Título: O Frankenstein do mensalão
Autor: Jeronimo , Josie
Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2012, Política, p. 2/3

As provas anexadas ao processo do mensalão, que começa a ser julgado na quinta-feira, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não atingem um importante aspecto do suposto esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio político durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a origem do dinheiro. As fontes dos recursos foram analisadas em um segundo inquérito, concluído em abril de 2011, que não foi anexado ao volume principal. Depois de quase um ano parado na Procuradoria-Geral da República, conforme registro de movimentação do STF, em fevereiro, o Ministério Público Federal pediu que fossem feitas várias cópias do inquérito e remetidas aos escritórios regionais, para as providências nos estados. Passados sete anos do escândalo, a compartimentação das apurações terminou por transformar em um verdadeiro Frankenstein o inquérito, que tem início, mas não fim.

As intrincadas investigações tiveram início em 2005 pela Polícia Federal. Dois anos depois, o delegado federal Luiz Flávio Zampronha — presidente do inquérito e então coordenador da Divisão de Combate a Crimes de Lavagem de Dinheiro da PF —, após identificar os operadores, colaboradores e beneficiários da proprina, remeteu o inquérito ao Supremo, com pedido de extensão de prazo para a conclusão das investigações, que passaria a focar mais detalhadamente as fontes de financiamento do esquema. Ao contrário disso, a Procuradoria-Geral da República entendeu que já tinha elementos suficientes para denunciar os envolvidos e acusou criminalmente 40 pessoas — entre políticos, diretores de banco, ministros e empresários — pelos crimes de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.

Operador

Com a denúncia, o Ministério Público Federal requereu a continuidade das investigações, trabalho assumido pelo delegado Zampronha. Um inquérito separado, porém, apontaria a origem dos recursos movimentados, entre 2003 e 2004, pelo empresário e operador do esquema, o empresário Marcos Valério. As investigações concluíram que uma das principais fontes de financiamento do mensalão foram recursos de publicidade do Banco do Brasil, por meio do Fundo Visanet, criado para promover a bandeira de cartões Visa.

Em seu relatório, Zampronha comprova que o banco estatal repassou à DNA Propaganda, de Valério, R$ 91,9 milhões dos R$ 151,9 milhões sacados da conta do fundo. No entanto, parte desses recursos nunca chegou ao destino verdadeiro: foi desviado para abastecer o esquema pelo publicitário e seus colaboradores. Para dar aparência legal, algumas operações eram para negócios fictícios ou empresas que não comprovaram a prestação de serviço.

Zampronha ressalta o deficit do PT causado pela campanha eleitoral

A sofisticada rede de lavagem de dinheiro

A segunda parte do inquérito, que ainda não produziu qualquer efeito legal, dedica tópicos distintos para descrever a atuação de cada um dos colaboradores para as sofisticadas movimentações financeiras, necessárias para ocultação da origem do dinheiro. O delegado federal Luiz Flávio Zampronha afirma no relatório que o que moveu o empresário Marcos Valério a socorrer o PT era seu interesse em manter o contrato milionário de sua empresa com o Fundo Visanet, firmado no governo antecessor, e abocanhar novos contratos no governo petista. Em razão disso, se aproximou do tesoureiro do PT à época, Delúbio Soares, com a promessa de ajudar o partido a quitar uma dívida da campanha presidencial de 2002, no valor de R$ 50 milhões. "A dispendiosa campanha eleitoral resultou em um deficit orçamentário nas contas da nova coligação partidária que assumiu o governo federal em 2003, causando fragilidade econômica que seria inteligentemente explorada por Marcos Valério, por meio de uma ação de cooptação financeira", diz o relatório de Zampronha. O texto traz ainda como conclusão que, além da manutenção dos contratos, Valério pretendia "a criação de uma nova rede de influência política a ser explorada ao longo dos anos". A Polícia Federal concluiu também que a "referida operação de aproximação envolveu o aporte de um volume crescente de dinheiro, cujos repasses foram aumentando à medida que se estreitavam os laços entre Marcos Valério e o número político do governo Lula". Em consequência, diz o documento, o empresário foi obrigado a alternar as fontes de financiamento enquanto crescia a necessidade de maior aporte de recursos. "Inicialmente, tiveram (os valores) como origem o próprio excedente financeiro gerado por contratos de publicidade mantido pelas empresas de Marcos Valério", afirma a PF. Com o crescimento da rede, Valério passou também a captar recursos por meio de empréstimos em instituições financeiras privadas, as quais se beneficiariam do lobby do empresário no governo, de olho em empréstimos consignados para servidores, entre outros. Entre as operações financeiras de Valério, estão dois empréstimos no Banco Rural e no BMG, que mantiveram a roda girando. As operações, no entanto, segundo a PF, não tiveram qualquer irregularidade e cumpriram todas as regras instituídas pelo Banco Central e agências reguladoras do setor. Na sexta-feira, o relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, acatou pedido da defesa de Valério e concordou em anexar ao processo decisão do Tribunal de Contas da União, que considerou regular o contrato firmado em 2004 pela DNA e o BB. (MCP)

Delúbio recebe apoio em SP

O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, um dos 38 réus do julgamento do mensalão, recebeu ontem apoio de militantes do partido na Zona Sul de São Paulo. O ato, organizado pelo candidato a vereador Roberto Casseb e pelo diretório zonal da Vila Mariana, contou com cerca de 40 pessoas e foi fechado à imprensa. Vestindo camisa da Seleção Brasileira, jaqueta e tênis, Delúbio chegou às 14h40 e permaneceu por quase três horas na sede do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo. Distribuiu cadernos com o resumo da defesa preparada por seus advogados e os CDs "Companheiro Delúbio", em que se defende das acusações de ser um dos mentores do mensalão.

Cronograma

Quinta-feira

Relator do processo, Joaquim Barbosa levará poucos minutos para ler em plenário o resumo do relatório da ação penal do mensalão. Na sequência, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá até cinco horas para sustentar a acusação contra 36 dos 38 réus. Ele pediu a absolvição do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Luiz Gushiken e do ex-assessor parlamentar Antonio Lamas, irmão de Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do Partido Liberal (atual Partido da República — PR).

Sexta-feira

Começa a fase de sustentações orais dos advogados dos 38 réus. Cada defensor terá a palavra no julgamento por até uma hora. Portanto, essa etapa poderá durar até 38 horas. Como o Supremo limitou a participação de cinco advogados por dia, as sustentações deverão terminar somente em 14 de agosto. Até essa data, as sessões serão realizadas em todos os dias úteis.

15 de agosto

O ministro Joaquim Barbosa começará a ler seu extenso voto. A partir dessa data, o julgamento terá apenas três sessões semanais, às segundas, quartas e quintas-feiras. O relator deverá levar pelo menos três dias votando. Ou seja, não deverá concluir sua parte antes do dia 20.

22 de agosto em diante

O revisor do processo, Ricardo Lewandowski, deverá começar a votar. O voto também será longo e poderá trazer contrapontos ao trabalho feito pelo relator. Não há estimativa de quanto tempo Lewandowski levará votando. Depois dele, nove magistrados ainda terão direito a se pronunciar: Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto.