Título: Missão de Teerã
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Fonte: Correio Braziliense, 08/08/2012, Mundo, p. 16

Depois de mais de duas semanas sem ser visto em público, o presidente Bashar Al-Assad reapareceu para os sírios na tevê estatal, que exibiu ontem seu encontro com Said Jalili, secretário do Conselho de Segurança Nacional do Irã e emissário do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do regime islâmico. A reunião de alto nível entre os dois aliados foi permeada por críticas às potência ocidentais, que se mobilizam pela saída de Assad do poder. Em meio à guerra civil que opõe o regime, dominado pela minoria religiosa alauíta, à maioria muçulmana sunita, o eixo formado pelo clã Assad com o Irã, onde a maioria da população é xiita, confronta-se com os regimes sunitas da vizinhança, encabeçados pela Arábia Saudita e pela Turquia — com o apoio dos Estados Unidos e de Israel, receosos com a expansão da influência iraniana na região.

O acirramento dos combates e a perspectiva de um confronto prolongado levaram o rei da vizinha Jordânia, Abdullah II, a advertir sobre o risco de um conflito de escala regional. "Tenho a impressão de que, se Assad não puder governar a Síria inteira, seu plano B será estabelecer um enclave alauíta", disse o monarca à tevê americana CBS. "Para nós, esse seria o pior dos cenários, porque supõe a divisão do país", prosseguiu. "Se a Síria implodir, serão gerados problemas que levaremos décadas para resolver."

"O povo sírio e seu governo estão decididos a purgar o país de terroristas e combatê-los sem descanso", disse o presidente sírio aos visitantes, em um encontro no qual os temores do rei jordaniano também foram abordados. Jalili reiterou que o Irã permanecerá ao lado de Assad, classificado como "elemento imprescindível" contra os EUA e Israel. "O Irã jamais permitirá que se rompa o eixo da resistência, do qual a Síria é um pilar fundamental. A situação do país não é uma crise interna, e sim um conflito no eixo da resistência regional", pontuou o emissário do aiatolá. Ele responsabilizou Washington pelo sequestro de 48 iranianos que Teerã alega serem peregrinos xiitas, embora os rebeldes sírios os classifiquem como integrantes da Guarda Revolucionária, unidade de elite do regime islâmico. O chanceler iraniano, Ali Akbar Salehi, visitou Ancara e pediu ao colega turco, Ahmet Davutoglu, que interceda pela libertação dos reféns.

O governo americano, que desmente ter qualquer informação sobre os iranianos sequestrados, voltou a insistir na urgência de que o presidente sírio deixe o poder. Em visita à África do Sul, a secretária de Estado Hillary Clinton reforçou o chamado à comunidade internacional para que se prepare para o pós-Assad. Falando à imprensa em Pretória, Hillary disse que o mundo deveria ter um plano para "o dia em que acabar o derramamento de sangue e começar a transição democrática".

As tensões políticas aumentaram ainda mais após novas deserções alimentarem rumores de que o governo do ditador está perdendo sustentação. Um dia depois de o primeiro-ministro Riad Hijab fugir para a Jordânia e aderir à revolução, um general e mais 11 altos oficiais mudaram de lado. Em entrevista ao Correio, Will Moore, especialista em Oriente Médio e professor de ciência política da Universidade Estadual da Flórida, afirmou que, "se Assad continua se segurando, em face da oposição armada e do isolamento internacional, resta saber se ele será capaz de conter as crescentes deserções e salvar a própria cabeça, diante das tentativas de golpe vindas do aparato de segurança".

Combates

Na Síria, mais um dia de extrema violência marcou os 17 meses de levantes contra o regime, com um saldo de pelo menos 244 mortos, segundo o Observatório Sírio para Direitos Humanos (OSDH). No centro de Aleppo, capital financeira do país e foco de sangrentos combates desde a última semana, o Exército Sírio Livre atacou um edifício onde cerca de 300 militares leais ao presidente estavam entrincheirados com milicianos pró-Assad. Helicópteros de guerra dispersaram os rebeldes, como ocorreu também nos bairros de Salaheddine e Soukkari. De acordo com o OSDH, a ofensiva aérea parecia marcar "a preparação para um ataque por terra".

Uma elite perseguida

Os alauítas são uma antiga confissão muçulmana de orientação mística, avessa aos aspectos mais doutrinários do islã ortodoxo e, por isso mesmo, tratada como herética pelas autoridades da corrente sunita, predominante no mundo islâmico. Perseguidos também pelos cruzados cristãos e pelos sultões otomanos (turcos), na Idade Média, foram por fim reconhecidos no século 20 como adeptos de uma das escolas muçulmanas xiitas — e, como tal, garantiram seu lugar no islã. Sua posição como elite político-militar na Síria foi parte da política adotada pela França no período entre as duas guerras mundiais, quando ocupou o país sob regime de protetorado. Hafez Al-Assad, pai do atual presidente, fundiu sua origem alauíta a elementos nacionalistas e socialistas na ideologia secular que norteia o Partido Baath.