O globo, n. 31237, 14/02/2019. País, p. 6

 

Chefes de facção são transferidos para presídios federais

Silvia Amorim

Aline Ribeiro

Dimitrius Dantas

Francisco Leali

14/02/2019

 

 

Operação dos governos federal e paulista tenta isolar Marcola e outros 21 integrantes de organização criminosa

Uma operação policial coordenada pelos governos federal e de São Paulo transferiu ontem para presídios federais o principal chefe e outros 21 integrantes de uma organização criminosa paulista. A pressão pelo isolamento dos presos em unidades federais de segurança máxima começou ainda no ano passado, após uma decisão judicial só cumprida agora. O planejamento, segundo o governo paulista, durou 51 dias. Embora autoridades no estado tenham tranquilizado a população sobre uma eventual reação do crime organizado, a situação é de alerta na cúpula do governo e das polícias.

A Polícia Civil de São Paulo intensificou nos últimos dias o monitoramento de alguns integrantes da facção que ocupam postos de controle de ações do grupo. Até ontem, não havia detectado planos de reação. Em 2006, o grupo criminoso liderou uma onda de ataques no estado após a transferência de presídio de seu chefe Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.

Plano "cinematrográfico"

A movimentação de ontem atendeu a um pedido do Ministério Público de São Paulo, depois que serviços de inteligência descobriram um plano para resgatar criminosos. No documento, a que O GLOBO teve acesso, o promotor Lincoln Gakiya detalha o plano, que ele descreve como “cinematográfico”. Os criminosos pretendiam sitiar a cidade e tomar controle de áreas estratégicas, com uma estação de energia e o aeroporto.

A operação policial foi colocada em prática logo cedo. Por volta das 11h, os presos já eram transportados em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para fora de São Paulo. Nem o governo federal nem o paulista divulgaram o local de destino dos criminosos. Presídios de Brasília, Mossoró e Porto Velho eram cotados para abrigá-los.

As autoridades ligadas à operação acreditam que a transferência de Marcola e seus comparsas poderá contribuir para o enfraquecimento da facção criminosa. Eles ficarão sob a custódia do governo federal pelos próximos 360 dias, sendo que os 60 primeiros serão cumpridos no modo mais duro do sistema prisional brasileiro, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) no qual presos não têm direito a visita íntima e ficam em celas individuais.

A transferência foi autorizada pela Justiça em duas etapas: a saída de sete presos foi confirmada em 21 de novembro e a de outros 15, incluindo o Marcola, só no último sábado.

Até ontem, Marcola estava na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. Ele foi preso pela primeira vez em 1999, acusado de roubo a bancos e carros fortes. Já na cadeia, se tornou a principal liderança do grupo.

Um forte esquema de segurança foi montado para fazer o transporte. Marcola saiu de Presidente Venceslau em um comboio, em direção ao aeroporto da cidade vizinhas de Presidente Prudente, onde embarcou num avião da FAB.

Foi a primeira ação feita com a participação da Secretaria de Operações Integradas, criada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Na decisão que autorizou a transferência, o juiz Fernando Gonçalves dos Santos, da 5ª Vara de Execuções Criminais, afirma que os bandidos continuam a comandar a facção de dentro da penitenciária, “comunicando-se facilmente com criminosos de outras unidades prisionais (...) e também com faccionados em liberdade”, independentemente da presença ostensiva da PM.

Ações preventivas

Em entrevista, o governador João Doria comemorou a operação. Ele afirmou que a polícia está “preparada” para qualquer reação do crime organizado ao isolamento da cúpula da facção, mas evitou dar detalhes das medidas tomadas:

— Cumprimos uma decisão judicial sem temor. Planejamos isso desde antes da nossa posse e estamos preparados. Todas as ações preventivas foram adotadas prevenindo e resguardando de qualquer reação.

O promotor responsável pelo pedido das transferências, Lincoln Gakiya, não acredita em reação.

— Não esperamos retaliações agora —disse.

O principal temor é com a possibilidade de rebeliões em presídios e ações criminosas nas ruas, como já aconteceu em 2006.

O secretário estadual de Segurança de São Paulo, João Camilo de Campos, referiu-se à operação como “absolutamente perfeita”.

A medida de ontem faz parte de um conjunto de entregas de Moro ao governo Jair Bolsonaro, cumprindo promessas de campanha. Um decreto

presidencial, assinado também por Moro e pelos ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), cuidou de reforçar a segurança pública nas localidades onde estão os presídios que receberam os criminosos, para prevenir reações da facção. O movimento do governo não mira só a segurança, mas atende a pleito do governo paulista, que queria retirar a cúpula local do grupo criminoso em presídios estaduais.

No estado, a transferência provocou uma troca de ataques entre o atual e o ex-governador Márcio França. Doria sugeriu que a transferência poderia ter sido tomada por seu antecessor.

—O governo que me antecedeu recebeu a determinação da Justiça e não cumpriu —afirmou Doria.

França reagiu ontem, explicando que a decisão da Justiça para a retirada dos presos de São Paulo foi publicada em Diário Oficial apenas em janeiro.

— Enquanto estive como governador, não houve nenhuma decisão da Justiça. Apenas o pedido do Ministério

Público, sem decisão judicial. Ele não faz nada além da sua obrigação como governador — disse França sobre a transferência.

Durante a campanha eleitoral, João Doria se comprometeu a ter uma postura mais dura em relação aos criminosos.

Como reação à possibilidade de resgate dos presos, ainda no ano passado, o governo paulista reforçou a segurança em torno da penitenciária que abrigava o chefe de facção. O aeroporto do município ficou fechado por 30 dias por determinação da Justiça.