foram do PSL, um do Avante, três do MDB, um do PP e um do Solidariedade. À exceção do PSL, todas as demais legendas encaminharam a favor do projeto, inclusive o DEM, que ocupa três ministérios. A votação final acabou ocorrendo de forma simbólica, sem registro individual de como votou cada deputado.
Há grande descontentamento no Congresso com a articulação política do Palácio do Planalto. São vários os motivos elencados por parlamentares: o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, abre pouco sua agenda para ouvir deputados; o líder do governo na Câmara tem pouco trânsito na Casa; a gestão Bolsonaro está exonerando apadrinhados; a classe política se sente subrepresentada diante da profusão de militares no governo; e há incômodo com a influência excessiva dos filhos sobre o presidente, que levou à demissão do ministro Gustavo Bebianno.
"Perdeu, playboy"
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) teme haver contaminação da votação da reforma da Previdência:
— A fotografia da Câmara dos Deputados é o que interessa para a reforma, o que pensam aqui. Eu levei para o presidente e disse: a fotografia está feia. Está feio o negócio.
A derrota do governo ocorreu no dia em que o ministro da Justiça, Sergio Moro, entregou à Câmara seu pacote anticrime O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no entanto, minimizou o placar da votação:
—O tema é difícil, da proteção do sigilo dos dados. Acho que isso unificou líderes de partidos ideologicamente de direita e de esquerda.
O vice-presidente Hamilton Mourão foi na mesma linha. Segundo ele, trata-se de um “decreto chulé” e não é um indicativo ruim na relação do governo como Congresso. Mourão chegou a dizer que o texto passou porque “o pessoal do Congresso não gosta” dele, e que, se o decreto tivesse sido editado por Bolsonaro, seria mantido. Depois, afirmou que estava brincando eque a derrota faz par teda democracia.
— Perdi. Perdeu, playboy —disse Mourão.
O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, também minimizou o resultado:
— O governo não entende deforma alguma como derrotaofato de que o Congresso esteja a pedi ruma análise mais aprofundada no que toca à Lei de Acesso à Informação.
O decreto rejeitado pela Câmara permite que ministros e secretários executivos das pastas transfiram para servidores em cargo de comissão DAS 6 e DAS 5, respectivamente, a prerrogativa de classificar documentos como ultrassecretos e secretos. O primeiro caso permite sigilo por 25 anos, renováveis pelo mesmo período. Já os documentos secretos ficam protegidos por 15 anos.
O GLOBO mostrou, na edição de ontem, que o decreto foi editado por pressão de militares e diplomatas. O vice-presidente Hamilton Mourão assinou a medida quando estava na interinidade. Para que o decreto perca a validade, o projeto precisará ainda ser aprovado no Senado.
“A fotografia da Câmara é o que interessa para a reforma, o que pensam aqui. Eu levei para o presidente e disse: a fotografia está feia. Está feio o negócio”
Joice Hasselmann (PSL-SP), deputada federal
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Moro separa proposta sobre caixa dois de pacote anticrime
Karla Gamba
Eduardo Bresciani
Patrick Camporez
Thiago Herdy
20/02/2019
Ministro entrega à Câmara medidas com formato diferente do original
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, entregou ontem na Câmara dos Deputados o seu pacote anticrime. O texto foi apresentado em um formato diferente do original: a proposta foi fatiada em três, com a tipificação do crime de caixa dois sendo apresentada em um projeto separado.
A decisão foi tomada, segundo Moro, para atender a pedidos da classe política:
— Inicialmente, iríamos apresentar um único projeto. Vieram reclamações. Alguns políticos se sentiram incomodados de isso (crime de caixa dois) ser tratado junto com corrupção e crime organizado. Fomos sensíveis. Colocamos separado, mas será apresentado junto (com o pacote). O governo está atendendo reclamações que são razoáveis — disse o ministro, pela manhã, em entrevista à radio CBN.
Mais tarde, já no Congresso, o ministro tentou justificar o fatiamento da proposta dizendo que o crime de caixa dois “não é tão grave” como o homicídio ou a corrupção.
— Caixa dois não é corrupção. Existe o crime de corrupção e existe o crime de caixa dois, são dois crimes graves. Mas o crime de corrupção está previsto no Código Penal e o de caixa dois está previsto no Código Eleitoral. O que o governo faz é propor uma tipificação mais adequada para o crime de caixa dois —justificou.
Com a declaração, Moro contradisse o que falou em palestra para estudantes brasileiros na Universidade de Havard, há pouco menos de dois anos, quando ainda era juiz. Na época, ele disse considerar a corrupção para gerar caixa dois pior que o enriquecimento ilícito de agentes públicos.
— Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível —afirmou.
Acompanhado dos ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia), Moro entregou os três projetos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), que abrangem o combate ao crime organizado, crime violento e corrupção.
Moro disse que o Congresso terá condições de discutir as propostas ao mesmo tempo em que trata da reforma da Previdência. Ele admitiu que a Previdência tem prioridade e preferiu não fazer previsões sobre aprovação. Ele defendeu uma votação a “curto prazo”.
Na ocasião, Maia fez questão de negar que haja resistência do Congresso à proposta que criminaliza o caixa dois.
— Para mim tanto faz (separar). Caixa dois a gente já votou em 2016. É um assunto que pode ser votado a qualquer momento. Esse assunto não é problema — disse Maia. —Não tem resistência nenhuma, não existe isso.
Maia afirmou que não tratou com Moro a retirada da proposta do pacote:
— Nunca tratei desse assunto com ele. A gente já votou uma vez e tem condições de votar de novo.