O globo, n. 31230, 07/02/2019. País, p. 4

 

Sensores com defeito

Bela Megale

Mateus Coutinho

07/02/2019

 

 

Troca de e-mails mostra que Vale sabia de risco da barragem

Uma troca de e-mails entre funcionários da Vale e a empresa responsável pela segurança da barragem de Brumadinho (MG), que rompeu causando a morte de pelo menos 150 pessoas, mostrou que os problemas na estrutura eram conhecidos pela mineradora. As mensagens relatando mau funcionamento dos medidores do nível de água e pressão, chamados de piezômetros, foram escritas entre 23 e 24 de janeiro. A tragédia ocorreu no dia 25.

O engenheiro Makoto Namba, do grupo alemão TÜV SÜD, uma das empresas responsáveis por monitorar a segurança da barragem, foi confrontado pelo delegado da Polícia Federal Luiz Augusto Pessoa Nogueira sobre os e-mails. As mensagens, trocadas entre cinco funcionários da Vale e três da TÜV SÜD, afirmavam que cinco piezômetros não estavam funcionando e que também havia dados discrepantes em outros equipamentos de medição.

Em depoimento ao qual O GLOBO teve acesso, Namba relatou que só tomou conhecimento dos dados após o rompimento da barragem (seu nome não estava entre os que receberam os e-mails).

Ele foi indagado sobre qual providência adotaria se seus filhos estivessem no local, diante das observações que apareciam na troca de mensagens.

“Após a confirmação das leituras, ligaria imediatamente para seu filho para que evacuasse do local bem como que ligaria para o setor de emergência da Vale responsável pelo acionamento do PAEBM (Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração) para as providências cabíveis”, relata o documento da Polícia Federal. Namba foi preso na semana passada e solto há dois dias pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Relato de pressão da Vale

No depoimento à PF, Namba relatou a pressão de funcionários da Vale para que o laudo de estabilidade da barragem fosse aprovado. Em uma reunião com a equipe da mineradora sobre o documento assinado por ele, o engenheiro disse ter ouvido de um funcionário da Vale chamado Alexandre Campanha: “A TÜV SÜD vai assinar ou não a declaração de estabilidade?”. Na ocasião, Namba disse que assinaria o documento se a empresa se comprometesse com as melhorias.

“Apesar de ter dado esta resposta para Alexandre Campanha, o declarante sentiu a frase proferida pelo mesmo e descrita neste termo como uma maneira de pressionar o declarante e a TÜV SÜD a assinar a declaração de condição de estabilidade sob o risco de perderem o contrato”, diz o depoimento do engenheiro.

Ainda segundo Namba, a TÜV SÜD realizou estudos de revisões periódicas em 31 barragens de rejeitos de mineração da Vale, e a de Brumadinho foi a que apresentou os riscos mais altos. O engenheiro disse que a probabilidade de rompimento da barragem era de 1 para 5 mil e que esse valor é considerado acima do recomendado pela própria Vale.

Segundo investigadores, além de Namba, um funcionário da própria mineradora relatou ter informado ao diretor da Vale Sudeste, Silmar Magalhães, o terceiro na hierarquia da empresa, que a drenagem que fizeram em junho havia tido problema. O nome da testemunha não foi informado.

Em nota, a Vale informou que vem colaborando “proativamente e da forma mais célere possível”com as autoridades que investigam o rompimento da barragem. A empresa disse que entregou voluntariamente documentos e e-mails, no segundo dia útil após o evento, para procuradores da República e o delegado da Polícia Federal. “A companhia se absterá de fazer comentários sobre particularidades das investigações de forma a preservar a apuração dos fatos pelas autoridades”, diz trecho da nota.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Equipamento com falha era básico e essencial

Ana Lucia Azevedo

07/02/2019

 

 

O piezômetro é o mais simples e imprescindível equipamento de uma barragem de rejeito de mineração. É um tubo cheio de furos que mede o nível de água. Quando o nível aumenta, ele dispara um aviso por sensores alertando que a água não está sendo drenada e há risco de rompimento. A ferramenta representa para uma barragem o que um estetoscópio significa para o médico.

Medições anômalas e piezômetros que não funcionam são o equivalente a um coração que infarta, explica Carlos Barreira Martinez, professor especializado em segurança de barragens das universidades federais de Minas Gerais e de Itajubá, um dos mais respeitados especialistas do Brasil.

—A barragem (de Brumadinho) corria risco de estourar, a Vale sabia e não fez nada —lamentou Martinez, ao ler os depoimentos prestados pelos funcionários da empresa TÜV SÜD, de origem alemã.

Martinez afirmou que ficou em choque com o relato dos técnicos:

—Essas pessoas não precisavam ter morrido. A mina deveria ter sido imediatamente evacuada e as comunidades alertadas. A Vale não podia ter feito isso, poderia ter evitado essas mortes e não o fez. Não quero acreditar que foi um crime deliberado, que são maus a esse ponto. Acredito que foi ignorância, soberba, arrogância tecnológica. Acharam que nem Deus afundaria o Titanic.

O número de piezômetros em uma barragem varia em função do tamanho dela. Mas as barragens costumam ter dezenas deles. E basta um ter problemas para o sinal de grave alerta disparar. Problemas como os relatados pelos engenheiros, em depoimento à Polícia Federal, são de elevada gravidade.

—Não tem qualquer explicação possível essa atitude. São mortes que a empresa e as pessoas que decidiram por ela carregarão para sempre —afirma Carlos Barreira Martinez.

“A mina deveria ter sido imediatamente evacuada e as comunidades alertadas. Acredito que foi ignorância, soberba, arrogância. Acharam que nem Deus afundaria o Titanic”