Correio braziliense, n. 20347, 04/02/2019. Mundo, p. 13
Francisco, o primeiro papa no berço do Islã
04/02/2019
O papa Francisco iniciou, na noite de ontem, uma viagem inédita de um chefe da Igreja Católica à Península Arábica, o berço do Islã. O pontífice desembarcou em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, para uma visita de três dias, que, segundo a programação, será dominada pelo diálogo entre as religiões. Ao contrário da vizinha Arábia Saudita, que permite a prática apenas do islamismo, o governo dos Emirados procura projetar a imagem de um país tolerante. Com expressivo número de estrangeiros, há por lá estimados 1 milhão de católicos, sobretudo, entre os trabalhadores indianos e filipinos.
Antes de deixar a Itália, Francisco escreveu no Twitter: “Estou partindo para os Emirados Árabes Unidos. Me dirijo a esse país como um irmão para escrevermos juntos uma página de diálogo e percorrermos juntos os caminhos de paz. Orem por mim!”. Já a bordo do avião, o papa disse que soube que estava chovendo em Abu Dhabi. “Nesses países é visto como um sinal de bênção”, destacou.
Segundo a CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, 76% dos 9,7 milhões de habitantes dos Emirados Árabes Unidos é muçulmana, enquanto os cristãos respondem por cerca de 9%. Desde o início do seu pontificado, o papa viajou a vários países cuja população é majoritariamente muçulmana, como Egito, Azerbaijão, Bangladesh e Turquia. Em março, ele viajará ao Marrocos.
Ainda no Vaticano, Francisco pediu ontem que “favoreçam com urgência o cumprimento dos acordos alcançados” para uma trégua na cidade portuária de Hodeida, no Iêmen, crucial para o acesso da ajuda humanitária. A guerra no Iêmen opõe as forças pró-governo, apoiadas desde 2015 pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos, aos rebeldes huthis xiitas, respaldados pelo Irã e que controlam amplas zonas do país, incluindo a capital Sanaa.
A Human Rights Watch pediu ao pontífice que aproveite a sua visita para falar da situação dos direitos humanos no Iêmen. Também organização Anistia Internacional apelou ao papa que coloque sobre a mesa em Abu Dhabi a questão do respeito aos direitos humanos e criticou que muitos dissidentes permaneçam detidos no país.
Missa
Para hoje, está na agenda de Francisco um encontro inter-religioso internacional. Mas é a missa de amanhã que mobiliza os católicos. Ontem de manhã, era grande a movimentação em torno da Catedral São José de Abu Dhabi, decorada com as cores do Vaticano e dos Emirados.
Os fiéis tentavam conseguir os últimos lugares para a missa, que deve reunir 135 mil fiéis. Shane Gallagher, um irlandês expatriado que vive nos Emirados, disse estar “encantado” com a visita de Francisco e pelo fato de ocorrer em um país muçulmano. “Vamos ter uma ótima semana”, disse. “Acho que a visita será um testemunho incrível da tolerância dos Emirados Árabes Unidos”, acrescentou a americana Collins Cochet Ryan.
Não obstante esse clima de abertura, as autoridades controlam as práticas religiosas e reprimem a contestação política e a exploração da religião, inclusive pelos adeptos de um Islã político, encarnado pela Irmandade Muçulmana. Anwar Gargash, ministro das Relações Exteriores, fez alusão a isso ontem em um tuíte no qual criticou o Catar, boicotado por seu país e três de seus aliados, que o acusam de apoiar islamitas radicais, o que Doha desmente.
O ministro destacou a diferença entre o “mufti do terrorismo”, em referência ao religioso Yusef al-Qardaui, considerado chefe espiritual da Irmandade Muçulmana, que é protegida pelo Catar, e o seu país, que acolhe um dos símbolos de “tolerância e amor”, que são o papa e o imã de Al-Azhar.