O globo, n. 31240, 17/02/2019. País, p. 8

 

Candidatas inexpressivas, com verba e suspeitas

Natália Portinari

Daniel Gullino

17/02/2019

 

 

Mulheres que gastaram mais de R$ 1 mil por voto receberam R$ 13,8 milhões do fundo eleitoral e partidário; no Distrito Federal, militantes pagos com dinheiro de aspirante a deputada trabalharam para a campanha do governador

Levantamento feito pelo GLOBO revela que, na última eleição, partidos se valeram de candidaturas de mulheres com desempenho eleitoral inexpressivo para cumprir a cota de 30% do uso do fundo eleitoral. Muitas nem sequer chegaram a fazer campanha. Dos 79 candidatos que registram gastos de mais de R$ 1 mil para cada voto obtido, 76 são do sexo feminino. São R$ 13,8 milhões em fundo partidário e fundo eleitoral, verbas públicas, gastos com essas candidaturas. Nenhuma dessas mulheres foi eleita. Para efeito de comparação, o gasto médio dos candidatos foi de R$ 41 por voto.

A candidata a deputada distrital Kadija (MDBDF) declarou gastos de R$ 454,5 mil, mas obteve só 403 votos. Sua principal despesa foi com militantes de rua (93%), mas três pessoas contratadas como cabos eleitorais relataram ao GLOBO que não fizeram campanha para ela, mas sim para o candidato a governador do Distrito Federal do MDB, Ibaneis, que acabou eleito. Ele era novato na política, considerado um outsider e símbolo

da renovação local. Ilka Quinhões Azevedo diz que trabalhou apenas na campanha de Ibaneis e que nunca ouviu falar em Kadija. Ela ainda perguntou se o nome do seu genro, Anderson Ferreira de Souza, estava na prestação de contas, o que foi confirmado pela reportagem, e disse que ele também não trabalhou para a deputada. —Meu nome está na prestação de contas de uma deputada que eu nunca ouvi falar? Eu não trabalhei para ela. Vou atrás dela pedir meu dinheiro —reclama.

Poucos votos

Kadija se disse surpresa com a informação e afirmou que todos os seus gastos foram devidamente apresentados à Justiça Eleitoral:

— Me causa estranheza quem falou isso. São pessoas que receberam cheques nominais. Não posso dizer que conhecia todas as pessoas, os coordenadores da campanha tinham liberdade para arregimentar.

Por meio de sua assessoria, Ibaneis disse que “não tem qualquer responsabilidade na liberação de verbas para outros candidatos”, como Kadija.

Os casos de candidaturas de mulheres com votação inexpressiva e altos custos envolvem 21 partidos. A sigla que mais se valeu do expediente foi o PRB, com 12 mulheres que receberam R$ 4,3 milhões em dinheiro público e, juntas, tiveram pouco menos de três mil votos.

As histórias se repetem em todo o país. Tamires Vasconcelos, candidata a deputada estadual do PR do Piauí, declarou um gasto de R$ 370 mil e acabou com 41 votos. No PRB do Maranhão, Maria Regina Duarte Teixeira declarou gastos de R$ 585 mil de verba pública, apesar de ter obtido só 161 votos para deputada estadual. As campanhas não deixaram rastros nas redes sociais e as mulheres não foram encontradas para comentar.

Teresa Cavalcante Queiroz, candidata a deputada estadual no Ceará, recebeu um voto. Ela disse ao GLOBO que desistiu de fazer campanha porque é funcionária pública e temeu haver incompatibilidade. Na sua prestação de contas, porém, aparece um gasto de R$ 5 mil. Deste valor, R$ 3 mil foram gastos com uma gráfica, no Ceará, no nome de Gustavo Silveira Alves.

— Não sei quem é. Com certeza é com eles (o partido), porque não recebi nada e não gastei nada. Tive um único voto, de uma professora que não estava sabendo que eu desisti —contou.

Posts apagados

A candidata a deputada estadual Lucenir Licata, do PSD de Roraima, declarou gastar R$ 60 mil em dinheiro público e recebeu só nove votos. O motivo está explícito em sua página no Facebook. Lucenir anunciou outra candidatura: a de seu marido, o pastor Josias Licata, a deputado federal. A verba foi repassada pelo PSD. A reportagem entrou em contato com o candidato, que não quis dar entrevista. Josias Licata teve a candidatura indeferida por ausência da prestação de contas referente à eleição de 2014, em que também concorreu. Em sua própria campanha, declarou gastos de R$ 50 mil.

Um caso semelhante ocorreu no Pará, com a candidata a deputada estadual Clivia Pinheiro Leão, pelo PROS, que gastou R$ 170 mil de dinheiro público, mas converteu só 49 votos.

Em sua página do Facebook, Clivia aparece fazendo campanha para o candidato a deputado federal Xarão Leão, um parente seu, e não para si mesma. Xarão, ou José Antonio Azevedo Leão, é o presidente do partido no estado. Clivia registrou gastos de R$ 70 mil em uma gráfica que também consta na prestação de contas de Xarão. Ex-prefeito de Breves (PA), Xarão já foi condenado em primeira instância à inelegibilidade por desvio de dinheiro público, mas teve o registro deferido no ano passado.

Ele não se elegeu. Na prestação de contas de Clivia, R$ 33 mil foram gastos em locação de veículos. Procurada, Clivia não quis atender a reportagem. Após o contato, ela apagou todas as publicações no Facebook em que fazia propaganda para Xarão. Concorrendo a deputada estadual, Deize Ramos da Silva, do Solidariedade da Bahia, recebeu apenas nove votos. Na prática, a estrutura de sua campanha foi mais usada por um homem, o candidato a deputado federal Luciano Araújo (SD-BA). Ela não sabia, antes da ligação do GLOBO, o seu gasto total: R$ 55 mil em verba pública.

—Teve carro de som, panfleto, teve tudo, mas na hora de votar, ninguém votou em mim. Eu me decepcionei muito com o pessoal. Não sei quanto gastei. Todo o material era casado com Luciano —disse Deize. A reportagem entrou em contato com Valdira Maria Ribeiro, contabilizada na prestação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como cabo eleitoral de Deize. Questionada, ela não sabia dizer se Deize era ou não candidata. Lembrava do nome de apenas um candidato para quem fez campanha: Luciano Araújo. Ele não se elegeu.

O PR e o PSD informaram que os repasses foram feitos pelos diretórios estaduais. O PRB disse que a reserva de vagas e de recursos das mulheres “talvez não seja o melhor caminho para o equilíbrio de gênero”. Os demais partidos foram contatados, mas não responderam.