Correio braziliense, n. 20323, 11/01/2019. Política, p. 2

 

Tratamento diferenciado para militares

Alessandra Azevado, Gabriela Vinhal, Hamilton Ferrari e Rosana Hessel 

11/01/2019

 

 

Antes mesmo de a reforma da Previdência ser apresentada, as controvérsias sobre a parcela de contribuição dos militares começam a preocupar a categoria, o governo e, principalmente, os contribuintes. A ideia é que uma eventual mudança na proteção social das Forças Armadas seja enviada ao Congresso por projeto de lei, depois que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que trata das alterações para os demais trabalhadores, for encaminhada, o que está previsto para ocorrer em fevereiro, no início do ano legislativo.


Nos bastidores, é considerado praticamente certo que os militares não estarão nesse texto. Se houver mudanças para as Forças Armadas, serão feitas por projeto de lei e enviadas depois. “Pode ser que os dois ‘pacotes’ sejam entregues no mesmo dia ou em datas diferentes, mas será depois do anúncio do projeto da reforma geral, de qualquer maneira”, adiantou ao Correio o porta-voz da Vice-Presidência da República, Alexandre Oliveira. Todas as linhas de ação serão apresentadas pelo Ministério da Economia para avaliação do presidente Jair Bolsonaro antes da viagem a Davos (SUI), em 22 de janeiro, para o Fórum Econômico Mundial. Ele tomará a decisão final.

A história é exatamente a mesma de dois anos atrás, quando o então presidente Michel Temer tentou incluir os militares na reforma da Previdência que propôs ao Congresso. Depois, recuou e disse que a mudança seria feita por projeto de lei, devido às especificidades da carreira militar. A categoria sempre lembra que não recebe Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e que não se aposenta, apenas fica em sobreaviso na reserva. Além de expor a situação diferenciada da profissão, a estratégia é ressaltar que, como o regime dos militares não está no texto da Constituição, as alterações podem simplesmente ser feitas por um projeto posterior.

Privilégios
O economista e especialista em Previdência Paulo Tafner — coautor de uma das propostas em estudo pelo governo, com o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga — acredita que os militares devem ter as particularidades consideradas.

Tafner defende, porém, a redução dos privilégios, pois há muitas distorções em relação às aposentadorias de policiais militares, por exemplo, que deixam o serviço aos 49 anos. “Ninguém mais vive até os 54 anos. Isso também precisa mudar, porque o brasileiro está vivendo mais de 80 anos”, frisou.

Pelas regras atuais, os militares podem ir para a reserva com o salário integral ao completarem 30 anos de serviços prestados. A remuneração básica de um soldado vai de R$ 1,5 mil a R$ 1,8 mil; a de um capitão, de R$ 9 mil, e a de um almirante, de R$ 14 mil. Além do salário, eles podem acumular gratificações que, na prática, têm o potencial de dobrar esses valores. “É preciso acertar as contas. No caso dos militares, se isso fosse feito, o deficit cairia para menos da metade”, acrescentou o economista.

Dilemas
Além dos argumentos, os dilemas do governo sobre o assunto não mudaram nada em relação a 2017. A equipe econômica, como era de se esperar, se preocupa com o fato de a categoria ser responsável por praticamente metade do deficit do setor público (leia reportagem abaixo) e ainda ter um rombo que cresce, proporcionalmente, mais do que o do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem plena consciência de que, sem tocar nos militares, a reforma será insuficiente. 

O próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, disse ontem que a categoria está disposta a fazer sua parte. Segundo ele, mesmo que o projeto seja mais duro ou mais “soft”, os militares vão entrar na reforma. Sugeriu até um aumento no tempo de contribuição antes da ida para a reserva, de 30 anos para 35 anos. Mourão ressaltou que quem recebe pensão passará a contribuir com o sistema, o que não ocorre hoje. Atualmente, esses benefícios são integrais e deixam de ser pagos aos 21 anos. Até 2001, a quantia era vitalícia.

Mourão, no entanto, é minoria no grupo. Há muito mais militares do alto escalão que discordam do general. Os colegas Santos Cruz, ministro da Secretaria-Geral, e Fernando Azevedo, chefe da Defesa, são alguns dos que lembram as peculiaridades da carreira quando se toca no assunto. Sem ter como fugir dos argumentos das Forças Armadas, um dos grupos mais organizados e com maior poder político dentro do Congresso, a resposta do governo, por enquanto, é que “ainda não há decisão a respeito da entrada dos militares no processo”.

Dúvidas
Enquanto se discute o que será feito com os militares na reforma, o governo ainda tenta encaixar as peças básicas: idade mínima, tempo de transição e mudanças nas fórmulas de cálculos de alguns benefícios. Apesar das reuniões diárias, a equipe econômica continua com discursos desencontrados. Recentemente, surgiu a hipótese de tirar alguns benefícios, como o auxílio-doença, do cálculo da aposentadoria. Ontem, a intenção foi descartada por uma fonte influente do Ministério da Economia, a par das negociações. Garantiu que não foi sequer estudado o tema, que é uma história “furada”.