Correio braziliense, n. 20326, 14/01/2019. Economia, p. 5
Investidores globais de olho no Brasil
Gabriel Ponte
14/01/2019
CONJUNTURA » Orientação liberal do novo governo, programa de privatizações e perspectivas de crescimento colocam o país em destaque frente a outras nações emergentes, segundo analistas. Valorização da bolsa reflete expectativa de entrada de recursos externos
A expectativa de desaceleração da economia mundial em 2019 tem feito investidores internacionais voltarem os olhos para países que ofereçam boas condições para a aplicação de recursos. Nesse quadro, o Brasil, entre os países emergentes, ganha destaque. A orientação liberal da equipe econômica do novo governo é bem-vista pelo mercado, e muitos países que poderiam disputar espaço com a economia brasileira pelo direcionamento de recursos globais estão em situação menos favorável. O México, por exemplo, também acaba de empossar um novo presidente. López Obrador, porém, é ideologicamente de esquerda, o que provoca receio entre grandes bancos e empresas.
O foco em mercados emergentes não é à toa. Em dezembro passado, analistas passaram a cogitar até mesmo a possibilidade de os Estados Unidos entrarem em recessão neste ano. A preocupação parece exagerada, tendo em vista os últimos dados da maior economia global — em dezembro, foram criadas 312 mil novas vagas de trabalho, bem acima das expectativas, o que fez a taxa de desemprego recuar para 3,9%. De qualquer modo, a guerra comercial iniciada por Donald Trump contra a China começa a afetar estruturas produtivas do país, aumentando a sensação de incerteza, num momento em que o embate do presidente com a oposição em torno do orçamento provoca a paralisação de diversos órgãos governamentais.
A cautela com o desempenho econômico norte-americano contagiou o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA). Divulgada na semana passada, a ata da última reunião do órgão destacou que a evolução da política monetária do país andará de lado com a atividade econômica. Dessa forma, o Fed, que anunciou quatro aumentos de juros no país em 2018, deverá ser mais ponderado neste ano, de forma a não prejudicar uma tendência de crescimento que deve, naturalmente, sofrer alguma desaceleração.
Opções
Com o receio acerca dos EUA, os emergentes tornam-se opções para alocação de recursos. Antecipando-se a essa tendência, o Ibovespa, índice que mede a lucratividade das principais ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), acumulou valorização de 15,03% em 2018, enquanto a Bolsa Mexicana de Valores (BMV), no mesmo período, teve perda de 13,3%.
Países como Argentina, Turquia, África do Sul, Índia e Malásia também disputam a atenção dos investidores globais. Porém, de acordo com o economista César Bergo, a conjuntura doméstica é mais favorável. “Eu não me surpreenderia se, em uma próxima reunião, o Copom (Comitê de Política Monetária) optasse por reduzir a taxa Selic. Assim, em um ano de inflação sem reação e juros baixos, o mercado de renda variável desponta como promessa”, afirma.
Bergo ainda destaca as recentes baixas das bolsas norte-americanas. Os índices Dow Jones, do setor industrial, Nasdaq, de tecnologia, e S&P500, que abarca as maiores empresas, tiveram um ano difícil em 2018, puxado, principalmente, pela previsão de redução da demanda global. “Os EUA estão, ultimamente, à sombra da recessão, ou seja, o volume de recursos que busca uma alternativa vai aumentando para outros mercados, com o Brasil na rota”, disse. “Nosso país ainda tem muita capacidade ociosa. Passamos por quase três anos de recessão, ou seja, a indústria está ávida por produzir, o que pode não ocorrer em outros países”, completa Bergo.
Fernanda Consorte, estrategista de Câmbio do Banco Ourinvest, pondera que, apesar de o Ibovespa ter alcançado nova marca de fechamento na semana passada, com 93.658 pontos, o otimismo do investidor local é que tem movido a bolsa. “Os fluxos financeiros captados pelo BC e pela B3 mostram o investidor estrangeiro saindo do Brasil, ou seja, o bom humor está sendo feito pelos locais”, explica. Segundo Fernanda, a volta do estrangeiro depende da execução das reformas anunciadas pelo governo.
Os dados do mercado de câmbio sustentam a análise da economista. Em que pese a recuperação mostrada nas últimas semanas, o real se desvalorizou 14,66% frente ao dólar norte-americano em 2018. Foi a terceira maior perda entre as moedas emergentes, atrás apenas da lira turca (28,25%) e do peso argentino (50,57%). Já o México viu o peso mexicano avançar 0,11% frente ao dólar.
*Estagiário sob supervisão de ODail Figueiredo
O Brasil e emergentes
Investidores miram cenários alternativos para contornar uma eventual desaceleração global e da economia dos EUA. Brasil é destaque, segundo especialistas
15,03%
Foi quanto o Ibovespa, índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), se valorizou em 2018. Só nas duas primeiras semanas deste ano, o indicador registra alta de 6,5%, e já alcançou novo recorde.
47,3%
É participação do investidor estrangeiro na B3. De acordo com especialistas, o retorno do estrangeiro ao Brasil está atrelado ao andamento das reformas econômicas no Congresso Nacional, além do cenário de segurança jurídica.
México
Historicamente, a Bolsa Mexicana de Valores (BMV) compete com a B3. No entanto, Brasil e México vivem realidades antagônicas. O novo presidente mexicano, López Obrador, é de esquerda e promete adotar políticas intervencionistas na economia, enquanto que Bolsonaro, de direita, tem apoiado a proposta liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Dólar x Real
Apesar do expressivo avanço do Ibovespa em 2018, o real teve forte queda em relação ao dólar (-14,66%). Foi o quarto maior recuo entre moedas emergentes, atrás apenas do peso argentino, da lira turca e do rublo russo. No fim do ano, porém, a moeda brasileira reagiu e, em 2019, afirmam especialistas, com o avanço de reformas, a promessa é de entrada de recursos estrangeiros no país, o que tende a valorizar ainda mais o real.
Confira o desempenho das principais moedas de emergentes frente ao dólar em 2018
Peso Mexicano +0,11%
Rupia indiana -8,19%
Peso chileno -11,31%
Rand sul-africano -13,86%
Real - 14,66%
Rublo russo -16,70%
Lira turca -28,25%
Peso argentino -50,57%
Enfraquecimento global
De acordo com o Banco Mundial (Bird, na sigla em inglês), o PIB global desacelera. Em julho, a instituição apostava numa alta de 3%, mas a última previsão recuou para 2,9%. Essa tendência vem motivando grandes investidores a procurarem alternativas, como mercados emergentes que apresentam boas perspectivas.
Desaceleração nos EUA
Boa parte dos economistas acredita que a maior economia do mundo, após 114 meses de expansão e em situação de pleno emprego, vai desaquecer neste ano. Alguns chegam a falar em recessão. Em 2018, o Fed já aumentou os juros básicos da economia em quatro oportunidades, e outras altas de juros devem vir em 2019.
Fontes: especialistas; SIX Financial Information; Tullet Prebon; B3
Frase
“A economia brasileira está pronta para decolar, com juros baixos e inflação controlada, porém, com a necessidade da correção do deficit público e da redução do desemprego”
Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central