Título: Mulheres com mais coragem de denunciar
Autor: Castro , Grasielle
Fonte: Correio Braziliense, 08/08/2012, Brasil, p. 9

Mais de 329 mil mulheres que procuraram o serviço de denúncia de violência contra o gênero — o Disque 180 —, nos últimos seis anos, sofreram algum tipo de agressão. A maioria delas, cerca de 47%, relatou ainda que a situação era diária. Os dados são do canal de atendimento da Secretaria de Política para as Mulheres, divulgados ontem. No mesmo dia, a Lei Maria da Penha, fonte de mais rigor para a punição de crimes de violência doméstica, completou seis anos. Os números vêm acompanhados da atualização do Mapa da Violência 2012 — Homicídio de Mulheres no Brasil, com base em dados de 2010, que mostram crescimento na taxa de homicídios. Em 2010, foram 4.465 assassinatos, aumento de 20% comparado a 2007 e de 230% em relação ao ano 2000.

A secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves, explica que os dois levantamentos refletem lados diferentes do mesmo drama. Enquanto os números da secretaria indicam o crescimento de denúncias — chegando a 2,7 milhões de atendimentos nos últimos seis anos, com aumento de 30% nas ligações se comparado o primeiro semestre do ano passado com o mesmo período deste ano —, os crimes contra as mulheres ganharam requintes de crueldade. Para Aparecida, é como se as mulheres estivessem mais decididas a denunciar e a dar um basta na situação, só que os homens têm reagido mal. "É o sentimento de posse. Temos vistos casos de cárcere privado, de mulheres que ficam mais de 36 horas com uma arma apontada para cabeça delas", exemplifica.

Entretanto, Aparecida destaca que a lei surtiu efeito no pensamento feminino. "Aumentou a coragem de não querer mais sofrer por saber que ela não está sozinha. O Estado, o mesmo que antes não tinha nenhuma postura, tem dado apoio", relatou. A farmacêutica Maria da Penha, que dá nome à lei por ter sido agredida pelo marido, inclusive tendo sofrido duas tentativas de homicídio, concorda que a regra promoveu a igualdade de gênero, mas ressalta que ainda faltam políticas públicas de acolhimento e mais delegacias e órgãos especializados. "A população se apropriou do seu direito, mas ainda é preciso que se repense a reestruturação do Poder Judiciário, já que as varas especiais foram esvaziadas. Poderiam ser criados mais juizados, que estão cheios", sugere.

Maria da Penha lembra que a legislação mudou porque, depois de mais de 15 anos lutando pela punição do seu agressor, ela enviou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que condenou o Brasil por negligência e omissão em relação a violência doméstica e exigiu uma mudança na legislação. "Nunca quis ficar famosa pelas páginas policiais. Eu tinha vergonha, mas, em todos os momentos que os movimentos pelas mulheres me procuravam, eu estava lá para lutar".

Ranking Mesmo com mais rigor na punição contra a violência, o Brasil ainda está entre os 10 piores países no ranking da Organização Mundial da Saúde, que calcula mortes para cada 100 mil mulheres. Em sétimo lugar, o país registra taxa de 4,4 mortes para cada 100 mil mulheres, ficando atrás apenas de El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize. Autor do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, frisa que, com a atualização dos dados do primeiro semestre deste ano, o Brasil se consolidou entre as nações que mais maltratam as mulheres. Junto à divulgação dos dados, o Ministério da Saúde anunciou a destinação neste ano de R$ 31 milhões às secretarias estaduais e municipais de saúde para incentivar a notificação e promover o desenvolvimento de ações de vigilância e prevenção de violência.