Correio braziliense, n. 20345, 02/02/2019. Mundo, p. 12

 

Paciência esgotada

02/02/2019

 

 

Os Estados Unidos ameaçaram enviar Nicolás Maduro para Guantánamo, a famigerada prisão norte-americana em Cuba, e insistiram que o “ditador” deve partir. O Brasil frisou que o herdeiro de Hugo Chávez perdeu o cargo no Palácio de Miraflores e sugeriu que ele tome “a porta da rua”. A Colômbia foi além e assegurou que o “fim da ditadura” é iminente. O presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, enviou carta ao México e ao Uruguai e informou a ambos os governos que somente aceitará uma solução que contemple a saída de Maduro. A pressão internacional contra o regime venezuelano se intensificou ontem. O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, instou a China e a Rússia, aliados de Caracas, a verem a “realidade da Venezuela” e denunciou um “genocídio silencioso”.
Em entrevista coletiva no Palácio do Itamarary, o ministro das Relações Exteriores admitiu que a formação do Grupo de Contato Internacional, anunciado na véspera pela União Europeia (UE), pode ajudar na “perpetuação da ditadura”. “A saída para Maduro é a porta da rua”, alfinetou Araújo. O chefe da diplomacia do governo de Jair Bolsonaro entende que o sofrimento humano provocado pela grave crise socioeconômica no país vizinho “deveria transcender as considerações geopolíticas”. Para mitigar a penúria dos venezuelanos, o Itamaraty vai propor uma comissão interministerial para debater o envio de ajuda humanitária, a aplicação de sanções e a abordagem da dívida de Caracas com Brasília. 

O vice-presidente brasileiro, general Hamilton Mourão, falou ao jornal espanhol El País e opinou que os militares venezuelanos não manterão apoio eterno a Maduro. “O establishment militar venezuelano se envolveu tanto com o bolivarianismo que é difícil se distanciar. Mas acho que, em algum momento, os militares colocarão o compromisso do país acima das paixões. Creio que abandonarão o senhor Maduro.”

Ação
A Casa Branca subiu o tom, ontem, e fez novas ameaças a Maduro. O vice-presidente norte-americano, Mike Pence, disse que os Estados Unidos continuarão a exercer “toda a pressão diplomática e econômica” sobre a Venezuela até lograrem uma transição pacífica à democracia. “Eu devo ser claro: isso não é hora para diálogo. É hora de ação”, declarou, arrancando aplausos da plateia formada por exilados venezuelanos e líderes da comunidade latina reunidos em Doral, no estado da Flórida. “Saibam disso — todas as ações estão sobre a mesa. Nicolás Maduro faria bem em não testar a determinação dos EUA”, acrescentou.

Ontem pela manhã, John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump, foi irônico ao dar um conselho a Maduro, durante entrevista ao radialista Hugh Hewitt. “Eu desejo a ele uma longa e tranquila aposentadoria em uma bela praia longe da Venezuela. Quanto mais rápido ele tirar vantagem disso, mais rápido terá uma aposentadoria legal e calma em uma praia bonita, em vez de em alguma outra área costeira, como Guantánamo”, comentou. Por sua vez, o presidente colombiano, Iván Duque, garantiu que “à ditadura da Venezuela faltam muito poucas horas”. “Um novo regime institucional está sendo criado, graças ao trabalho desempenhado pela Colômbia e por outros países.”

Manifestação
O líder interino venezuelano, Juan Guaidó, convocou para hoje manifestação com os objetivos de apoiar a entrada de ajuda humanitária no país e exigir a renúncia de Maduro. “Todos nós devemos tomar as ruas na Venezuela e em todo o mundo com um objetivo claro: apoiar o ultimato dado pelos membros da União Europeia. Vamos alcançar a maior marcha da Venezuela e da história do nosso continente”, afirmou. Norka Márquez Frontado, 54 anos, mãe de Guaidó, declarou ao Correio que “muito em breve a Venezuela será livre” (leia o Três perguntas para). Guaidó disse esperar que “nunca ocorra uma ação militar estrangeira” em território venezuelano. “Nossa luta democrática e adesão à Constituição é muito difícil, mas cremos nela e queremos evitar a violência.”

Para Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas e preso político exilado em Madri, o fato de Bolton ter usado “esses termos” é de supor que “o prontuário de Maduro seja arrepiante”. “A declaração do conselheiro de Trump oferece um vislumbre do que os organismos de inteligência têm coletado sobre Maduro. Além de cúmplice no processo de destruição da Venezuela, ele representa uma ameaça à paz no Hemisfério Ocidental”, comentou à reportagem. Ledezma denunciou que o seu país enfrenta uma intervenção militar que perdura por anos. “Trata-se do efetivo castrista cubano, junto a outros grupos terroristas que Hugo Chávez e Maduro permitiram entrar no país. Nós seguimos lutando, com as instituições ativadas, a Assembleia Nacional e o Tribunal Supremo de Justiça, com o povo mobilizado.”

O número dois do chavismo e presidente da Assembleia Constituinte, Diosdado Cabello, participou de um comício no estado de Miranda e conclamou os governistas “à organização e à unidade”. “Se a direita insiste, devemos estar organizados para triunfar. Levantemos as lanças e as bandeiras de (Ezequiel) Zamora (líder da luta pela independência)  para atropelar quem deseja se impor, alguém a quem o povo não deseja”, desafiou, segundo o jornal El Nacional.


"Eu desejo a ele uma longa e tranquila aposentadoria 
em uma bela praia longe da Venezuela. Quanto mais 
rápido ele tirar vantagem disso, mais rápido 
terá uma aposentadoria legal e calma em 
uma praia bonita em vez de em 
alguma outra área costeira, como Guantánamo”


John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca


“Hoje é digno de aplaudir o que está vendo o mundo: à ditadura 
da Venezuela faltam muito poucas horas. 
Um novo regime institucional está sendo criando, 
graças ao trabalho desempenhado
pela Colômbia e por outros países”


Iván Duque, presidente da Colômbia

“Nicolás Maduro é um ditador sem legitimidade para o poder — e ele deve partir!”
Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos

“A saída para Maduro é 
a porta da rua”
Ernesto Araújo, chanceler do Brasil

Regime nega
menores recrutas


O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, desmentiu ontem que o governo de Nicolás Maduro estaria recrutando menores de idade. No entanto, ele admitiu a detenção de alguns adolescentes, os quais supostamente portavam artefatos explosivos e armas. Em entrevista ao programa Primera Pagina, da emissora de televisão Globovisión, Saab prometeu impor todo o peso da lei sobre os responsáveis por atos violentos. Ele garantiu que 131 funcionários da Polícia Nacional Bolivariana (PNB)  e da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) foram “alcançados” por armas dos manifestantes.


Eu acho...


“O povo da Venezuela tem um plano de resistência. Tem mostrado paciência e coragem. Sentimentos e atitudes mesclados com a persistência. O povo da Venezuela jamais se rendeu. Sabemos que essa peregrinação tem sido dura, mas que os sacrifícios têm valido a pena. Uma vez superada a narcotirania, virá outro desafio, não menos formidável: a reconstrução da Venezuela. Isso levará tempo.”


Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas e preso político exilado em Madri


Três perguntas para

Norka Márquez Frontado, 54 anos, professora e artesã, mãe do presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó


O que a senhora sentiu quando Juan Guaidó se autoproclamou presidente da Venezuela?
O dia 23 de janeiro foi muito emocionante para mim. Na condição de venezuelana, eu jamais imaginei estar presente no ato de juramento de um presidente da Venezuela, diante do país e do mundo. E, menos ainda, que  esse presidente seja meu filho. Foi uma completa surpresa para mim. Eu, como milhões de venezuelanos, tampouco sabia que meu filho iria prestar juramento como presidente encarregado da Venezuela.

Quais as maiores qualidades de Guaidó?
Juan, sem dúvida, possui muitas qualidades. No entanto, considero que, entre as mais importantes, estão a capacidade de unificar as famílias e, nesta oportunidade, o povo venezuelano. Ele despertou a esperança em milhões de venezuelanos que, em algum momento, davam tudo por perdido. Hoje, estamos nos reencontrando como irmãos.

Como venezuelana, o que a senhora pensa sobre o futuro de sua nação?
Muito em breve, a Venezuela será livre. Em um futuro muito próximo, o abraço em família retornará. Eu estarei no Aeroporto Internacional de Maiquetía esperando, de braços abertos, pelos milhões de venezuelanos que regressarão à sua pátria. Será uma grande festa nacional, a festa da liberdade e da democracia. (RC)