O globo, n. 31243, 20/02/2019. Rio, p. 12

 

O estopim da selvageria

Marcos Nunes

20/02/2019

 

 

Em busca de agravantes, polícia tenta descobrir o que levou lutador a espancar empresária

Convencida de que o estudante de Direito e lutador de jiu-jítsu Vinícius Batista Serra, de 27 anos, não sofreu um surto psicótico (conforme alegou), a Polícia Civil tenta descobrir o que, de fato, o levou a espancara empresária Elaine Caparróz, de 55, por quase quatro horas, na madrugada do último sábado. Encarregada da investigação, Adriana Belém, delegada titular da 16ª DP (Barra), disse ontem que apura a possibilidade de haver agravantes para o crime, tratado como tentativa de feminicídio.

— Eles marcaram um encontro, e, em determinado momento, algo aconteceu ali. Nós vamos buscar isso. Tudo ficará mais claro depois que a vítima puder ser ouvida. Queremos, agora, saber por que Vinícius praticou aquele ato de monstruosidade, aquelas agressões absurdas —disse a delegada.

Adriana passou boa parte do dia esperando os pais de Vinícius na delegacia. Na segunda-feira, eles foram chamados para depor, mas não compareceram. A delegada afirmou ter recebido denúncias de que o lutador agrediu a mãe alguns anos atrás, porém não há registro policial disso. Em fevereiro de 2016, ele foi denunciado por atacar o pai e o irmão, que é deficiente.

A denúncia foi apresentada na 12ª DP (Copacabana) pelo próprio pai de Vinícius, o consultor de empresas Zacarias Batista de Lima. Ele contou apolicia isque o filho perde uR $1.200 e achou que o irmão o havia roubado. Por isso, começou a atacá-lo com golpes de jiu-jítsu. Ao tentar interceder, o pai também foi agredido.

O dinheiro acabou sendo encontrado numa caixa de remédios, jogada no lixo pela mãe dos dois. Na delegacia, Zacarias contou que o filho andava “muito destemperado”. O caso chegou ao Juizado Especial Criminal, mas o pai desistiu da denúncia.

Momentos de terror

Ontem, o síndico e o subsíndico do prédio onde Elaine mora prestaram depoimentos. Eles disseram que as câmeras de segurança do condomínio não gravaram imagens no dia do crime, mas confirmaram que Vinícius deu um nome falso a um porteiro que fazia o registro de visitantes. Para a polícia, isso é um indício de que premeditou a ação. O lutador foi preso em flagrante.

Vinícius chegou ao edifício no fim da noite de sexta-feira. Depois de oito meses de conversas pela internet, Elaine o convidou para jantar em sua casa. O primeiro encontro entre os dois terminou numa explosão de violência. Após adormecer, a empresária começou a ser esmurrada, e quase foi enforcada. Sobreviveu porque conseguiu colocar um braço junto ao pescoço. Suportou a dor de mordidas, mas sofreu várias fraturas no rosto, que terá de passar por uma cirurgia de reconstrução. Levou quase 40 pontos na boca, e tem hematomas e traumas em quase todo o corpo.

A empresária foi salva por um porteiro, alertado por vizinhos alarmados com os gritos de socorro e o barulho dos golpes. Quando tentou abrira porta do apartamento cheio de manchas de sangue para socorrê-la, ouviu uma ameaça: “Entra aqui para ver o que acontece”, teria dito Vinícius, que, horas depois, na 16ª DP, alegou ter sofrido um surto psicótico após beber vinho.

Vinícius conquistou alguns campeonatos de jiu-jítsu, e passou por várias academias. A Brazillian Top Team (BTT Lagoa) divulgou uma nota esclarecendo que, ao contrário do divulgado, ele nunca pertenceu à sua equipe oficial: frequentou suas instalações há aproximadamente três anos, como aluno.

A chegada do filho

Para Elaine, o dia de ontem começou com um choque e terminou com uma grande alegria. Internada no hospital Casa de Portugal, no Rio Comprido, ela, segundo seu irmão Rogério Peres, ficou assustado ao se ver pela primeira num espelho. Mesmo assim, fez questão de gravar um vídeo, curto, para agradecer às muitas manifestações de solidariedade que tem recebido. “Logo estarei numa boa; amo vocês, fiquem com Deus”, disse. No fim da tarde, viveu um momento de intensa felicidade: reencontrou o único filho, Rayron Gracie, de 17 anos, que vive nos Estados Unidos. Ele veio ao Rio para acompanhar sua recuperação e publicou no Instagram uma foto em que abraça a mãe. A legenda: “Guerreira”.

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Especialistas criticam declaração de Carlos Bolsonaro

Sérgio Roxo

20/02/2019

 

 

Vereador, filho do presidente, disse que empresária poderia ter escapado das agressões se tivesse uma arma dentro de casa

Especialistas em segurança pública criticaram ontem uma manifestação do vereador Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro, sobre o caso da empresária Elaine Caparróz. Ele usou redes sociais para afirmar que, se a vítima tivesse uma arma em casa, poderia ter escapado das agressões de Vinícius Batista Serra.

— É uma afirmação simplória —disse José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública. — Se ela tivesse uma arma, aquele individuo, com a disposição insana que estava, poderia tê-la matado. Era o mais provável de acontecer.

José Vicente lembrou que, pelo relato de Elaine, as agressões tiveram início enquanto ela dormia:

—Ela teria que estar com uma arma debaixo do travesseiro para tentar pegála quando começou a ser agredida.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública destacou que, em geral, as pessoas não têm preparo emocional para utilizar uma arma, mesmo quando fazem um curso de tiro.

— Eu sempre faço uma pergunta quando sou questionado sobre a flexibilização da posse de arma: a pessoa que quer ter uma casa está preparada para matar alguém? Está preparada para atirar em alguém do seu relacionamento? Não é uma questão simples — argumentou José Vicente.

Professor da Universidade Brasília e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Arthur Trindade concorda com a avaliação do coronel.

— Se a vítima (Elaine )tivesse uma arma em casa, o agressor (Vinícius) poderia tê-la assassinado. Ela estava dormindo, acordou com o espancamento. Como conseguiria pegar uma arma?

Trindade ainda afirmou que os casos em que a vítima tem êxito ao reagir são “raríssimos”:

— Estatisticamente, isso não acontece.

Em janeiro, O GLOBO mostrou que trabalhos da comunidade científica apontam uma relação entre aumento de crimes e crescimento do número de revólveres, pistolas e fuzis em circulação. Essa conclusão faz parte de “Dossiê armas, crimes e violência: o que nos dizem 61 pesquisas recentes”, de autoria de Thomas Conti, professor do Insper e da Unicamp. Noventa por cento dos estudos constataram que a violência ganhou força.