Correio braziliense, n. 20324, 12/01/2019. Brasil, p. 6

 

Edital do livro didático derruba assessor do MEC

Gabriela Vinhal 

12/01/2019

 

 

O chefe de gabinete do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Rogério Fernando Lot, foi exonerado ontem pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. Responsável por autorizar as alterações que causaram polêmica no edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o funcionário assinou o aviso das mudanças no documento, publicado no Diário Oficial da União em 2 de janeiro. À época, ele era presidente interino do FNDE.

Funcionários do setor começaram a ser ouvidos na última quinta-feira. Ontem, um servidor do MEC assinou documento no qual afirma que as mudanças no documento foram decorrência de “erro operacional” da área que coordena dentro da pasta, segundo informou o jornal O Estado de S. Paulo. Estêvão Perpétuo Martins é coordenador de Habilitação e Registros do FNDE e responsável por atualizar editais.

O documento assinado por ele, ao qual o Estado teve acesso, explica que, em 26 de dezembro, a Secretaria de Educação Básica do MEC solicitou ao FNDE que fizesse ajustes técnicos no material digital audiovisual. De acordo com o servidor, as mudanças não deveriam alterar os itens relacionados a temas como diversidade, gênero e publicidade ou temas afeitos. Contudo, foi o que ocorreu.

Martins alega que os ajustes foram feitos em uma versão antiga do documento, de agosto, embora ele tenha sido modificado em outubro. A última atualização do edital foi produzida ainda no governo de Michel Temer e modificada cinco vezes ao longo do ano. Em seu documento, Martins afirma que identificou o erro no material, mas não falou nada porque “não haveria a possibilidade de aprovação de obras que contemplassem violência contra a mulher ou discriminação étnico-racial”.

O coordenador ressalta ainda que, mesmo com o erro, nada afetaria a escolha das obras, uma vez que o prazo para a inscrição dos livros havia sido encerrado em 30 de novembro passado. Contudo, os livros ainda estavam em período de avaliação e mudanças no edital poderiam alterar a seleção deles. Além de Martins, outros servidores começam a ser ouvidos pelo MEC. Na última quinta-feira, o ministério anunciou que abriria sindicância para apurar a questão, mas esclareceu que só se pronunciará ao fim das investigações.

Em nova nota divulgada ontem, o órgão afirmou que as exonerações no FNDE se relacionam à “reorganização administrativa que o MEC pretende fazer com a chegada da nova gestão”, e  ressaltou não ter relação com o erro na publicação da retificação do PNLD 2020. “Sobre o caso, foram adotadas providências internas para instauração de sindicância, que deve ter documento publicado em breve.”

Controvérsia
Os itens retirados do texto causaram polêmica entre integrantes da sociedade civil, intelectuais e editoras. O novo conteúdo permitia, a partir de 2020, a compra de obras para escolas da rede pública, do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, com erros e propaganda. Também suprimia a presença obrigatória de alguns assuntos, como a cultura quilombola, a história dos afro-brasileiros e africanos e a violência contra a mulher. O documento foi enviado em 28 de dezembro e publicado cinco dias depois. Quando as mudanças vazaram para a imprensa, o MEC cancelou a versão mais recente do edital, devido a “erros que foram detectados no documento”.

No material, era vetado “promover positivamente a imagem da mulher, considerando sua participação em diferentes trabalhos, profissões e espaços de poder”, “com especial atenção para o compromisso educacional com a agenda de não violência contra a mulher”. À época, a pasta reforçou o “compromisso com a educação de forma igualitária para toda a população brasileira”.  Além disso, desmentiu “qualquer informação de que o governo Bolsonaro ou o ministro Ricardo Vélez decidiram retirar trechos que tratavam sobre correção de erros nas publicações, violência contra a mulher, publicidade e quilombolas de forma proposital”.

“Foram adotadas providências internas para instauração de sindicância, que deve ter documento publicado em breve"
Nota do Ministério da Educação sobre a polêmica do material didático