Título: Transparência pela metade
Autor: Kleber , Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 01/08/2012, Política, p. 7
Um dia após a Justiça Federal no Distrito Federal ter concedido liminar suspendendo a divulgação nominal dos salários de parlamentares e servidores da Câmara e do Senado, prevista para ocorrer ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que vai recorrer da decisão. A ação foi proposta pelo Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), que considera a publicação dos salários com os respectivos nomes dos funcionários uma violação aos direitos de privacidade previstos na Constituição. Até ontem, porém, a AGU ainda não havia sido intimada sobre a decisão na primeira instância.
Durante toda a terça-feira, Câmara e Senado tentaram ajustar os seus dados para fazer a divulgação de forma individualizada, mas sem expor o nome da pessoa, conforme a liminar judicial exigia. Os atos obrigando a divulgação dos salários dos servidores dos dois órgãos previam a inclusão do nome da pessoa, seu vínculo funcional e ocupação com as devidas remunerações eventuais e básica, vantagens de natureza pessoal, abono de permanência, descontos obrigatórios e outras parcelas, remuneratória ou indenizatória. A assessoria do senador Cícero Lucena (PSDB-PB), responsável pelo ato assinado na segunda-feira, que normatizou a divulgação dos vencimentos no Senado, informou que a medida visou cumprir o que a Lei de Acesso à Informação determinou. Quanto à liminar que proíbe a exposição dos nomes dos funcionários, a assessoria do parlamentar informou que a determinação judicial tem de ser cumprida. De fato, a decisão do Congresso Nacional de disponibilizar os dados com o formato nominal é uma consequência da regulamentação da Lei de Acesso à Informação, que obrigou os órgãos do Executivo a publicar as remunerações nominalmente.
O presidente do Sindilegis, Nilton Paixão, avalia que o debate sobre a disponibização dos salários com a identificação dos funcionários públicos é legítima, e ainda vai se prolongar. "Nenhum direito é absoluto. Nem o direito de privacidade nem a Lei de Acesso. Quando os dois se chocam, tem de ser fazer uma análise com razoabilidade para que convivam harmonicamente", diz. O dirigente afirma ser natural que novas normas causem discussões na sociedade, assim como ocorreu, na visão dele, com a as leis de Responsabilidade Fiscal (LRF) e de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "No início, houve incongruências. Mas vai evoluindo. O escuro só é escuro no começo, depois seus olhos vão se acostumando", resume. Nilton Paixão acredita que, quando "cair a ficha" no caso da Lei de Acesso à Informação, a vitória será pela não exposição dos nomes.
Superssalários
Câmara e Senado foram os últimos a agendar uma data para começar a publicar os contracheques na internet. Órgãos do Executivo e do Judiciário já disponibilizam as informações desde o começo de julho — embora muitos tribunais ainda não tenham aderido à prática. Por isso, a expectativa em torno do Congresso Nacional cresceu, principalmente, porque as suspeitas de pagamento de superssalários é maior no Legislativo. O Correio mostrou, em 8 de julho, que os pagamentos de remunerações acima do teto constitucional de R$ 26,7 mil para funcionários do Congresso já foram identificados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 1.576 mil contracheques. Os altos salários também são investigados pelo Ministério Público Federal, que engrossa com pareceres os seis volumes de processo que tramita na 9ª Vara do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
A Justiça analisa como as duas Casas gastam os recursos públicos na composição dos salários, concedendo pelo menos 45 tipos diferentes de gratificações. Muitas delas não estão sujeitas ao abate-teto, mecanismo que possibilita limar o que exceder o limite constitucional. Só as vantagens eventuais que engordam o contracheque dos servidores do Senado, por exemplo, custam R$ 157,7 milhões por ano aos cofres públicos. Desse montante, pouco mais de R$ 70 milhões (44%) são desembolsos considerados irregulares pelo TCU.