O globo, n. 31238, 15/02/2019. País, p. 4

 

Bebianno dobra aposta com Carlos

Jussara Soares

Amanda Almeida

Marcello Corrêa

15/02/2019

 

 

Ministro recebe apoio de parlamentares e reafirma que não pedirá para sair

Após ser chamado de mentiroso e de ter sua permanência no governo colocada em xeque pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno , recebeu na quinta-feira o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de parlamentares do PSL, seu partido, no Congresso, de integrantes da ala militar e da equipe econômica do governo.

Boa parte da frente que se formou em defesa do ministro foi reunida pelo sentimento comum de rejeição ao filho do presidente, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro. Foi ele quem deflagrou a crise, ao expor na internet informações privadas da relação de Bolsonaro com Bebianno no Planalto. O grupo entende que há uma sensação de que Bolsonaro permitiu intrigas alimentadas pelo filho atrapalhassem a estratégia política em um momento crucial para o governo: os ministros tentam articular uma base aliada no Parlamento capaz de votar a proposta de reforma da Previdência que será apresentada nos próximos dias.

Na quinta-feira à noite, Bebianno conversou com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e manteve a decisão de não pedir demissão. Ao colega, ele considerou que sairá fortalecido do episódio.

Líderes partidários lamentaram na quinta-feira o fato de o governo estar mergulhado em uma crise no momento em que deveria estar usando suas energias para articular a votação da reforma.

Coube ao presidente da Câmara chamar a atenção do próprio Bolsonaro para o fato de estar colocando os trabalhos no Legislativo em risco, ao usar o filho para aparentemente tentar forçar a demissão de um ministro. Ao GLOBO, Maia classificou o ministro de um “cara ótimo”, um “bom interlocutor que pode continuar ajudando”. Mais cedo, em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara adotou uma postura crítica ao comportamento de Bolsonaro no episódio.

— A impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado — disse Maia ( Leia as declarações completas de Maia na página 5 ).

Além de ser acusado de colocar em risco a pauta do governo, Bolsonaro passou o dia sendo criticado por não separar o lado familiar do papel institucional de presidente. Líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), defendeu um “ajuste” nas relações do presidente com o filho.

— É simplesmente ajustar a sintonia e se distinguir o que é a defesa (do pai), uma manifestação em função do pai, e quais são as atividades, as competências e o tamanho da responsabilidade da Presidência da República — disse o senador.

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) disse que a crise envolvendo o ministro e o filho do presidente deixou “todo mundo dentro de uma saia muito justa”.

— É preciso que se decida por alguma coisa, seja para um lado, para o outro. O que não dá é para ficar nessa instabilidade, respirando esse ar que é tão denso, tão pesado, que parece que você consegue cortar o ar com a tesoura — afirmou Joice.

Amparado pelo universo político, Bebianno passou o dia recolhido, articulando nos bastidores um plano de reação para permanecer no Palácio do Planalto. A estratégia, elaborada com aliados, parlamentares e até integrantes da ala militar do palácio seguiu duas frentes. Além de buscar apoio político, o ministro lançou seus pessoas em campo para disseminar na imprensa e entre aliados de Bolsonaro alguns recados de que não pediria demissão e não sairia pela porta dos fundos do Planalto. Se o presidente quisesse sua saída, disse a aliados, teria que demiti-lo.

Bebianno enfrenta um processo de desgaste provocado por denúncias envolvendo irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL. Segundo reportagem da “Folha de S.Paulo”, durante as eleições, então coordenador da campanha de Bolsonaro, Bebianno liberou R$ 400 mil do fundo partidário a uma candidata que teve apenas 274 votos. A suspeita é de que ela tenha sido usada como laranja.

“Não sou moleque"

Em nota divulgada na quinta-feira, Bebianno tentou rebater tecnicamente as acusações reforçando que não era responsável pelos repasses para candidatos deputados nos estados.

Filho mais próximo do presidente, o vereador postou nas redes sociais, na quarta-feira, um áudio do presidente endereçado ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Carlos trabalha nos bastidores para derrubar Bebianno, que considera seu desafeto.

O filho do presidente, que não tem função formal no governo, postou a gravação no começo da tarde, enquanto o pai voava de São Paulo a Brasília, para mostrar a seus seguidores que o ministro teria mentido, ao dizer ao GLOBO, que teria conversado, por mensagens de WhatsApp com Bolsonaro.

O ministro palaciano falou sobre as conversas na terça-feira, para rebater rumores de que estaria enfraquecido no cargo. Na mesma quarta, porém, o próprio Bolsonaro avalizou as declarações do filho.

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Um fã que chegou ao coração da família Bolsonaro

15/02/2019

 

 

Há seis meses, o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, de 54 anos, sustentava-se oferecendo apoio jurídico a senhoras que batiam o carro em Copacabana. Aos honorários de advogado somavam-se os quinhões que conquistava do conforto do lar a partir de operações de compra e venda de ações na bolsa de valores, por meio da internet.

Formado em Direito pela PUC-Rio e de família abastada —Bebianno é neto do ex-presidente do Botafogo, Adhemar Bebianno —, o atual ministro ingressou na carreira jurídica por meio de um estágio no escritório de Sérgio Bermudes.

Seu contato com o então candidato Jair Bolsonaro aconteceu por intermédio do engenheiro Carlos Favoretto, amigo do ex-publicitário Gutemberg Fonseca, atualmente secretário de governo de Wilson Witzel , governador do Rio. Ainda durante a campanha, Bebianno, na condição de fã, apareceu em um estúdio na Barra da Tijuca onde Bolsonaro era fotografado. Se aproximou ofertando auxílio jurídico à campanha.

De outsider político, manobrou para arrancar a candidatura de Bolsonaro do nanico Patriota e levá-la ao PSL. O êxito na manobra lhe garantiu a vaga de presidente interino da sigla e culminou com a sua nomeação para o primeiro escalão, com gabinete no Planalto. 

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Está por um fio no governo ou sabe demais?

Francisco Leali

15/02/2019

 

 

Eleito com o impulso das redes sociais, onde os comentários, ataques e impropérios prosperaram, o presidente Jair Bolsonaro livrou-se das bactérias do pulmão, recuperou-se da última cirurgia e desembarcou de volta ao Planalto Central pronto para reassumir as rédeas de sua gestão. O primeiro ato foi verbal: deixar por um fio o emprego daquele que já tinha sido o auxiliar mais próximo, o secretário-geral da Presidência da República, o advogado Gustavo Bebianno.

No que pode vir a ser a primeira demissão do governo Bolsonaro, a situação do ministro, seguindo moldes e costumes do poder, estaria mais para figurar na seção 2 do Diário Oficial — onde publica-se atos de nomeação, mas também exoneração de servidores.

O linguajar clássico da corte brasiliense usa o verbo “fritar” quando está em curso ação para induzir a demissão de uma autoridade.

Na era Bolsonaro, seria mais apropriado falar em “torrar” ou “arder”. A fogueira em que Bebianno foi colocado pode ser indicativo do método bolsonariano de tirar gente do seu governo. A estratégia foi construída nas mesmas redes sociais que inflaram o apoio ao então candidato. O portavoz foi o mesmo filho, Carlos, que protagonizou as ondas de mensagens mais virulentas.

Sem cargo no governo, Carlos, que já não se dava bem com o secretário-geral, foi o arauto da má notícia.

Para espanto de seguidores que ontem pediram em sua rede para ele ter calma e não prejudicar o governo, Carlos denunciou a “mentira” de Bebianno e foi respaldado pelo pai. O ministro havia declarado ao GLOBO que tinha conversando três vezes num só dia com o presidente, quando ele estava internado em São Paulo

Quando o presidente diz que o ministro mente, a porta da rua parece ser a serventia da casa.

Mas há que se considerar que Bebianno estava em todos os momentos decisivos de 2018 ao lado do candidato. Ouviu conversas, sabe como foram tomadas as decisões estratégicas de campanha, das corriqueiras às menos ortodoxas. Ou seja, se ministro que arde sabe demais, o presidente pode ser aconselhado a mantê-lo ali ao alcance da sua vista.