Correio braziliense, n. 20331, 19/01/2019. Política, p. 4

 

"Lula teve propina em dinheiro"

19/01/2019

 

 

 

 

Trechos de delação do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil à Polícia Federal são anexados a inquérito que investiga fraudes na construção da usina de Belo Monte. De acordo com o delator, recursos foram entregues em caixas de celular e de uísque

O ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos do PT, Antonio Palocci, afirmou em delação premiada na Polícia Federal (PF) que entregou propinas em dinheiro vivo para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele relatou pelo menos dois episódios aos investigadores, um no Terminal da Aeronáutica, em Brasília, e outro no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em que teria entregue recursos da empreiteira Odebrecht em uma caixa de celular e em uma caixa de uísque.
Palocci depôs em 13 de abril do ano passado, uma semana depois que o ex-presidente foi preso para cumprir pena de 12 anos e um mês de reclusão no processo do tríplex do Guarujá. Na última quinta-feira, esse relato do ex-ministro foi anexado ao inquérito da PF que investiga supostas fraudes na licitação e construção da usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.
Segundo Palocci, os repasses a Lula teriam ocorrido em 2010. O ex-ministro relatou uma conversa que teria tido com Marcelo Odebrecht na qual o empresário acertou entregar R$ 15 milhões para o ex-presidente depois que a empreiteira entrou no negócio de Belo Monte. 
O delator, que foi alvo da Operação Omertà, desdobramento da Lava-Jato em 2016, livrou-se da prisão depois que fechou acordo de delação com a Polícia Federal. No depoimento de abril do ano passado, Palocci afirmou ter repassado “em oportunidades diversas” cerca de R$ 30 mil, R$ 40 mil, R$ 50 mil e R$ 80 mil em espécie para o próprio Lula.
Segundo Palocci, “os valores eram demandados pelo próprio Lula com a orientação para que não comentasse sobre os pedidos com Paulo Okamotto (presidente do Instituto Lula) e nem com ninguém”. O ex-ministro afirmou que “sempre atendia aos pedidos de Lula”. Indagado pela PF se tinha testemunhas de suas revelações, Palocci apontou dois motoristas que trabalhavam para ele, na ocasião.
Palocci detalhou duas entregas de dinheiro a Lula, uma no Terminal da Aeronáutica, em Brasília, no valor de R$ 50 mil “escondidos dentro de uma caixa de celular”. A outra entrega teria ocorrido no Aeroporto de Congonhas. Ele disse se recordar de que, a caminho do aeroporto, “recebeu constantes chamadas telefônicas de Lula cobrando a entrega”.
O ex-ministro mencionou, ainda, uma reunião com outra empreiteira, a Andrade Gutierrez, na qual teria sido acertado pagamento de 1% em propinas sobre o valor recebido pelo grupo nas obras de Belo Monte. Em troca, Palocci atuaria contra um consórcio que estava tentando “atravessar” a licitação.

Dilma
No depoimento, Palocci disse ainda ter informado Dilma Rousseff, na época em que ela era candidata à presidência, quanto aos “vultosos pagamentos que a Andrade Gutierrez estava fazendo ao PMDB em razão da obra da Usina Hidrelétrica Belo Monte”. De acordo com o ex-ministro, “a então candidata tomou ciência e efetivamente autorizou que se continuasse a agir daquela forma”.

O ex-presidente Lula sempre negou recebimento de valores ilícitos. A Odebrecht informou que colabora com a Justiça nos termos do acordo que firmou com a Lava Jato. A Andrade Gutierrez não havia se manifestado até o fechamento desta edição.


Presentes
Em depoimentos à PF em agosto passado, os motoristas citados por Palocci disseram ter testemunhado entregas do ex-ministro a Lula. Cláudio Souza Gouveia disse que, por diversas vezes, conduziu Palocci até o Terminal da Aeronáutica em Brasília para levar a Lula presentes e outros objetos. Entre os presentes, estavam caixas de uísque, celulares e canetas. O motorista, no entanto, declarou que nunca soube se as caixas continham efetivamente os produtos. Já Carlos Alberto Pocente, que foi motorista do ex-ministro por 30 anos, afirmou recordar-se de um episódio, entre aqueles que envolviam dinheiro, no qual Palocci estava com muita pressa para levar uma caixa de uísque a Lula, no Aeroporto de Congonhas.