O globo, n. 31230, 07/02/2019. País, p. 10
Lula é condenado a 12 anos e 11 meses na ação do sítio de Atibaia
Cleide Carvalho
Gustavo Schmitt
Sérgio Roxo
07/02/2019
É a segunda derrota do petista na Lava-Jato; ele está preso há 305 dias em Curitiba e ainda tem outros processos pela frente
Preso há 305 dias na sede da Polícia Federal de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado pela segunda vez na Lava-Jato, agora a 12 anos e 11 meses de prisão, acusado de ter sido beneficiado por reformas no sítio de Atibaia. A decisão da juíza Gabriela Hardt é semelhante à do tríplex do Guarujá, quando o ex-presidente foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a uma pena de nove anos e seis mês de prisão, aumentada depois, na segunda instância, para 12 anos e um mês. Assim como o apartamento do litoral paulista, a Justiça decretou o confisco do sítio de Atibaia.
As obras foram feitas pelas construtoras Odebrecht e OAS e o pecuarista José Carlos Bumlai e custaram R$ 1,02 milhão. Para a força-tarefa da Lava-Jato, o dinheiro veio de propinas da Petrobras. “O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de presidente da República, de quem se exige um comportamento exemplar enquanto maior mandatário da República”, escreveu Gabriela na sentença.
O sítio de Atibaia, assim como o tríplex, não estava em nome de Lula ou de sua família. A juíza ressaltou, porém, que é “incontroverso” o uso frequente do sítio pela família de Lula.
A segunda condenação complica a situação de Lula numa futura progressão de regime. No Brasil, o preso tem direito a pleitear cumprir a sentença no semiaberto depois de um sexto da pena na prisão. Numa pena de 12 anos, como a do tríplex, o tempo seria de dois anos — dos quais Lula está prestes a cumprir o primeiro.
A soma das penas não tem aplicação imediata. A nova só passará a ser somada se houver uma condenação em segunda instância. Caso aconteça, a progressão só poderia ser pleiteada depois que Lula cumprisse quatro anos e um mês de prisão, o que acontecerá em maio de 2022.
O ex-presidente responde ainda a uma terceira ação penal na Justiça Federal de Curitiba, referente à compra de um imóvel pela Odebrecht, que seria destinado ao Instituto Lula. O imóvel nunca foi usado pelo Instituto. O processo ficou pronto para julgamento antes da ação do sítio, mas ainda não tem sentença.
A 13ª Vara não se pronunciou sobre a ordem de julgamento das ações. Moro não quis comentar a sentença.
Em nota, a defesa do expresidente Lula afirmou que vai recorrer e voltou afirmar que existe um “uso perverso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política”. “Uma vez mais a Justiça Federal de Curitiba atribuiu responsabilidade criminal ao ex-presidente tendo por base uma acusação que envolve um imóvel do qual ele não é o proprietário, um ‘caixa geral’ e outras narrativas acusatórias referenciadas apenas por delatores generosamente beneficiados”, afirma a nota da defesa.
A Odebrecht afirmou que tem colaborado de forma eficaz com as autoridades “em busca do pleno esclarecimento dos fatos narrados pela empresa e seus ex-executivos”.
Além de Lula, outras dez pessoas foram condenadas no caso do sítio. O empresário Emílio Odebrecht, dono da maior empreiteira do país, foi condenado pela primeira vez na Lava-Jato. Ele autorizou a obra no sítio e foi condenado a três anos e três meses.
A aplicação da pena segue o acordo de delação: na primeira fase ele cumpre regime domiciliar semiaberto — permanecendo em casa das 22h às 6h e nos fins de semana, durante dois anos. A defesa de Emílio não quis comentar a condenação.
Já Marcelo Odebrecht seria condenado a cinco anos e quatro meses pelo crime de corrupção passiva, mas teve a condenação suspensa porque ele já atingiu o limite de pena (30 anos) acordado na delação premiada.
Bumlai foi condenado a três anos e nove meses em regime semiaberto. A juíza proíbe que a pena seja substituída por medidas restritivas. A defesa de Bumlai disse que ele recebeu a sentença com surpresa e que irá recorrer, pois nunca contribuiu com dinheiro para a reforma do sítio. Argumenta ainda que a pena e o regime de cumprimento são desproporcionais.
“PT extinto”
A condenação de Lula foi postada com um título recortado de um site pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais, que não escreveu comentários. Na Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro comemorou a condenação e disse que o PT deve ser extinto. Já a presidente do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann acusou: “A perseguição a Lula não para. Uma segunda condenação a jato foi proferida, exatamente quando cresce a possibilidade de Lula ser Nobel da Paz (...).
“Lula teve ciência das obras realizadas pela Odebrecht em seu benefício e da sua família, pois: foi informado sobre o seu cronograma por Emílio Odebrecht; visitou o sítio exatamente na data em que foi realizada a desmobilização, quando ainda faltavam alguns acabamentos; e notas fiscais referentes à reforma, entregues a seu advogado e compadre RobertoTeixeira, foram encontradas em sua residência”
Gabriela Hardt, juíza federal
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Um longo caminho que pode chegar até maio de 2022
Sérgio Roxo
07/02/2019
Apesar de não ter um impacto imediato, a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva no caso do sítio de Atibaia complica, naturalmente, a situação jurídica do ex-presidente. Além disso, a decisão da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, reforça o sentimento de dirigentes petistas de que a principal liderança do PT, hoje com 73 anos, não tem perspectiva de voltar a viver em liberdade tão cedo.
O discurso do PT de que todas as investigações contra Lula são resultado de uma perseguição por parte do ex-juiz Sergio Moro perde força, uma vez que a condenação partiu de uma outra magistrada. Os líderes petistas, no entanto, provavelmente manterão essa linha com o argumento de que Hardt é ligada a Moro, agora ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
Caso a decisão de ontem seja confirmada na segunda instância, Lula terá uma pena de prisão de 25 anos no total, considerando também o caso do tríplex, pelo qual cumpre pena desde abril do ano passado.
Davi Tangerino, professor de direito penal da FGV-SP, explica que a nova pena só passará a ser somada a que ele já cumpre se houver uma condenação em segunda instância. Até lá, não produz efeito prático.
Mas, caso a confirmação da sentença aconteça, a perspectiva de progressão de regime (possível depois de cumprido um sexto da pena) fica também distante —só poderia ser pleiteada depois que Lula cumprisse quatro anos e um mês da pena, o que acontecerá em maio de 2022.
Por isso, a esperança de Lula deixar a prisão em Curitiba continua depositada no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Corte, Dias Toffoli, marcou para 10 de abril o julgamento sobre a prisão após condenação em segunda instância.
A decisão de ontem também deve reforçar os argumentos de petistas e advogados para que se busque a prisão domiciliar do ex-presidente. O interesse no benefício, no entanto, já foi alvo de uma crise entre seus advogados no ano passado. Também integrante da defesa, o ex-presidente do Supremo Sepúlveda Pertence deu entrada com um pedido para que Lula cumprisse a pena em casa. Cristiano Zanin, à frente da defesa, desautorizou o pedido.
Com 73 anos, Lula não tem perspectiva de sair da prisão em Curitiba tão cedo