O globo, n. 31241, 18/02/2019. País, p. 6

 

Alvo de Carlos, Bebianno fala em esfriar a cabeça

Jussara Soares

Amanda Almeida

18/02/2019

 

 

Em conversas, ministro da Secretaria-Geral da Presidência se diz injustiçado por Bolsonaro. Nas redes, grupos usados durante a campanha eleitoral iniciaram ontem uma série de ataques contra o ex-aliado

Com a exoneração prevista para hoje, o ministro Gustavo Bebianno afirmou que “é hora de esfriar a cabeça”, depois de seu embate com Carlos Bolsonaro. Em conversas, o ministro da Secretaria-Geral ainda se mostra inconformado com o tratamento que recebeu do presdiente. Com a exoneração prevista para ser publicada hoje, o ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência, disse ontem que agora é o momento de esfriar a cabeça. À espera da confirmação de sua saída no Diário Oficial, ele passou o domingo em Brasília, sem conceder entrevistas. Ao falar com jornalistas, foi lacônico:

—Agora é hora de esfriar a cabeça.

Apesar da discrição, a amigos ele continua reclamando. De forma reservada, segue fazendo críticas ao presidente Jair Bolsonaro e à forma como vem sendo tratado. O empresário Paulo Marinho, que participou ativamente da campanha de Bolsonaro e é um dos principais aliados de Bebianno, esteve com o ministro e disse ontem ao GLOBO que ele se sente muito injustiçado, mas “vida que segue”.

— Isso que dá andar com más companhias —disse.

Questionado sobre quem são as más companhias, ele não quis responder. Marinho disse que o destino de Bebianno deve ser a política.

Após a fritura no Palácio do Planalto, o ministro passou também a ser alvo de uma ação do exército digital que deu sustentação à campanha de Bolsonaro. Pelas redes sociais, militantes ligados a Carlos Bolsonaro, o mais radical dos filhos do presidente e pivô da crise que deve resultar na primeira demissão no alto escalão do governo, passaram a compartilhar vídeos, áudios, imagens e textos contra o ministro.

A estratégia é fragilizar ainda mais Bebianno, que pode se tornar uma voz de oposição contra Bolsonaro. A ideia, de acordo com integrantes desses grupos, é mostrar que “Bebianno é o traidor” e afastar de Bolsonaro a imagem de que não é leal a seus apoiadores.

Começou a circular ontem nos grupos bolsonaristas de Whats App um áudio intitulado “O verdadeiro Bebianno”, cujo conteúdo é uma conversa durante a campanha entre o ministro e um apoiador de Bolsonaro no Ceará. No diálogo, Bebianno cobra o militante Edson Alex por supostamente ter divulgado um texto crítico a ele.

A mensagem dizia que Bebianno e o agora deputado federal Julian Lemos (PSLPB), então presidente e vice do PSL, haviam tornado a legenda “um grande balcão de negócios”. O texto é intitulado “Bandidos tomaram de assalto o partido do Capitão e hoje colocam em risco a candidatura do próximo presidente do Brasil”.

No áudio, que voltou a circular, Bebianno ameaça processar o militante: “Se você está dizendo que não foi, eu vou pela esfera cível e criminal e vou f... a vida de quem escreveu aquele bando de impropérios, entendeu? No lugar de a gente estar unido fica um bando de babacas criando esse tipo de viadagem, de babaquice”. Bebianno já disse que reagiu dessa forma porque estava sob pressão, sofrendo acusações injustas.

Eleitor de Bolsonaro, Bebianno se aproximou do então deputado federal por intermédio do engenheiro Carlos Favoretto. Na época, se ofereceu para assumir a defesa de Bolsonaro em algumas ações e ganhou a confiança da família. Outsider na política, foi Bebianno quem articulou a manobra que tirou Bolsonaro do Patriota e viabilizou sua candidatura pelo PSL.

Prefeitura do Rio em 2020

Na vida pós-Planalto, no primeiro momento Bebianno quer voltar a advogar, mas estaria sendo sondado para assumir no futuro um cargo no governo de João Doria, em São Paulo. Paulo Marinho disse ao GLOBO que o ministro não descarta nem mesmo entrar na disputa eleitoral no Rio em 2020.

—Ele (Bebianno) vai ter que voltar às origens, conforme o capitão falou. E vai cuidar da vida dele e vai voltar a advogar. Porém, ele pretende permanecer na política, vai buscar um espaço na política para ele militar — disse Marinho, que é suplente de Flávio Bolsonaro no Senado.

Durante a crise que envolve Bebianno, Marinho viajou duas vezes do Rio a Brasília para ficar ao lado do ministro. Segundo o empresário, ele não pretende fazer oposição ao governo de Jair Bolsonaro, mas, ao deixar o cargo, se empenhará em responder os ataques do vereador Carlos Bolsonaro.

— Tenho certeza de que Bebianno vai se comportar de maneira muito digna e correta. A única coisa que ele vai fazer, com justa razão, é explicar essas versões que foram postas na imprensa pelo Carlos Bolsonaro sobre ele —diz Marinho.

Bebianno enfrenta um processo de desgaste provocado por denúncias envolvendo supostas irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL, partido dele e de Bolsonaro. A crise foi amplificada por Carlos Bolsonaro, que foi às redes sociais dizer que Bebianno mentiu ao falar ao GLOBO que havia conversado três vezes com o presidente na última terçafeira. A declaração foi dada para negar que ele estivesse protagonizando a crise.

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UDN vê como ‘via natural’ ida de família Bolsonaro para sigla

Renata Mariz

18/02/2019

 

 

Dirigente diz que houve convite ‘de forma geral’ a deputados e senadores

Em fase adiantada de criação, o partido União Democrática Nacional, que pretende ser uma reedição da antiga UDN, quer estabelecer canais sólidos com a família Bolsonaro para turbinar a estreia da sigla. O representante da futura legenda em Brasília, Marcos Vicenzo, responsável por atrair parlamentares interessados em ingressar na sigla, afirmou ao GLOBO que há um convite “de forma geral” a deputados e senadores eleitos, apontando como uma “via natural” a migração de políticos bolsonaristas para a legenda. Essa aproximação foi noticiada ontem pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.

— Por parte do partido, existe uma grande intenção de que eles venham. Seria maravilhoso. As portas estão abertas para a família Bolsonaro e para os parlamentares. Minha visão é que, pela linha ideológica, por ser a UDN um partido de direita, com história de combate ao comunismo, e com todo esse problema no partido deles, acredito que (a migração) seja uma via natural que se comece a desenhar—disse.

Vicenzo nega, porém, que haja conversas concretas com interlocutores do PSL sobre migração para a futura sigla. Ele disse que ainda não tratou do tema com o deputado Eduardo Bolsonaro (SP), uma das principais lideranças do partido, mas espera que as tratativas sejam iniciadas como desdobramento de convites que vem fazendo a diversos grupos.

Segundo Marcus Alves de Souza, futuro presidente da UDN que delegou a Vicenzo a tarefa de falar sobre tratativas com o PSL, a sigla já tem quase 400 mil assinaturas, sendo necessárias mais cerca de 87 mil. Souza já foi presidente estadual do PRP no Espírito Santo e acabou demitido da subsecretaria da Casa Civil do governo Paulo Hartung após ser acusado de reter parte do salário de um comissionado da Assembleia Legislativa e de ameaçá-lo. Ele diz que nada foi provado e que o caso acabou arquivado por falta de provas.

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Ações do PSL no Supremo contrariam governo

Carolina Brígido

André de Souza

18/02/2019

 

 

Há hoje 26 ações aguardando julgamento e 11 já foram pautadas para este semestre pelo presidente da Corte, Dias Toffoli

O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a validade de leis que fortaleceram a Operação Lava-Jato, antes conduzida pelo atual ministro da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro.

Uma das ações contesta alei que permite prisões temporárias. Em outras, a sigla pede a derrubada de trecho de um artigo sobre organização criminosa e da norma que responsabiliza empresas por corrupção. Ao todo, são 26 ações da legenda aguardando julgamento no STF. A maioria foi apresentada quando o PSL não tinha relevância política. Por isso, algumas destoam do discurso do governo.

As ações foram apresentadas entre 1999 e 2017. Das 26, cinco foram pautadas pelo presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, para julgamento neste semestre.

Assessores de Toffoli explicam que a pauta foi formulada dando prioridade a processos que questionam a constitucionalidade de leis. Portanto, a alta incidência de causas do PSL seria apenas coincidência. O vice-presidente do partido, Antonio de Rueda, não quis comentar os processos, mas disse que a legenda não pediu prioridade.

Em 2004, o PSL questionou uma lei federal de 1989 prevendo a prisão temporária — que permite prender pessoas sem condenação. Para o partido, o primeiro artigo da norma tem redação “imprecisa” e “vem provocando infindáveis controvérsias nos meios jurídicos, em razão do desatendimento da garantia do devido processo legal”. Também diz que é “desarrazoada a prisão temporária atribuída aos crimes contra o sistema financeiro”, porque não podem ser equiparados a “terrorismo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas e os definidos como crimes hediondos”. O julgamento está marcado para 14 de março.

Também está na pauta do mesmo dia uma ação de 2003 em que o PSL questiona a lei de criação do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) no MP de Mato Grosso.

Em uma ação de 2016, ainda sem data para ser julgada, a legenda contesta trecho da lei sobre organização criminosa, que serviu para enquadrar investigados da Lava-Jato.

O artigo contestado estabelece pena de três a oito anosa quem atrapalha investigação de organização criminosa. Segundo o partido, obstrução da Justiça não pode ser considerada crime, por ter descrição abstrata. A sigla também critica a suposta criminalização da atividade política no país e diz que alei quebra a presunção de inocência, sendo necessário impor limite aos excessos do Ministério Público.

Em ação de 2015 e ainda sem previsão de ser julgada, o PS L questionou lei editada por Dilma Rousseff que responsabiliza empresas pela prática de atos contra a administração pública. Antes da lei, apenas pessoas físicas poderiam ser responsabilizadas por atos de corrupção. A norma foi uma mão na roda para a Lava-Jato. Mas, para o partido de Bolsonar o, a lei causou“tumultos às pessoas jurídicas em todo o país”. Ainda segundo a ação, os acordos de leniência fechados com construtoras investigadas colocam em risco pelo menos 500 mil empregos.

Em outra ação do ano passado, sem data para julgamento, o PS L contesta trecho do Código Penal Militar que proíbe policiais e bombeiros militares de criticarem o governo ou os superiores.

Há também ações quecas am coma ideologia do governo Bolsonaro. Um adelas, ajuizada em 2015, contesta lei editada pela ex-presidente Dilma Rousseff que impede o uso de arma de fogo “contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros”.

"Vadios sem rumo"

Outra ação, de 2005, questiona artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O objetivo do PSL é endurecer as punições a jovens infratores e dar carta branca para autoridades apreenderem menores perambulando nas ruas para “averiguação”, mesmo sem indício de cometimento de irregularidade. Para o partido, são “vadios e sem rumo na vida”.

Hoje, crianças e adolescentes só podem ser apreendidas com ordem judicial ou em situação de flagrante delito.