O globo, n. 31240, 17/02/2019. País, p. 9

 

Pensionistas de militares ganham até R$ 58 mil

André de Souza

17/02/2019

 

 

Acúmulo de benefícios custa R$ 5 milhões por mês ao Exército e à Aeronáutica; gastos com pensões de filhas casadas impactam em mais de R$ 200 milhões mensais os cofres públicos

Em meio ao debate sobre a reforma da Previdência, as pensionistas de militares não têm muito do que reclamar. Há na Aeronáutica e no Exército pelo menos 281 mulheres acumulando duas pensões. Elas custam aos cofres públicos mais de R$ 5 milhões por mês, recebendo, em média, quase R$ 19 mil mensais cada uma. Na Marinha, elas são 345, mas não há informações sobre valores. São, em geral, viúvas que, por serem filhas de militares, tiveram direito a duas pensões: dos maridos e dos pais. Na ponta de cima da tabela está uma pensionista da Aeronáutica que recebe todo mês mais de R$ 58 mil.

Além dos pagamentos em dobro para uma mesma pensionista, há um outro aspecto do benefício que fará com que ele continue pesando nas contas públicas por décadas. Até o fim de 2000, qualquer filha de militar falecido tinha direito à pensão, independentemente da idade. Houve então uma mudança na lei, extinguindo o benefício. Quem já recebia, contudo, continuou recebendo. E uma brecha permitiu que novos benefícios fossem autorizados.

Hoje são cerca de 110 mil filhas pensionistas nas três forças. Dados parciais obtidos pelo GLOBO referentes a 37,8 mil mulheres mostram que pouco menos de 23 mil, ou três de cada cinco, conseguiram o benefício após a mudança na lei.

Limite desde 2000

Isso ocorre porque o direito à pensão é definido pela data de entrada do militar em uma das três Forças, e não pela data da morte dele. Desde o fim de 2000, a pensão é garantida apenas a filhos ou enteados de até 21 anos, ou 24 se forem estudantes universitários. Mas, no caso de militares que ingressaram no Exército, Marinha ou Aeronáutica até aquele ano, suas filhas ainda poderão ter o benefício, ainda que os pais venham a morrer só daqui a 50 anos. Para isso, é preciso apenas que o militar pague uma contribuição adicional de 1,5%.

Os dados são da folha de julho de 2018, podendo variar mês a mês, e foram obtidos pelo GLOBO em setembro e outubro após um ano e oito meses solicitando-os por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Eles foram repassados somente depois que a Controladoria Geral da União (CGU) aceitou um recurso e mandou as três forças levantarem as informações pedidas.

A Marinha, cujo prazo para responder terminou em outubro, não cumpriu a decisão. O GLOBO também solicitou, via Lei de Acesso, informações sobre os benefícios pagos às filhas casadas. Os dados mostram claramente que a extinção da pensão em 2000 não impediu que ela continuasse sendo concedida.

No Exército, são 31.630 filhas casadas que recebem ao todo quase R$ 200 milhões por mês. Delas, 18.182 tiveram a pensão concedida após lei que a extinguiu, recebendo mensalmente mais de R$ 108 milhões. Na Aeronáutica são 6.162, uma despesa de cerca de R$ 35 milhões por mês. Delas, 4.724 obtiveram o benefício após a alteração na legislação no fim de 2000, recebendo no total mais de R$ 26 milhões por mês.

A maior parte nasceu nos anos 40, 50 e 60. O GLOBO excluiu dos cálculos pensionistas que tinham até 24 anos em julho de 2018. Dados levantados em maio de 2018 mostram que todas as filhas pensionistas, sejam solteiras ou casadas, custam mais de R$ 5 bilhões por ano. Por meio da assessoria de imprensa, a Marinha afirmou que o órgão se encontra em fase de transição, que as filhas casadas que ganham pensão têm direito adquirido e que, por questões judiciais, podem acessar o benefício.

A Aeronáutica, por meio da assessoria de imprensa, se recusou a comentar o assunto. O Exército não retornou o pedido da reportagem.