Correio braziliense, n. 20345, 02/02/2019. Política, p. 4

 

Casa renovada e instável

Simone Kafruni

02/02/2019

 

 

Das 81 cadeiras do Senado, dois terços, ou 54, estavam na disputa. E 46 dos eleitos para a nova legislatura não estavam no ano passado, trazendo muito gás e pouca experiência. Vários caciques deram adeus ao tapete azul

De cada quatro senadores que tentaram a reeleição em 2018, três não conseguiram o objetivo de conquistar novo mandato de oito anos. O Senado tem 81 cadeiras, mas um terço mantém seus mandatos até 2022. Do total das 54 vagas que estavam na disputa, 46 dos eleitos não integravam o Senado no ano passado, uma renovação histórica de 85%. A Câmara também atingiu uma mudança histórica, superior aos índices das últimas eleições, mas ficou bem abaixo do que se viu no Senado: 47%.

Desde a redemocratização do país, não houve um pleito com tantas caras novas na eleição para a chamada Câmara Alta, apesar de ter registrado o maior número de candidaturas à reeleição: foram 32, ou quase 60% dos senadores.

Entre os que conseguiram se reeleger está Renan Calheiros (MDB-AL), que inicia mais um mandato de oito anos. O senador estreante Major Olímpio (PSL-SP) evita criticar a permanência do alagoano na Casa. “Quando se olha para a renovação de 85%, certamente muitas pessoas se indagam: ‘Por que não foi de 100%?’. O fato é que, no caso do Renan e de outros, a população de seus estados decidiu mantê-los. Não se pode discutir isso”, argumenta.

Para Antonio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (Diap), a chegada de tantas pessoas novas, ainda que tenham tido mandato antes em outras casas legislativas, vai significar certa dificuldade de organização. “No começo, vão bater muita cabeça.”

Por sua vez, o Planalto terá grande facilidade de aprovar leis e emendas constitucionais, tanto no Senado quanto na Câmara. “Nunca um governo encontrou ambiente tão favorável para mudanças”, destaca Queiroz. O viés ideológico das novas casas é liberal na economia e conservador nos costumes. A primeira característica significa tendência de aprovação de reformas como a da Previdência ou a tributária. A segunda, indica obstáculo a mudanças sociais que possam ser propostas por outros parlamentares, como a ampliação dos casos em que o aborto é permitido e o favorecimento a projetos para facilitar a posse ou o porte de armas.

Um exemplo da confusão com a adaptação inicial pode estar no embate que ocorreu no Senado ontem, durante as discussões para decidir se o voto para a Presidência da Casa seria aberto ou fechado. Embora os protagonistas do confronto tenham sido senadores mais experientes, como Katia Abreu (MDB-TO), Humberto Costa (PT-PE) e Renan, entre outros, o papel dos novatos foi essencial. Sem eles, dificilmente o voto aberto teria sido aprovado. Além disso, a contestação da Presidência da sessão por Davi Alcolumbre (DEM-AP) teria sido muito mais forte em um plenário repleto de veteranos. Alcolumbre, embora já esteja na casa há quatro anos, é pouco experiente e, aos 41 anos, relativamente jovem para o Senado.

O fato de Alcolumbre ter comandado a sessão, aliás, é uma demonstração do tsunami que atingiu a eleição para a Casa. Ele sentou-se na cadeira principal porque era o secretário suplente da mesa anterior, na qual nenhum outro integrante foi reeleito.

 

Partiram

Vários caciques ficaram fora do Senado, entre eles, o ex-presidente da Casa Eunício Oliveira (MDB-CE). Outros medalhões emedebistas deram adeus ao tapete azul: Romero Jucá (RR) e Edison Lobão (MA).

Senadores que lideraram a oposição ao governo Michel Temer, como Roberto Requião (MDB-PR) e Lindbergh Farias (PT-RJ), também estão excluídos da nova legislatura. Magno Malta (PR-ES), guru espiritual do presidente Jair Bolsonaro, engrossa a lista dos não reeleitos. Ele, aliás, abriu mão de ser candidato a vice de Bolsonaro porque temia que a chapa presidencial não fosse vencedora, e ele, portanto, ficaria sem mandato.

Os tucanos Beto Richa (PR) e Cássio Cunha Lima (PB), ex-vice-presidente da Casa, e o petista Eduardo Suplicy (SP) não conquistaram votos suficientes para se manterem no Senado.

Garibaldi Alves (MDB-RN), que foi presidente do Senado de 2007 a 2009 e ministro da Previdência durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, só vai manter seu nome no Congresso porque o filho, Walter Alves, se elegeu para a Câmara dos Deputados.

Os senadores Waldermir Moka (MDB-MS), Ataídes Oliveira (PSDB-TO), Vicentinho (PR-TO), Benedito de Lira (PP-AL),  Ângela Portela (PT-RR), Lúcia Vânia (PSDB-GO) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA) também não se reelegeram.

Além dos 22 parlamentares que preferiram não buscar a reeleição e dos 24 que não a conseguiram, a renovação do Senado ganhou dois suplentes, porque Gladson Cameli (PP-AC) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), que estavam na metade dos mandatos, foram eleitos governadores por seus estados no primeiro turno das eleições do ano passado.

 

Frase

“Nunca um governo encontrou ambiente tão favorável para mudanças”

Antonio Augusto de Queiroz, diretor do Diap

85% - Porcentagem da renovação no Senado, contra 47% da Câmara