Correio braziliense, n. 20352, 09/02/2019. Mundo, p. 10

 

Impasse na fronteira

09/02/2019

 

 

Um barco militar da Venezuela chegou na manhã de ontem a Havana com 100 toneladas de ajuda humanitária destinada a Cuba, atingida recentemente por um tornado, no mesmo dia em que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, reafirmou que não vai permitir o “show” da ajuda humanitária enviada pelos Estados Unidos ao seu país. Um carregamento de suprimentos continuava bloqueado ontem na cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira, para onde foi encaminhado a pedido do líder opositor venezuelano Juan Guaidó, reconhecido como presidente interino da Venezuela por cerca de 40 países. Ele mobiliza a população para pressionar pela liberação dos donativos.
“A Venezuela não vai permitir o show da ajuda humanitária falsa, porque não somos mendigos de ninguém”, declarou Maduro, em entrevista coletiva. Segundo o presidente, Washington “fabrica” uma situação de “emergência humanitária” no país com a intemção de intervir miltarmente para depô-lo e colocar Guaidó no poder. “Se tropas americanas estão na Colômbia, que fiquem lá”, ameaçou.
Uma dezena de veículos carregados com medicamentos e alimentos chegou na quinta-feira a Cúcuta, onde o governo colombiano instalou um centro de estocagem perto da ponte internacional de Tienditas, bloqueada pelos militares venezuelanos com dois contêineres e uma cisterna.
O país produtor de petróleo, mergulhado na pior crise da história recente, sofre com uma severa escassez de produtos básicos e uma hiperinflação — o FMI projeta para 2019 uma taxa anual de 10.000.000%. Cerca de 2,3 milhões de venezuelanos emigraram desde 2015, segundo a ONU.
Maduro sustenta que não há crise humanitária, e aponta como motor do caos econômico as sanções impostas pelos EUA, que congelaram contas e ativos do governo e embargaram a importação de petróleo venezuelano a partir de 28 de abril. “Liberem o dinheiro que nos bloquearam e sequestraram. É um jogo macabro: nos apertam pelo pescoço para nos obrigar a pedir migalhas”, disse.

Pressão
Com o objetivo de pressionar os militares a permitiren a passagem dos donativos, Guaidó convocou duas mobilizações, a primeira delas na próxima terça-feira. “Eles estão em um dilema: ou ficam do lado das pessoas necessitadas, ou da ditadura”, afirmou o presidente interino. Guaidó, 35 anos, anunciou que nos próximos dias mais carregamentos com ajuda chegarão às fronteiras, e que centros de coleta serão instalados no Brasil e em uma ilha caribenha a ser definida.
“Do povo dos Estados Unidos da América”, “Coalizão Ajuda e Liberdade Venezuela”, lê-se em cartazes colados diante do galpão onde estão estocados alimentos e medicamentos, em Cúcuta. O deputado Lester Toledo, representante de Guaidó na cidade colombiana, assegurou que o carregamento representa “as primeiras gotas”, mas prometeu um “tsunami de ajuda humanitária”. “Ele vai abrir um corredor humanitário e as portas para a liberdade”, disse a repórteres.
A atitude dos militares permitirá ao líder oposicionista medir a unidade de comando das Forças Armadas, principal suporte de Maduro, segundo analistas. Além dos militares, o chavista “depende cada vez mais” do apoio de aliados como Rússia, China e Turquia. “Mas os chineses mostram pragmatismo e foco na recuperação de seus empréstimos”, observa, em relatório, a agência de risco Eurasia Group. “Maduro tem opções limitadas de financiamento para compensar o impacto das sanções dos EUA, o que reforça a opinião de que ele não será capaz de sustentar seu regime.”
Enquanto a ajuda humanitária chegava à fronteira da Colômbia, na quinta-feira, o Grupo Internacional de Contato, formado por países europeus e latino-americanos, se reunia em Montevidéu. A declaração final do encontro pediu eleições presidenciais “livres” na Venezuela. “Nós rejeitamos a parcialidade, a ideologização do documento do Grupo de Contato, mas estou pronto e disposto a receber qualquer enviado”, reagiu Maduro.
A Embaixada da Venezuela em Cuba informou, pelo Twitter, que o navio Les Moines, da Marinha venezuelana, “chegou ao porto de Havana com ajuda para as pessoas afetadas por um forte tornado”. O post era acompanhado de uma foto do barco. Em outro tuíte, a embaixada mostra as bandeiras dos países içadas na proa da embarcação, bem como o vice-ministro de Comércio Exterior de Cuba, Antonio Carricar, que foi receber os suprimentos.

“Eles (os militares venezuelanos) estão em um dilema: ou ficam do lado das pessoas necessitadas, ou da ditadura”